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2011 - 27 - 577 - DOMINGUEIRA - AINDA A DUPLA PORTA

PONTO ZERO:
 
É NECESSÁRIO ESCLARECER DOIS FATOS NA ÁREA DE SAÚDE QUE CORREM CONCOMITANTES E SOB A MESMA INCONSTITUCIONALIDADE. PRIMEIRA O HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA USP QUE DECLARA QUE AUMENTARÁ SUA COTA DE ATENDIMENTO PRIVADO DE 3% PARA 12%. PRÁTICA ANTIGA, AGORA EXACERBADA, SEM NENHUMA BASE LEGAL. A SEGUNDA É LEI E DECRETO DE ALCKMIN PERMITINDO QUE AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS, QUE OPERAM HOSPITAIS PÚBLICOS, POSSAM VENDER 25% DE LEITOS E SERVIÇOS PÚBLICOS AO SETOR PRIVADO. EM AMBOS: PRÉDIOS PÚBLICOS, EQUIPAMENTOS PÚBLICOS E, NO HOSPITAL DAS CLÍNICAS, SERVIDORES PÚBLICOS.
O QUE TÊM EM COMUM: PRIVILEGIAMENTO DE ACESSO AOS SERVIÇOS, ATRAVÉS DE UMA DUPLA PORTA. O GRANDE ARGUMENTO DOS DEFENSORES DESTA DUPLA PORTA É A NECESSIDADE DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO DAS INSTITUIÇÕES HC-USP E ORGANIZAÇÕES SOCIAIS. PODERÍAMOS DIZER “TUDO POR DINHEIRO”? MESMO QUE SEJA DESCUMPRIR AS CLÁUSULAS PÉTREAS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ESTADUAL DE SÃO PAULO.
DUPLA PORTA: ACESSO PRIVILEGIADO, ACOMODAÇÃO PRIVILEGIADA E TALVEZ A PROMESSA DE CUIDADOS DIFERENCIADOS!!!! TUDO AO ARREPIO DA CF E CE-SP.
 
