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2016 – Domingueira da Saúde 035/2016

035/2016 – DOMINGUEIRA DE 20/11/2016

 

AS “PEGADINHAS” DA PEC 55 (ANTIGA PEC 241) QUE ESCONDEM OS PREJUÍZOS PARA O SUS
 
Francisco R. Funcia
 
Uma característica marcante do processo de tramitação tanto da PEC 241 na Câmara dos Deputados, como da PEC 55 no Senado Federal, foi a mudança do texto original (encaminhado pelo governo à Câmara dos Deputados em meados de junho de 2016) em aspectos secundários para manter a espinha dorsal dessa PEC – estabelecer o teto de despesas primárias nos níveis atuais (com atualização monetária baseada na variação anual do IPCA/IBGE) até 2036 (ou vinte anos).
 
Adotei a expressão “pegadinhas” para essas mudanças de caráter secundário ocorridas na PEC 55 (antiga PEC 241), porque pretendem desviar o foco das críticas crescentes à essência dessa PEC mediante a introdução de mudanças superficiais apresentadas pelo governo, pela base aliada do governo no Congresso Nacional e por seus defensores como benéficas para a maioria da população no curto prazo.
 
Primeira “pegadinha”: não haverá um teto para os gastos com Saúde, haverá um piso; basta o Congresso Nacional aprovar recursos acima do piso no orçamento.
 
Trata-se de uma “pegadinha” porque:
 
·     A Lei Orçamentária (LOA) autoriza a realização da despesa pública, mas não obriga que os valores fixados nas dotações orçamentárias acima do piso sejam empenhados, fato que tem ocorrido nos últimos anos, pois quem determina os valores disponíveis para empenho é a área econômica do governo (Tabela 1).
 
Tabela 1 - Ações e Serviços Públicos de Saúde: Valores empenhados e saldos orçamentários do Ministério da Saúde (2008-2015)
Fonte: Adaptado de MINISTÉRIO DA SAÚDE/Relatórios de Gestão 2008-2015.
Nota: (1) A partir de 2014, o valor total empenhado em ações e serviços públicos de saúde foi reduzido de uma parte do valor dos restos a pagar cancelados no ano anterior nos termos da interpretação da Lei Complementar nº 141/2012 pela área econômica do governo federal – fizemos essa redução para possibilitar a comparação com os exercícios anteriores: a dedução em 2014 foi de R$ 344,7 milhões e em 2015 foi de R$ 405,5 milhões.
Elaboração: Francisco R. Funcia (Consultor Técnico da Comissão de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde)/03nov2016.
 
·         Para alocar recursos orçamentários adicionais ao piso para a Saúde, será preciso diminuir recursos orçamentários de outras áreas, considerando a existência de um teto geral para as despesas primárias: Previdência Social, Saúde e Educação representam uma grande parte das despesas primárias; considerando que as aposentadorias e pensões representam gastos anuais obrigatórios e crescentes sem nenhuma flexibilidade em parte motivada pelo aumento da proporção de pessoas idosas no conjunto da população, será natural que os gastos em Saúde e Educação fiquem em torno do piso de 2017 a 2036, pois não será possível reduzir despesas de outras áreas cuja participação no total das despesas primárias é muito pequena.
 
·         De nada adianta alocar no orçamento recursos acima do piso se a execução orçamentária e financeira tem sido determinada pela área econômica sempre em torno dos níveis do piso para a saúde (adotando a lógica de que o “piso” é igual ao “teto”), como evidencia a Tabela 2, com exceção de 2009 (ano da epidemia da gripe H1N1).
 
