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ACESSO UNIVERSAL DE QUALIDADE: NO SUS LEGAL E NO SUS REAL

Nelson Rodrigues dos Santos
Coordenador da Secretaria Executiva do CNS 1.997/2002
Julho/2011
 
Nosso ponto de partida é o entendimento do “RUMO MAIOR” da política pública de saúde no país, ser dado pelos princípios e diretrizes da Constituição Federal/88 e Lei Orgânica da Saúde/90. Sua implementação nestes 20 anos é realizada pelo poder executivo que tem a prerrogativa legal de formular estratégias implementadoras dos dispositivos constitucionais e das leis.
 
Algumas estratégias congruentes (como a elevação contínua e acentuada do componente municipal do financiamento do SUS e a criação das Comissões Intergestores - CIT e CIBs - e ordenamento do processo descentralizador por meio de pactuações, grande salto na produção de serviços e inclusão social, por exemplo), baseadas nos princípios e diretrizes do SUS, apontam para a mudança do modelo de atenção à saúde com base nas necessidades e direitos da população, com fortalecimento da Atenção Básica projetando sua cobertura até por volta de 90% da população, sua resolutividade até por volta de 90% das necessidades de saúde, e seu papel de ser porta de entrada preferencial e orientadora e ordernadora das linhas de cuidado integral, incluindo a assistência de média e alta densidade tecnológica. Neste modelo – SUS legal – o acesso é gratuito, humanizado, equitativo, de qualidade e responde ao direito humano de cidadania. A realização de tais estratégias pelos gestores e controle social do SUS foi se dando na prática com a visão inicial de que as dificuldades e reações contra o SUS legal, próprios dos interesses adquiridos, fossem superadas gradativamente, na medida das forças sociais e políticas do SUS legal, isto é, uma construção incremental do SUS, passo a passo. Mas aconteceram também estratégias incongruentes com os princípios e diretrizes: houve retração contínua do financiamento federal, proporcional ao crescimento do financiamento estadual e principalmente do municipal, sendo que em vários anos o componente federal cresceu menos que o da população e da inflação, nosso Estado e nosso país permanecem entre os piores financiamentos públicos por habitante-ano; com estrutura centralizadora, burocratizada, ineficiente, com as atividades-meio sufocando as finalísticas e consequentes desperdícios, na administração direta e autárquica, e esse mesmo Estado vem aumentando fortíssimos gastos públicos com a produção e consumo privados de serviços de saúde, que representam mais de 25% do faturamento anual do conjunto dos planos privados de saúde e mais de 40% do gasto anual do Ministério da Saúde. A formulação dessas estratégias deu nestes 20 anos, sem a participação dos gestores do SUS, nem dos conselhos de saúde, e sim, como política de Estado e não de Governo, nos Ministérios da Fazenda, da Casa Civil, do Planejamento e do antigo MARE (Administração e Reforma do Estado), atravessando todos os governos nessas duas décadas.
 
As estratégias congruentes e incongruentes, apesar da grande tensão e conflito entre si, são inexoravelmente realizadas na prática, de modo simultâneo, imbricado e confuso, pelos gestores, prestadores, trabalhadores de saúde, com controle pelos conselhos de saúde, ressaltando-se, porém, uma resultante marcada pela hegemonia das incongruentes sobre as congruentes, perceptível por meio de algumas sinalizações como: a continuidade do modelo “da oferta” com base nos interesses do mercado de medicamentos, equipamentos, próteses e outros insumos, dos prestadores privados pagos por produção e do corporativismo de boa parte dos profissionais de saúde; a Atenção Básica não tem seu desenvolvimento apontado para a Universalidade, mantendo-se abaixo da linha da pobreza, nem para a alta resolutividade, e por isso, nem para vir a ser porta de entrada preferencial, perdendo a condição de orientar e ordenar as linhas de cuidado em todos os níveis do sistema, com possibilidade de estabilizar-se, na média nacional, em caráter apenas “compensatório”, o mesmo que parece atingir a assistência de média e alta densidade tecnológica com alta repressão de demanda à população que depende somente do SUS. Por final, a classe média e os trabalhadores da área privada e pública, migram para os planos privados nestes 20 anos. Em síntese, as dificuldades e reações iniciais contra o SUS foram crescendo e ganhando consistência e competência estratégica, formularam outro sistema público sob outra lógica, e cooptaram a construção incremental do SUS legal, que acabou se tornando um apêndice “compensatório” desse outro sistema, o SUS real.
 
Neste modelo o acesso é segmentado conforme os estratos sociais, incluindo os afiliados aos planos privados, desigual e desumano aos que só dependem do SUS, quase 80% da população O desafio do movimento da reforma sanitária, das entidades e movimentos da sociedade e das conferências e conselhos de saúde, para resgatar e reconstruir seu significado histórico é eminentemente político e deve integrar o desenvolvimento econômico, a democracia participativa, a realização de políticas públicas universalistas com base nos direitos sociais de cidadania por meio de sistemas públicos de qualidade e eficientes, entre outros aspectos. Na implementação do SUS real, a predominância do impacto das estratégias incongruentes sobre o impacto das congruentes, revela a força e duração da política de Estado acima da política de Governo. Por isso os militantes do SUS legal devem manter a necessária clareza onde está a política de Estado no cotidiano, onde não devemos ceder, conciliar e tergiversar, alertando e denunciando em todas as ocasiões e eventos, e o onde está a politica de Governo, que se realiza, na saúde, “de saia justa”, em estreito corredor delimitado pela política de Estado, sob a pena da equipe do Ministério da Saúde desestabilizar-se ou desestabilizar o Governo.
 
Os conselhos e conselheiros de saúde, nos 20 anos do SUS, talvez não venham conseguindo ou persistindo na transmissão de informações e convencimento das entidades e segmentos da sociedade, a respeito das análises e posicionamentos produzidos e debatidos mensalmente em suas reuniões, talvez até as análises e posicionamentos mais relevantes para a implementação ou não do SUS legal. Sob este ângulo, desenvolveu-se possível descolamento entre os conselhos de saúde e as entidades e segmentos da sociedade neles representados. Por outro lado, as estratégias implementadoras do SUS real, incongruentes com os princípios e diretrizes do SUS legal, vêm sendo formuladas “acima” dos conselhos de saúde e dos próprios gestores do SUS, e apesar deste ponto comum, os conselhos e os gestores continuam descolados entre si, sem articular e somar esforços para participar e atuar na formulação dessas estratégias. Este duplo descolamento dos conselhos de saúde, das entidades e movimentos da sociedade neles representados, no campo da informação, politização e mobilização, assim como dos gestores, no campo da atuação na formulação de estratégias, talvez seja uma das questões mais candentes a serem pautadas e superadas nas conferências e conselhos de saúde.
 
Em princípio, é a sociedade, suas entidades e movimentos, com consciência política e mobilização, que reúne forças historicamente capazes de influir no rumo das políticas de Estado e de Governo, e em função disso é que devem ser formulados os papéis das conferências e conselhos de saúde, sem o equívoco de substituir a própria sociedade.

 



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