1.  PRIMEIRA PÁGINA - TEXTOS DE GILSON CARVALHO
DUPLA PORTA: RÉPLICA DE GILSON CARVALHO AO TEXTO DO PROF. MIGUEL SROUGI
Gilson Carvalho
Tenho enorme admiração e louvor ao trabalho da equipe técnica multiprofissional e todos os demais trabalhadores de saúde do HC-USP. Quanto ao título do texto do Prof. Srougi “Hospital das Clínicas, sempre incomparável” prefiro  sem o sempre, porque assim não temos como errar.
Ótima a humildade de considerar o HC imperfeito. Como nada é perfeito, acho que o HC por vezes também seja imperfeito.  Este atributo é inerente a nós humanos e nossos empreenderes. Também concordo com a assunção de que a grande maioria o seja o que não encobre a pequena minoria que pode não ser. Quanto ao objetivo de vocês do HC de tornar a nação menos desigual não é, nem pode ser com uma nação impessoal, mas sim feita dos atos e pensares dos que a constituímos e de nossa inserção diária, no cotidiano. Não podemos defender a desigualdade em nossas vidas privadas e nos nossos locais de trabalho, principalmente se públicos, e falar de nosso compromisso em tornar a nação menos desigual declarado pelo Professor. No serviço público é imperioso que se cumpra o principio da isonomia.
Não falamos em nosso texto anterior de pretenso plano de privatização do HC. A dupla porta no HC-USP e seus Institutos é uso de vários anos e que agora quer apenas se expandir. No mesmo sentido o estado fez passar lei que abre 25% para os privados que administram instituições públicas e que tem tudo a ver com o pretenso favorecimento do ICESP, salvo engano ligado, umbilicalmente, à USP-HC.
Longe de nós satanizar o Koyama. Apenas demos crédito ao veiculado pela mídia: “O Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, símbolo do serviço de saúde gratuito e universal, vai quadruplicar os atendimentos prestados a convênios; 12% deles serão realizados para planos privados, relata Laura Capriglione, Segundo a superintendência do HC, o dinheiro dos planos será usado para financiar melhorias no atendimento gratuito do HC. Para boa parte dos médicos, será difícil evitar que os pacientes do SUS não acabem preteridos. A decisão de destinar aos planos de saúde 12% dos atendimentos do HC é vista com "extrema preocupação" por alguns médicos. "Na prática haverá cidadãos de duas categorias disputando o mesmo serviço: um pagante [particular] e outro não pagante [SUS]. Será muito difícil evitar que os não pagantes não acabem preteridos", diz Renato Azevedo Júnior, presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo.” Se a mídia e o Presidente de nosso CREMESP estiverem errados precisam ser corrigidos.
Jamais falamos que o HC ou outros hospitais estaduais iriam ser totalmente privatizados. Muitos já estão (faz anos!) e outros caminham para privatizar parte de seus serviços. O que continuamos falando foi que a superintendência defendeu o crescimento para 12% da participação privada no HC. A Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, hoje dirigida pela USP, tendo à frente representante de seu corpo docente , este sim, concretamente, propõe introduzir a venda de 25% dos serviços públicos estatais de saúde para o setor privado. A gravidade da questão toda, está no acesso.
Ninguém pode fazer ressarcimento pelas próprias mãos. Defendemos o ressarcimento feito, conforme a lei, pela ANSS. Se a ANSS não estiver cumprindo suficiente e corretamente sua missão, temos que fazer pressão administrativa, seguida do MP e até do Judiciário, ou mudar a lei. Não se muda lei federal por lei estadual inconstitucional, mas via congresso nacional. Se o HC-USP quiser fazer acesso igualitário e pressionar a ANSS para fazer o ressarcimento, estaremos do lado nesta empreitada.
Concordo por inteiro e parabenizo ainda uma vez, pelo trabalho valoroso de várias gerações de alunos, residentes, professores, e demais trabalhadores de todas as categorias do HC-USP. Sugeriria o acréscimo: patrimônio e serviços feitos com os recursos financeiros de  nós cidadãos e que, por público, deve ser reservado exclusivamente ao atendimento público, do sistema público, para todos os cidadãos sem nenhum privilégio nem da porta de entrada, nem do tratamento profissional (médico, de enfermagem ou de outros profissionais), nem de acomodações. Assim manda nossa legislação e não a de outros países que o permitem como a Inglaterra.
Não vamos discutir valores salariais dos médicos, pois não deveríamos trabalhar com o salário inicial desta única categoria quando isto não corresponde ao real da grande maioria deles. Se assim for, assinarei embaixo de qualquer manifesto em defesa da melhor remuneração de toda a equipe multiprofissional de saúde e do pessoal de apoio geralmente com remuneração indigna.