Tabela 2: Ações e Serviços Públicos de Saúde: Valores empenhados e pisos (2008-2015)
Fonte: Adaptado de MINISTÉRIO DA SAÚDE/Relatórios de Gestão 2008-2015.
Nota: (1) A partir de 2014, o valor total empenhado em ações e serviços públicos de saúde foi reduzido de uma parte do valor dos restos a pagar cancelados no ano anterior nos termos da interpretação da Lei Complementar nº 141/2012 pela área econômica do governo federal – fizemos essa redução para possibilitar a comparação com os exercícios anteriores: a dedução em 2014 foi de R$ 344,7 milhões e em 2015 foi de R$ 405,5 milhões.
Elaboração: Francisco R. Funcia (Consultor Técnico da Comissão de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde)/03nov2016.
 
·         Apesar do Ministério da Saúde precisar recursos adicionais em 2014 para honrar despesas na maioria dos casos transferências para estados e municípios (quando cerca de R$ 3,8 bilhões de despesas não puderam ser empenhadas em 2014, mesmo tendo recursos autorizados no orçamento pelo Congresso Nacional), essas despesas somente puderam ser empenhadas com orçamento de 2015.
 
·         Em 2016, o governo deverá empenhar cerca de R$ 107 milhões, muito acima dos 13,2% da Receita Corrente Líquida. Esse valor será superior ao de 2015 em percentual muito próximo ao da variação do IPCA/IBGE de 2016 (estimado em 7,2% pelo governo federal), que o critério que valerá a partir de 2018. Mas, por que o governo alocaria recursos adicionais ao piso para Saúde e Educação de 2017 a 2036 se a regra da PEC 55 (antiga PEC 241) exatamente desvincula da receita a aplicação mínima de recursos nessas áreas por afirmar na mensagem de encaminhamento dessa PEC ao Congresso Nacional que era esta vinculação um dos problemas fiscais do Brasil?
 
Segunda “pegadinha”: em 2017, o valor da aplicação mínima em Saúde será de 15% da Receita Corrente Líquida, sendo que esse percentual está previsto para 2020 na Emenda Constitucional 86/2015.
 
Trata-se de uma “pegadinha” porque:
·         O que está sendo apresentado como um ganho foi o fato de que a redação original da PEC encaminhada pelo governo estabelecia que o valor da aplicação mínima de 2016 (13,2% da Receita Corrente Líquida) seria atualizada pela variação anual do IPCA/IBGE até 2036. Portanto, houve uma mudança de redação durante a tramitação no Poder Legislativo: mediante o aumento de 13,2% para 15% e do adiamento do ano de início da base de cálculo de 2016 para 2017 para atualização do valor do piso pela variação anual do IPCA/IBGE.
 
·         Porém, como a atualização do valor do piso da saúde será pela variação anual da inflação medida pelo IPCA/IBGE de 2018 a 2036, as perdas acumuladas até 2036 estão estimadas em R$ 417 bilhões segundo o Conselho Nacional de Saúde (que adotou um dos cenários realizados pelo Grupo Técnico Interinstitucional de Discussão sobre o Financiamento do SUS/GTIF-SUS, baseado num crescimento real do PIB de 2% ao ano e da inflação de 4,5% ao ano). A confirmação das perdas crescentes com o passar dos anos está no cenário contrafactual também adotado pelo Conselho Nacional de Saúde e calculado pelo GTIF-SUS: se essa PEC estivesse em vigor no período 2003-2015, depois de ganhos nos primeiros anos, as perdas acumuladas no período chegariam a R$ 135 bilhões. O Gráfico 1 ilustra a comparação das despesas empenhadas como proporção do PIB no período 2002-2015 em relação ao que teria ocorrido se essa PEC estivesse em vigor naquele período.
 
           Gráfico 1
           Estimativa da redução de recursos federais para o SUS no período 2003-2015 (% do PIB)
Fonte: Adaptado de Grupo Técnico Interinstitucional de Discussão sobre o Financiamento do SUS (GTIF-SUS) e Substitutivo da PEC 241/2016 apresentado no Relatório do Deputado Darcisio Perondi em 04/10/2016.   
 
Terceira “pegadinha”: não haverá redução de recursos para a Saúde porque haverá a atualização anual dessas despesas pela variação da inflação (medida pelo IPCA/IBGE).
 
