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comentários: Le système de financement des soins du Québec:miroir ou mirage des valeurs collectives

Le système de financement des soins du Québec : miroir ou mirage des valeurs collectives? » Paul A. Lamarche, André-Pierre Contandriopoulos, Marion Gerbier, Delphine Arweiler. COLUFRAS - Montréal 16-18/6/ 2005

O texto analisado aborda: Funções do Financiamento (arrecadação, reserva, alocação e pagamento); Modelos de financiamento dos sistemas de saúde (privado individual e coletivo, público de seguridade social, fiscal centralizado e descentralizado); O financiamento do sistema de saúde de Quebec e as reformas propostas. Proponho-me, a partir de resumo da idéia central destes tópicos, fazer comentários e interrogações sobre o Sistema de Saúde de Quebec e do Brasil.

1. O FINANCIAMENTO DA SAÚDE E SUAS FUNÇÕES

As funções do financiamento podem ter outra nomenclatura ou outro sentido na dependência do sistema de cada país. No Brasil a arrecadação refere-se ao « de como » o dinheiro, que sempre vem do cidadão, é arrecadado. Pode ser diretamente (o cidadão paga o serviço de saúde) ou via impostos e/ou contribuições. O « por quem » é arrecadado (que órgão público, seguradora, ou prestadora de serviços de saúde). A segunda função – reserva-fundo - poderia ser onde o dinheiro fica « estocado » até ir ao seu destino final. O arrecadado pelo Ministério da Fazenda (nível federal) é transferido ao Ministério da Saúde (MS usa parte e a outra transfere às Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde). O arrecadado pelas Secretarias de Fazenda dos estados e municípios é transferido a suas Secretarias de Saúde. O arrecadado diretamente dos cidadãos, pelo privado, fica com os próprios arrecadadores que pagam serviços ou fazem aplicações para uso futuro (o sistema funciona com pré-pagamento pelos usuários e desembolso só posterior para pagamento das ações e serviços. A terceira função, a de alocação, também difere no público e no privado. A alocação pública é feita no ano anterior e regulada pelo processo orçamentário nos grandes números. Há possibilidade de mudanças (em geral por volta de 20%) de acordo com os objetivos do Plano Plurianual (4 anos) e as Diretrizes Orçamentárias (a cada ano, como parte do Plurianual) que orientam a Lei Orçamentária Anual. O detalhe da alocação final pode não estar explícita no orçamento. Neste caso o genérico acaba tendo o detalhamento regido pela vontade do gestor que, sendo federal, pode impor às transferências a Estados e Municípios limitações e restrições ao uso do dinheiro pelo nível local. A alocação privada é feita segundo cálculos autuariais e em relação à demanda de ações e serviços. A quarta função - pagamento - tem uma infinidade de formas. No público se dá : diretamente aos próprios públicos para sua manutenção (prédios, móveis, equipamentos,consumo, pessoal), para outros públicos (de outros Ministérios ou Secretarias não responsáveis diretamente pelo SUS) se faz por convênios ou por contratos de gestão; com o privado lucrativo por contratos e por convênios com o privado não lucrativo – filantrópico. O pagamento pode ser por procedimentos (consultas, internações : clínicas, obstétricas, cirúrgicas etc.) ou por objetivos (uma nova tentativa mais recente de contratos globais e de gestão).

2. O FINANCIAMENTO DA SAÚDE E A RELAÇÃO COM OS VALORES DA SOCIEDADE

A.P.Contandriopoulos « identifica um triângulo de valores em tensão, ao redor dos quais as sociedades modernas são organizadas : equidade (repartição justa), liberdade individual (autonomia) e eficiência (custo-benefício). O financiamento dos sistemas de saúde expressam o equilíbrio que as sociedades estabelecem entre estes polos. É necessário reconhecer que quanto mais o financiamento caminha em direção a um destes valores, mais é sucetível de regredir em relação a, ao menos, um dos outros. Não são os mesmos atores que encontram vantagem ao buscar um destes valores mais que outros, mas, que o equilíbrio coletivo resulta de uma disputa de interesses particulares ». « Este processo não é neutro, mas depende do contexto político e ideológico e apóia - se em valores da sociedade, prevalentes no momento em que estas medidas são tomadas. Refletem o equilíbrio de valores, ao mesmo tempo que os definem e consolidam. Os modelos de financiamento dos sistemas de cuidados de saúde dependem de escolhas entre a multiplicidade de opções que não se dão aleatoriamente, pois são guiadas por valores que lhe dão uma certa coerência e lógica entre as várias escolhas. » A afirmação de que o financiamento do sistema de saúde reflete « o equilíbrio de valores » levou-me a pensar até que ponto ele pode refletir « o desequilíbrio de valores. » Os valores que dominam são os da maioria? ou os de quem, no momento, tem mais poder? Estes valores eleitos podem representar o interesse de minorias portentosas, bem minorias mesmo, que estejam levando vantagens econômicas e financeiras com o modelo do sistema? As decisões são da sociedade, é bem verdade. Expressam o domínio de um ou outro ator. Entretanto esta decisão não significa a aceitabilidade da sociedade, nem que foi decidida pela maioria, nem que favorece o coletivo. Esta dominância de grupos sobre os interesses coletivos é o que ocorre hoje, mais do que nunca, no Brasil onde uns poucos, detentores do poderio econômico na área de produção e comercialização de procedimentos de alto – custo - complexidade, medicamentos, equipamentos e outros insumos, impingem à sociedade seu modelo de consumo que favorece a eles e nem sempre aos cidadãos. No Brasil estes atores, muito mais individuais que coletivos, vem pautando sistematicamente, o tamanho da universalidade e a amplitude da integralidade, turbinando-a segundo seus interesses.

