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Direito à saúde e domínios federativos

Flávio Goulart[1]
A sabedoria popular já dizia: quem tem um médico, tem um médico; quem tem dois, não tem nenhum.
Parece que o velho adágio se aplica, igualmente, às centenas de milhares de cidadãos que possuem a pouca sorte de residir em áreas fronteiriças entre diferentes estados neste Brasil, as quais, mesmo quando tem acesso potencial aos serviços de saúde de duas unidades federativas, na hora de atravessar a fronteira, por razões plenamente justificáveis, passam a ser discriminados como se nem cidadãos e nem brasileiros fossem.
O Pacto pela Saúde, em seu componente de Gestão, preconiza que regiões de saúde interestaduais sejam organizadas a partir de municípios limítrofes em diferentes estados, além de estabelecer alguns mecanismos de gestão regionalizada, entre eles, os Colegiados de Gestão Regional (CGR), instâncias de identificação e definição de prioridades, além de decisão pactuada, que são constituídos pelo conjunto de gestores municipais de saúde e por representantes estaduais correspondentes – dos dois lados da divisa interestadual, portanto.
A solução gerada pelas autoridades federais procura ser criativa, mas tem viabilidade altamente questionável. Em primeiro lugar, porque são muito grandes as desigualdades entre os estados brasileiros, se não de natureza socioeconômica, pelo menos de estágio de implementação e de organização do SUS.
Além disso, a capacidade demonstrada em equilibrar as desigualdades e promover a equidade continua sendo muito baixa dentro da federação brasileira, na qual a competição, às vezes mesmo predatória, domina amplamente os quase sempre tímidos mecanismos de integração e cooperação.
E tem mais: oscilações ou mesmo indefinições relativas ao papel dos estados, dos municípios e da própria União no regime descentralizado vigente ainda são muito freqüentes, desde as primeiras Norma Operacional Básica (NOB) e  Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS), mas também no Pacto pela Saúde. Ora a crítica se dirige ao alijamento dos estados no processo decisório em saúde, ora por lhes terem sido conferidos privilégios em relação aos municípios, sem falar nas pendências em torno do comando único, que permanecem pulsantes no cenário.
O fato concreto é que o cenário vigente aponta para conflitos que por certo perdurarão a perder de vista, relativos ao compartilhamento equilibrado e consensual da gestão da saúde, principalmente entre estados e municípios.
Enfim, a descentralização das ações de saúde no Brasil, preconizada pela Constituição Federal de 1988, detalhada na legislação orgânica e complementada por um vasto cipoal de portarias, entre as quais se inclui a de número 399, que dispõe sobre o referido Pacto pela Saúde, embora tenha resultado em importantes sucessos, particularmente em anos recentes, padece de um dilema essencial, ainda não resolvido: entre as boas intenções dos constituintes, dos gestores ou dos militantes da Reforma Sanitária e as ações concretas de governo que se sucederam ocorre ainda um grande desencontro. E isso tem fundo político, mas também cultural, conceitual e operacional.
A solução requer estratégias diferentes. Trata-se de reconhecer e divulgar as práticas integrativas já vigentes e bem sucedidas, entre estados vizinhos e mesmo municípios de estados diferentes, que não são poucas, diga-se de passagem. Um bom exemplo é o da Região do Vale do Médio São Francisco, iniciativa desenvolvida entre os estados da Bahia e Pernambuco em duas macrorregiões de saúde, sediadas em Juazeiro e Petrolina, na qual, cerca de 1,8 milhões de habitantes de mais de meia centena de municípios, já experimentam um processo avançado de mudança em saúde e atendimento às necessidades da população. Tudo isso sem se ater rigidamente ao que está estabelecido no Pacto de Gestão, mesmo sem desobedecê-lo. O importante é que são observados, como princípios da ação entre gestores estaduais, o aprofundamento do processo de descentralização, com respeito à autonomia federativa e fortalecimento da esfera estadual de gestão, com interdependência, sem fusão de serviços e com decisões colegiadas por consenso.
Parafraseando Fernando Pessoa, a verdade é que, na saúde, muitas das promessas da celebrada Constituição Cidadã ainda faltam cumprir-se… É preciso, então, inverter o fluxo da procura das soluções, que muitas vezes estão na borda do sistema, e não no seu centro.
 
[1]Flávio Goulart – Médico,  Doutor em Saúde Pública pela ENSP/FIOCRUZ, Professor Titular (aposentado) da Universidade de Brasília; consultor autônomo em saúde e membro do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (IDISA); goulart.fa@gmail.com


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