Concordo com os dados do baixo investimento brasileiro em saúde e até poderia contribuir com outros que endoçariam a posição do Professor, que é a minha, talvez bem antes da dele. Não se esquecer que a corrupção brasileira, causadora da perda de incontáveis recursos públicos é fruto de um casamento espúrio entre o público e o privado. O público só comete corrupção senão pelas mãos, braços, corpo e alma de indivíduos e instituições privadas. Esta corrupção não pode ser vista apenas na perda de moeda. Temos uma história antiga de inúmeros atos menores ou maiores de corrupção como o descumprimento de obrigações dos trabalhadores em carga horária, cumprimento de tarefas e privilegiamento de clientela.
Concordo com os baixos valores de remuneração a serviços, oferecida pelo poder público de saúde. Acho, mas, não posso afirmar com certeza, que o HC tenha com o Ministério da Saúde (direto ou via SES) contratualização global que é a prática com hospitais universitários (não ligada à remuneração direta de procedimentos). Além disto recebe recursos orçamentários do Governo do Estado de São Paulo e provavelmente, de convênios estaduais ou federais. Se a tabela  é iníqua para o HC, com os “a mais” citados,  imagine para os hospitais privados lucrativos e filantrópicos que são remunerados exclusivamente por ela. Estas pequenas, médias ou grandes instituições filantrópicas salvam vidas Brasil a fora, em frequência muito maior e em importância igual no valor da vida. Teríamos que descobrir um modo de o ressarcimento ser um fato para todos, com acesso igualitário a todos os contratados públicos e privados parceiros do SUS.
Lamentável que ocorram filas dolorosas demonstrações da insuficiência, mas também da ineficiência desumana dos serviços de saúde. Ando, de armas em punho, nas barricadas do front para que isto seja corrigido. Pelo visto devo estar ao lado do Professor como milhares de brasileiros.
Concordamos que no HC-USP, como em outros hospitais públicos, estejam sendo utilizados por pessoas que têm direito ao SUS e concomitantemente aos planos de saúde, o que não ocorre com aqueles que ingressam como pacientes totalmente privados através de pagamento direto e que é cobrado diretamente deles tendo como cidadãos. direito ao SUS. Foi a partir desta constatação que lei federal obriga ao ressarcimento. Como ficará o conflito entre esta lei estadual e a lei federal? Qual predominará? E o conflito desta lei com a 9058 sancionada em 1995 pelo Mário Covas que trata do mesmo assunto de forma absolutamente legal? Se a lei estadual estiver regulamentando o ressarcimento ela é inconstitucional porque somente pode dispor sobre seguros em geral (e plano de saúde é considerado seguro pelo mundo jurídico); se estiver apenas possibilitando convênios com acesso diferenciado também é inconstitucional. Está é a questão que queremos ver resolvida. Não estamos contra o ressarcimento legal via ANSS e sim terminantemente contra cada um por si na base do arbítrio. Estamos contra o acesso desigual no público, para cidadãos presumida e constitucionalmente iguais.
Segundo a lei não deveriam ressarcir diretamente ao HC em absolutamente nada pois, não existe esta autorização legal. Ao contrário é vedada esta cobrança pela Constituição de São Paulo que faz a declaração explicita da gratuidade dos serviços públicos. Ressarcimento via procedimento da ANSS, este sim, deve acontecer transferido ao prestador público ou privado dos serviços. Com a existência da lei federal sobre o assunto, nenhuma instituição pública poderá solicitar ressarcimento, esponte sua. Temos uma Constituição Federal e Estadual a ser cumprida, superiores sempre à legislação ordinária federal ou estadual e a qualquer acordo de decreto, portaria, resolução ou até mesmo de consentimento verbal.
É bom também, lê-lo citando Riobaldo figura criada por Guimarães Rosa e na frase tão certeira com a qual concordo: “Um sentir é o do sentente, mas outro é do sentidor”. Não poderia é concordar que o sentente ou sentidor, usassem este argumento de seu sentir como justificativa para cometer ilegalidades ou arbitrariedades. Riobaldo com sua sapiência poderia ficar matutando se neste terreno não teria jacaré que quer lhe enganar.
Não posso concordar que o HC-USP seja, como dito no texto do professor “uma das últimas esperanças de atendimento digno e competente para os mais desprotegidos.” É preciso lembrar que o HC-USP – segundo a Lei 8080 – é totalmente SUS e portanto jamais pode dizer que é para atender os mais desprotegidos. SUS é para todos e em especial aqueles que – protegidos ou não – têm mais necessidades de saúde ou cuidados prioritários. De outro lado conheço inúmeros hospitais públicos e privados, neste imenso Brasil, que atendem com dignidade e competência os cidadãos que não poderia dizer que apenas alguns sejam a última esperança de atendimento digno e competente.
Se o HC-USP se sente, pela sua importância e serviços já prestados, autorizado a cobrar por fora, de clientes de planos e particulares puros, isto sim produz desalento nos sententes. Estes esperavam que jamais isto acontecesse contra eles e seus direitos cidadãos tendo como protagonistas figuras tão graduadas e impolutas de nossa sociedade.
 