3. OS MODELOS DE FINANCIAMENTO DOS SISTEMAS DE SAÚDE E SUAS COMBINAÇÕES

Os modelos de financiamento da saúde, na verdade, se misturam como foi dito no texto canadense. O Brasil acaba representando um mix destes modelos todos. O Sistema de Saúde no Brasil tem vários componentes dentro de uma grande divisão entre o público e o privado.

1. Sistema Privado (de livre adesão do indivíduo ou em decorrência do local de trabalho):

1.1 Subsistema individual: demanda e pagamento direto do indivíduo ao prestador.

1.2 Subsistema Suplementar de Saúde com seus vários componentes:

1.2.1 Planos de Saúde (empresas privadas que prestam serviços de saúde e têm adesão individual (preço controlado pelo estado) e coletivo via empresas (preço livre) no sistema de pré-pagamento com tipos de cobertura assistencial e pagos pelo individuo ou pela empresa ou de forma mista;

1.2.2 Seguros de Saúde de seguradoras e que não podem prestar serviços de saúde, mas os garantem conforme livre escolha ou indicação da seguradora;

1.2.3 Auto-Gestão para atendimentos dos trabalhadores de uma empresa, administrado pelas empresas, ou pelos funcionários, garantidos financeiramente por uns ou outros ou de forma mista, e funciona pelo sistema de pré-pagamento e/ou de co-pagamento;

1.2.4 Serviços de Saúde próprios das empresas para atendimento aos empregados no local e horário de trabalho.

2. Sistema Público de Saúde – SUS mantido por impostos (muito pouco) e principalmente por contribuições sociais especificas da seguridade social, incidentes sobre o faturamento/consumo, o lucro liquido das empresas e a movimentação financeira. O SUS garante, constitucionalmente, o « tudo para todos » (universalidade e integralidade). Este SUS é de responsabilidade e competência das três esferas de governo (Federal, Estadual e Municipal) desde o financiamento e execução que deve ser principalmente pública (nos próprios públicos) e complementarmente privada (financiada pelo público e executada no privado contratado-conveniado, com precedência do privado não lucrativo). O gasto com saúde é cerca de 40% público e 60% privado. O SUS garante ações públicas - coletivas para os 182 milhões de brasileiros e para cerca de 142 milhões de habitantes ações individuais de baixa, média e alta complexidade. Também ações de alto custo (média e alta complexidade) são buscadas por alguns dos 40 milhões de usuários que pagam planos e seguros de saúde (individuais ou coletivos) e que, como cidadãos, têm direito igual ao sistema público de saúde.

4. O FINANCIAMENTO DO SISTEMA DE QUEBEC E ALGUMAS DE SUAS CARACTERÍSTICAS

Interessante como dois Sistemas de Saúde, o do Brasil e o de Quebec, com objetivos e princípios comuns de universalidade, integralidade e equidade, implantado em dois países diferentes, em tempos diferentes, em estágios bem diferentes de construção, têm problemas comuns a enfrentar. Hoje no Brasil os problemas do financiamento estão ligados a quatro questões : insuficiência de recursos, perda pela corrupção, modelo inadequado, ineficiência nos gastos. Subjacente a isto existe um problema maior que é o do descumprimento da lei. No Brasil, as respostas a estes quatro problemas citados já está na Constituição e na legislação infraconstitucional. O que acontece é um descumprimento contumaz do ditame legal pelas próprias esferas de governo que fizeram e aprovaram a Constituição e as Leis. As quatro saídas, para os quatro problemas do financiamento podem ser as seguintes.