ANEXO:
 
TENDÊNCIAS/DEBATES – FOLHA SÃO PAULO – 17/7/2011
HOSPITAL DAS CLÍNICAS, SEMPRE INCOMPARÁVEL
Prof. Miguel Srougi 
Embora às vezes o HC seja imperfeito, asseguro que a grande maioria dos seus membros se compromete a tornar a nação menos desigual
Recentemente, jornalistas, promotora e até um médico mais distante denunciaram imperfeições rondando o Hospital das Clínicas de São Paulo (HC), o que ecoou intensamente, dada a lucidez ou a notoriedade desse grupo.
Entre outras coisas, apontaram um pretenso plano de seus gestores e do governo do Estado para privatizar o HC, transformando-o em centro de assistência para clientes particulares ou conveniados, em detrimento da saúde da população mais carente do SUS.
Também satanizaram o dr. Marcos Fumio Koyama, superintendente do HC, que, mal interpretado, foi acusado de planejar aumento de 3% para 12% o número de leitos destinados aos convênios.
Mesmo reconhecendo a pertinência dessas preocupações numa nação tomada pela ganância, fiquei desconcertado com as acusações. Em primeiro lugar, quero ser enfático. Não existe sequer um membro da instituição, incluindo seus gestores, que tenha defendido, ontem ou hoje, a transformação do HC em local para atendimento preferencial de pacientes da rede privada ou conveniada.
A verdade é que, pela sua excelência médica, convergem para o HC, a cada mês, centenas de milhares de brasileiros vivendo nos limites extremos do sofrimento e que lá são resgatados para a vida.
Por esse motivo, o HC transformou-se em razão existencial para a maioria de seus membros. Maioria que atua sem interesses materiais (um médico recebe no início da carreira R$ 1.548 por meio dia de trabalho) e que lá permanece pelo orgulho de fazer parte da instituição.
Em segundo lugar, existe um reconhecido subfinanciamento da saúde no Brasil, o que penaliza os hospitais públicos. Enquanto os países mais decentes destinam entre 8% e 14% do seu PIB para a saúde, o governo brasileiro investe nessa área menos de 3%. Para agravar, os parcos recursos são frequentemente desviados pela má-fé de grupos predadores no poder.
Alguns números ilustram a tragédia. Numa cirurgia de apendicite e três dias de internação, o HC despende R$ 2.605, mas recebe R$ 414,02 doSUS. Por causa dessa distorção, e carregando quase 2.400 leitos, o HC encerra cada ano com deficit de mais de R$ 100 milhões.
Convivendo com a carência e com uma demanda incontrolável de pacientes, os membros da instituição passam a protagonizar uma coreografia insana. Somente no setor de urologia do HC há 892 pacientes aguardando cirurgia, incluindo 153 crianças. Em terceiro lugar, não há nenhum plano para aumentar o número de leitos destinados a convênios. Entre 8% e 20% dos pacientes atendidos têm direito a convênios e a ele recorrem pela sua excelência.
Aproveitando-se desse sentimento, os convênios despejam no HC os doentes mais complexos e onerosos. Em atitude oportunista e injusta, ressarcem o hospital em menos de 3% dos casos. O que o dr. Marcos Fumio tem defendido é a formalização de convênios, de modo a propiciar ao HC os recursos que lhe são devidos e que poderiam amenizar a injustiça. Termino referindo-me a uma realidade que Riobaldo, o jagunço-filósofo de Guimarães Rosa, soube descortinar: "Um sentir é o do sentente, mas outro é o do sentidor".
Reconheço que as inquietações expressas recentemente são justificadas para quem sente de fora. Mas, como um dos que sente de dentro, asseguro que a grande maioria dos membros do HC está comprometida com o respeito à condição humana e com a construção de uma nação menos desigual. E quero enfatizar que dirigir ao HC acusações injustas pode produzir desalento irremediável numa instituição que representa uma das últimas esperanças de atendimento digno e competente para os mais desprotegidos da nossa sociedade.
 
MIGUEL SROUGI, médico, pós-graduado em urologia pela Harvard Medical School  (EUA), é professor titular de urologia da Faculdade de Medicina da USP e presidente do conselho do Instituto Criança é Vida.
 
 
2.  SEGUNDA PÁGINA - TEXTOS DE OPINIÃO DE TERCEIROS
 
2.1 PAULADA NO SUS - LIGIA BAHIA e MÁRIO SCHEFFER


É uma bordoada a recente regulamentação da lei paulista que permite a venda para planos de saúde de até 25% da capacidade dos hospitais públicos gerenciados por organizações sociais.
Desde o famigerado Plano de Atendimento à Saúde (PAS), criado por Maluf, uma política de governo não atingia assim, de chofre, o Sistema Único de Saúde (SUS).
Reprise do mesmo drama, abrem-se as torneiras que irrigam empresas privadas com dinheiro público. O PAS ensinou que a gambiarra de governantes, baseada em legislação questionável e financiamento improvisado, não resiste à próxima eleição, mas enriquece alguns à custa do calote no SUS.
Para justificar o ardil, a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo identificou que 18% dos pacientes atendidos em hospitais públicos têm plano privado. Por que até hoje não viabilizou essa cobrança por meio da Agência Nacional de Saúde Suplementar?
A falsa alegação de que a lei federal do ressarcimento não é extensiva às organizações sociais e o suposto efeito Robin Hood (tirar dos planos para melhorar o SUS) escondem interesses cruzados.
Uma mão lava a outra: as organizações sociais precisam de dinheiro novo para manter sua vitrine assistencial, e os planos e seguros de saúde querem ostentar hospitais públicos de alta complexidade em suas redes credenciadas.

Há um negócio bilionário em ascensão, de planos populares a menos de R$ 100 por mês, que só é viável com o uso da capacidade instalada do SUS. Os planos de saúde já vivem de subsídios públicos.
Eles ajudam a eleger políticos, lucram com a renúncia fiscal, com a isenção de impostos e com repasses do erário para convênios médicos do funcionalismo.
Ao mesmo tempo, empurram para as contas do SUS idosos e doentes -que não têm condição de arcar com o aumento das mensalidades decorrentes do passar da idade ou cujo acesso é vetado a tratamentos mais caros.
Uma em cada cinco pessoas com câncer vinculadas a planos de saúde são jogadas ao mar e buscam socorro no SUS.

Ajudar empresas altamente lucrativas que não cumprem seu papel já é uma inversão perversa. Celebrar contratos para o atendimento aos clientes de planos, que pensam ter escapado das alegadas agruras da rede pública, constitui requinte de iniquidade.
A aventura em curso nada tem a ver com o ressarcimento, que prevê critérios de justiça contábil para atendimentos eventuais e limitados. O que está em jogo, já testado em hospitais universitários do Estado, é a expansão da fila dupla, verdadeiro apartheid que dá acesso privilegiado a quem tem plano e reserva a porta dos fundos para a "gente diferenciada" do SUS. Não dá para transigir com essa distorção escandalosa.

LIGIA BAHIA, doutora em saúde pública, é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
MÁRIO SCHEFFER, doutor em ciências, é pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Ambos são autores do livro "Planos e Seguros de Saúde: O que Todos Devem Saber sobre a Assistência Médica Suplementar no Brasil" (Editora Unesp).
Folha de S. Paulo,  22 de julho de 2011 – Pág. 3
 