1) Aumento dos recursos passa pelo cumprimento dos percentuais de gastos com saúde de cada esfera de governo, os mínimos constitucionais, mas também pela diminuição da sonegação fiscal que diminui a arrecadação global do país de onde se extrai o percentual de recursos destinados à saúde (do PIB e da Receita Pública). Enquanto isto Quebec precisaria de novas leis para aumentar os recursos destinados à saúde.

2) Combate à corrupção tem dimensões diferentes lá e cá. A corrupção no Brasil ainda é alarmante e as estimativas do próprio governo apontam em 20% as perdas. No texto comentado, este problema parece não ser um dos de Quebec.

3) Mudança do modelo de fazer saúde onde os paradigmas técnicos baseados em evidências estão longe de serem estabelecidos e dominantes. Passa pelo uso de novas tecnologias e medicamentos, onde não temos ainda a prática de regulação efetiva de incorporação tecnológica evidenciada, nem de formação e uso de especialistas. Ao que parece, pelo texto, os medicamentos são apontados como um dos nós críticos do sistema de Quebec com aumento a maior, que os demais componentes da despesa em saúde. A busca de sair da hospitalização rumo à atenção ambulatorial é igualmente comum. O Brasil já está neste caminho há dez anos efetivando a mudança do modelo. As internações públicas cairam dos 15 para os 11 milhões - ano, nos últimos 10 anos, com concomitante aumento de cerca de 20% da população. A área de incorporação tecnológica de procedimentos, equipamentos e medicamentos se mostra como um problema comum aos dois países.

4) Eficiência nos gastos de saúde é um desafio para o Brasil e parece, mesmo que em outro nível, ser também para Quebec. O melhor gasto, do insuficiente recurso da saúde, é sempre um desafio : tanto para quem tem muito, como para quem tem mais ou principalmente, para quem menos tem. O estudo de custos é uma ferramenta de saída. Sob outro aspecto temos a centralização dos recursos federais como um dos problemas comuns. Em Quebec o percentual de recursos federais é pequeno, mas no Brasil o grande arrecadador das contribuições sociais é o Governo Federal que fica responsável por mais da metade dos recursos. Temos uma legislação nacional que determina a descentralização de competências e recursos para estados e municípios, mas descumprida pela esfera federal que opta, na prática, pela desconcentração, distribuindo recursos cada vez mais especificados e condiconados por regras não apenas ilegais, mas de difícil cumprimento pelas esferas sub-nacionais. Hoje o Governo Federal brasileiro « distribui beneficentemente » recursos que, pela CF é das três esferas de governo. Faz esta « benemerência », através de 101 maneiras específicas, descoordenadas entre si, sujeitas à desintegralidade do comando central (que devia ser único, mas continua sendo a tentativa de unificação de partes)e que também administra por escaninhos incomunicáveis. Quebec recebe recursos federais de maneira especificada, fechada, fracionada. Só não ficou claro qual é o preceito legal, constitucional. No Brasil isto seria ilegal, mas é real (O legal é virtual!). Por fim um comentário sobre os recursos humanos hoje, na minha avaliação, o maior problema do Sistema Único de Saúde e por onde passa qualquer saída que o sistema vislumbre ter. Do lado dos profissionais passa pela baixo compromisso técnico, humano e social. Do lado dos governos e dos empregadores privados passa pela baixa remuneração profissional, pelas dificuldades nas condições de trabalho e pela falta de educação permanente.

5. SUGESTÃO DE ÁREAS DE INTERCÂMBIO E COOPERAÇÃO TÉCNICA:

Minhas sugestões abaixo são mais de mão única que dupla. Na minha visão, sem sentimento de subserviência ou menos valia, o Brasil, na área de saúde, é muito mais suceptível a receber cooperação operacional (tem uma legislação invejável) que o inverso, ainda que esta possa existir como um subproduto daquela. Algumas propostas de áreas a serem estudadas conjuntamente :

1) Regulação do Sistema : aproveitar dos mecanismos já utilizados e, mais que isto, da dinâmica de sua negociação com profissionais e sociedade para sua implantação.

2) Incorporação Tecnológica de procedimentos, equipamentos, medicamentos.

3) Modelos operacionais para melhorar a eficiência nos gastos, incluindo estudos de custos.

4) Enfrentamento do processo centralizatório-recentralizatório dos Governos Federais e mesmo dos Estaduais-Provinciais.

5) Recursos Humanos para a saúde : formação, remuneração, compromisso e educação permanente.

6) Relação com o Sistema Jurídico (Advogados, Promotores, Juízes) no entendimento teórico e operacional entre o preceito da integralidade total, sem limites e o princípio da escassez. O desafio de garantir saúde como direito universal do ser humano está posto, para todos nós, ora como espelho, ora como miragem dos valores coletivos do ser humano. O sonho utópico da saúde faz parte da conquista do direito à vida, ao bem-estar, à felicidade de cada ser humano.



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