 
Pedro Estevam Serrano na Carta Capital
 
Há uma semana, o governo do Estado de São Paulo regulamentou, por meio de decreto , a Lei 1.131/2010, autorizando os pacientes de planos de saúde a não passarem pela rede pública para ter acesso aos hospitais estaduais de alta complexidade gerenciados por OSs (Organizações Sociais). Há exigência de que já tenham um diagnóstico e de cobrança de reembolso. Prevê-se que até 25% dos atendimentos das unidades públicas se destinem aos doentes particulares dos planos de saúde.
Há um primeiro aspecto prático a ensejar problemas no tocante a essa nova sistemática que se pretende estabelecer. Refiro-me à desproporção na oferta de leito, na comparação entre doentes segurados por planos de saúde privados e doentes que só têm a rede pública a recorrer. Essa desproporção se agrava a partir do momento em que a rede pública passa a dar atendimento obedecendo aos mesmos critérios de quem paga para ter assegurado direito à saúde, e não ao critério da universalidade isonômica que como serviço público deveria guardar.
O resultado será inequívoca redução da oferta de leitos públicos na rede estadual, a despeito da proibição aos hospitais de fazerem reserva de leitos ou concessão a privilégios aos usuários de planos.
Vale destacar também que, hoje, já se desenrola nos tribunais uma batalha jurídica porque as operadoras de planos de saúde se recusam a ressarcir o SUS (Sistema Único de Saúde) pela utilização da rede pública.
Isso posto, convém ressaltar os impeditivos jurídicos à nova sistemática, afinal, acomete ao decreto do governador Geraldo Alckmin a ocorrência de dupla inconstitucionalidade, com ofensa aos princípios fundamentais de nossa Constituição de isonomia e universalidade.
É cediço na análise sobre o funcionamento da saúde pública brasileira que o constituinte originário, ao estabelecer o SUS, adotou como orientação maior o caráter universal e gratuito na oferta de serviços públicos de saúde, cabendo ao Estado —em suas esferas federal, estadual e municipal— garantir a todo e qualquer cidadão o acesso à saúde pública. Portanto, trata-se de uma exigência que a Constituição faz ao funcionamento do Estado, estatuindo um direito fundamental de natureza social exigível imediatamente por seu titular
Paralelamente, ao abrir a possibilidade para o segurado do plano dispensar a passagem pela rede pública para ter acesso a hospitais e procedimentos de alta complexidade, alternativa de impossível realização pelos demais cidadãos, o decreto estadual paulista acarreta inaceitável diferenciação de tratamento em relação a doentes em mesma condição. É, desta feita, flagrante ofensa ao princípio da isonomia, que preconiza o tratamento igual para os cidadãos no âmbito dos serviços públicos, no caso do de saúde, de forma gratuita consoante determinado em nossa Constituição.
Ao criar a “dupla porta” de acesso ao atendimento público de saúde, o decreto atenta, a um só tempo, contra o princípio da universalidade da saúde pública e contra o princípio da isonomia, da igualdade entre os cidadãos. Configura, nesse sentido, tratamento claramente desigual, inaugurando no Estado de São Paulo um SUS diferente daquele existente no restante do país. Um SUS “censitário”, onde quem paga é tratado com inaceitável privilégio em detrimento do todo da cidadania, em especial, dos setores mais carentes da comunidade.
Centros de excelência no serviço público de Saúde, construídos por meio de variadas formas de investimentos públicos, cujos recursos provêm dos tributos pagos por todos, passarão a ser de fato apropriados pelo setor empresarial de serviços, seguros e convênios de saúde.
O Ministério Público já sinalizou a pretensão de questionar e atacar as inconstitucionalidades do decreto, no que adota postura elogiável. Contudo, resta aos cidadãos, no exercício ótimo de seus direitos e deveres, cobrarem do Poder Público soluções eficazes para o grave problema da Saúde. Soluções que atendam e valorizem os princípios constitucionais.
Que a Saúde vai mal todos sabemos. Mas o que não queremos é agravar o problema e, com o devido respeito às autoridades estaduais, o novo decreto, duplamente inconstitucional, tem como consequência justamente esse efeito nocivo. Esperamos, finalmente, que as autoridades do Executivo estadual não aguardem decisão judicial para reconhecer as fragilidades jurídicas do decreto e a injustiça social que promove e o revoguem.
Pedro Estevam Serrano
Pedro Estevam Serrano é advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP,mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC-SP.
 
2.3 DUPLA PORTA - MÁRIO LOBATO DA COSTA – MÉDICO – SERVIDOR PÚBLICO
 
Muito oportuna a manifestação do Dr Miguel Srougi na Folha de São Paulo do dia 17/7/2011. Certamente expressa o sentimento que passa pelas cabeças de grande parte da força de trabalho que milita bravamente dentro do HC - SP.
No entanto, a opinião expressa bate de frente com os fatos. 
O HC-SP é um hospital pertencente à rede estadual de São Paulo. Portanto, gestão da Secretaria de Saúde de São Paulo.
O governo de São Paulo, atropelando a constituição e as leis que regem as políticas públicas neste país (São Paulo AINDA faz parte da federação, salvo engano) e passando com um  trator por cima das nobres intenções dos trabalhadores do HC, aprovou uma LEI ESTADUAL que reserva 25% dos leitos dos hospitais públicos de São Paulo para pacientes particulares e de convênios.
Eu disse: RESERVA 25% DOS LEITOS.
Isto é radicalmente diferente do que foi exposto acima, onde se coloca a necessidade de ressarcimento por parte das operadoras de saúde suplementar pelo atendimento de seus segurados. 
Segurados que, para serem atendidos através de suas respectivas operadoras, tiveram que pagar previamente mensalidades e submeterem-se a prazos de carência. Dinheiro  no caixa das seguradoras e - com a conivência dos gestores do SUS e do HC de São Paulo - usuários dos planos sendo atendidos em leitos públicos (a que têm direito) com privilégios de acesso e tratamento diferenciado e com lucro sem matéria das seguradoras e dos planos.
Se um hospital público apresenta déficit, cabe ao poder público equacionar este déficit. Saúde é uma atividade de RELEVÂNCIA PÚBLICA. É prioridade. Um hospital com a relevância e a história do HC tem que funcionar com suas necessidades garantidas. Não se admite que uma estrutura de porte tão gigantesco continue funcionando sendo remunerada na base No "fee-for-service" (como o exemplo fornecido pelo  próprio Professor Miguel no caso da apendicite "deficitária"). 
É uma questão complexa demais para ser discutida mediante a visão reducionista expressa pela "tabela do SUS que não cobre os gastos".
Contratos de Gestão com pagamento global, independência orçamentária, Plano de Cargos e Salários que permitam aos trabalhadores vislumbrarem possibilidades de ascensão pessoal/profissional... Isto é fazer GESTÃO. 
Reserva de leitos, abatendo mortalmente o princípio da EQUIDADE, mediante o escancaramento da dupla-porta de entrada de instituições públicas com a desculpa de sub-financiamento (cujos responsáveis são amplamente conhecidos) não é gestão, é REMENDO.
 
2.4.  A PORTA GIRATÓRIA NO SUS – LIGIA BAHIA – GLOBO-OPINIÃO-27/6/2011
 
Durante os últimos meses, o sistema de saúde colombiano, tido como exemplar pelos adeptos da privatização, foi consumido na fogueira do rentismo, inépcia e corrupção. As cinzas do incêndio da sofisticada construção econômico-intelectual público-privada das empresas vizinhas prestadoras de serviços de saúde não foram avistadas no Brasil. Mas as repercussões internacionais negativas das noticias sobre o denominado carrossel – desfalque envolvendo entidades privadas promotoras da saúde – foram proporcionais às imensas promessas de eficiência e sustentabilidade dos adeptos de sistemas de saúde orientados pelo mercado.
Por aqui, pouco ou nada se comentou sobre o caos assistencial fronteiriço. Os diversos caudatários dessas mesmas ideias e negócios em solo pátrio continuaram tocando suas empresas para frente, fingindo ignorar os fracassos da aplicação do fundamentalismo utilitarista. Como para uma parte significativa dos brasileiros, a Colômbia, embora geograficamente próxima, dista muito longe das usuais comparações que auxiliam a situar o nosso cotidiano no mundo, é importante lembrar que as acusações que levaram ao banco dos réus empresas de saúde latino-americanas – práticas comerciais restritivas por meio de negação de coberturas – são similares àquelas que justificaram a reforma do sistema de saúde nos EUA.
Embora não se recomende realizar de um “de/para” sobre realidades tão distintas, não se deve menosprezar a presença de traços comuns no empresariamento da saúde. A crença que só o mercado salva e a outorga das ações de saúde a organizações que lucram quando não atendem constituíram-se como pedras angulares na arquitetura de sistemas de saúde na Colômbia e EUA. Foi esse o modelo que venceu uma disputa internacional acerca das evidências sobre a efetividade dos sistemas de saúde. Em 2000, no auge da onda privatizante, a Colômbia com seu sistema privado-público obteve o primeiro lugar no World Health Report, e o Brasil, com o SUS, amargou a humilhante última colocação. Nesse meio tempo, a desregulamentação dos direitos e a exposição de um conjunto de indivíduos às variações da lógica do mercado revelou-se perversa e inadequada. Houve uma virada publicizante que elevou o SUS à categoria de estrela-guia para os países em desenvolvimento. Essas rápidas guinadas no panorama mundial ainda não foram completamente absorvidas pelas instituições nacionais. Não é por acaso que o ex-presidente FHC, que governou o país nesse contexto, declarou, em recente entrevista, que o SUS foi “feito” durante seu mandato.
Agora que o tratamento prescrito por ideólogos privatizantes e empresários revelou-se mais debilitante do que a patologia é hora de usar o mesmo cartão de visitas que exibe o SUS para estrangeiros para rever as políticas de saúde no Brasil. Com a melhoria da renda e ascensão dos segmentos C e D empreendimentos de saúde se expandiram e diversificaram. Há apostas sobre a extensão de cobertura de planos privados para 60% da população. Para preparar esse cenário, no qual caberia ao SUS o papel precípuo de atender os mais pobres dos pobres e propiciar as ações negadas pelos planos e seguros, abriu-se temporada de aquisições e abertura de ações e a comercialização de contratos com garantias exíguas. Ambas as medidas destoam claramente da legislação. Os próximos passos, já anunciados, o ajuste do risco para cada individuo, que se desdobra na maior cobrança para quem é doente ou tem probabilidade de vir a ser, e capitalizar os fundos da saúde estão na base de estratégias que revelaram um alto potencial disruptivo.
Sem um debate corajoso e transparente sobre o nosso sistema de saúde, a expansão tutelada do mercado corre frouxa. As suspeitas não explicitadas sobre o SUS fermentam a privatização. Não se diz abertamente, mas as teses sobre a relevância da entrega do serviço ao destinatário final, independentemente da origem do prestador, ressoam em alto e bom som entre os que vêem mais defeitos do que qualidades na concepção do SUS. Para puxar o freio de arrumação na saúde essas polêmicas terão que vir a público. No longo prelúdio para aprovação da regulamentação da EC 29 pelo Congresso Nacional as condições essenciais para expandir e melhorar a qualidade doSUS ficaram bem definidas. Um sistema de saúde socialmente estável e politicamente sustentável requer que o aporte de mais recursos financeiros se combine com prioridades assentadas em critérios epidemiológicos, continuidade administrativa; ocupação de cargos públicos por agentes que não defendam interesses empresariais e funcionários públicos dedicados.
Quem fez ou não o SUS é um acerto de contas com o passado. Mas a insistência em adequar o sistema de saúde às necessidades empresariais, e não aos objetivos de construir pontes concretas entre desenvolvimento, democracia e bem estar, será cobrada no futuro. Se não forem fechadas as portas giratórias pelas quais a entrada dos subsídios públicos se converte na saída de renda para os bancos de investimentos, alguns poderão passar para a história como responsáveis pela detonação do SUS e retorno ao ponto de partida que pretendemos superar com a Constituição de 1988.
 
LIGIA BAHIA é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
 
 
 GC-ES-DUPLA PORTA - LIGIA & SHAEFER FSP- JULHO-2011
 
 GC-ES-DUPLA PORTA - LIGIA BAHIA - JUNHO-2011
 
 GC-ES-DUPLA PORTA - M.LOBATO -JUNHO-2011
 
 GC-ES-DUPLA PORTA - MIGUEL SROUGI -R+ëPLICA-JUNHO-2011
 
 GC-ES-DUPLA PORTA - PEDRO ESTEBAM SERRANO-PUC-SP- JUNHO-2011
 
 GC-ES-DUPLA PORTA -COMENTARIO-MINI-DECRETO-JUNHO-2011
 


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