Trata-se de uma “pegadinha” porque, além dos cenários apresentados anteriormente:
·         A receita crescerá nos próximos vinte anos, mas nada desse acréscimo será utilizado para a Saúde ou para outras despesas primárias – todo o acréscimo irá para pagar as despesas com juros e amortização da dívida pública.
 
·         A população crescerá nos próximos vinte anos entre 0,8% e 1,0% ao ano, mas a despesa total em Saúde será atualizada somente pela variação anual da inflação medida pelo IPCA/IBGE. Então, a despesa per capita cairá ano após ano, o que significa dizer que mais pessoas procurarão os serviços de saúde que terão menos recursos por habitante para financiar as despesas capazes de garanti a qualidade desses serviços. Além disso, a proporção da população idosa tem crescido segundo o IBGE, o que requer um tipo de atendimento de saúde mais caro.
 
·         O que fazer com o desenvolvimento tecnológico na área de saúde, que requer investimentos do setor público para incorporar nas unidades de serviço diante da restrição orçamentária e financeira que ocorrerá nos próximos vinte anos se a PEC 55 (antiga PEC 241) for aprovada? A solução seria atrasar a incorporação dessa inovação no setor público, o que implicaria em reduzir as possibilidades de diagnósticos e de cura de doenças em comparação àqueles que poderiam pagar por esses serviços no setor privado.
 
Quarta “pegadinha”: é preciso cortar os gastos públicos para que a economia volte a crescer.
·        
      Se houver corte de gastos públicos neste cenário de recessão profunda, o nível de atividade econômica cairá ainda mais e o desemprego aumentará. Os gastos públicos no contexto da recessão permitem compensar a falta de investimentos privados, que não voltarão a crescer enquanto não houver a expectativa de lucro para esses investimentos decorrente da queda de renda e do aumento do desemprego (a teoria keynesiana fundamenta esse argumento). Com isso, a procura pelos serviços públicos de saúde aumentará diante da deterioração da qualidade de vida, sendo que a PEC reduzirá os recursos para a Saúde conforme demonstrado anteriormente.
 
·         Seis meses após o impeachment da Presidente Dilma e a ascensão do Presidente Temer: houve uma deterioração do cenário econômico, o que muito provavelmente fará com que 2017 seja o quarto ano consecutivo de recessão econômica. Estudo econômico premiado neste ano em concurso da Secretaria do Tesouro Nacional demonstra que os elementos constitutivos dessa PEC não promoverão o crescimento econômico.
 
·         O desajuste das contas públicas federais foi provocado principalmente pela queda da receita nos últimos anos. Uma série de desonerações tributárias concedidas a partir de 2009 deveria ter sido retirada a partir de 2011, o que não ocorreu em prejuízo da arrecadação e, portanto, do financiamento das políticas sociais.
 
Quinta pegadinha: os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não serão prejudicados se a PEC 55 (antiga PEC 241) for aprovada pelo Senado Federal
 
Considerando que:
·         2/3 dos recursos do Ministério da Saúde são transferências fundo a fundo para Estados, Distrito Federal e Municípios segundo os blocos de financiamento (principalmente, Atenção Básica, Média e Alta Complexidade, Assistência Farmacêutica e Vigilância em Saúde);
 
·         Haverá redução de despesas federais em saúde com a regra dessa PEC em comparação à EC 86; e
 
·     Estados e, principalmente, os Municípios chegaram no limite de alocação adicional de gastos em saúde com recursos próprios,
É evidente que a consequência da PEC 55 (antiga PEC 241) será a redução das transferências federais para os Fundos Estaduais e Municipais de Saúde, o que deteriorará a qualidade e a quantidade dos serviços prestados à população nas unidades de saúde estaduais e municipais.
 
Além disso, a prorrogação do cenário de recessão econômica também em 2017 manterá a queda de receita estadual e municipal verificada nos últimos anos, restringindo a capacidade de financiamento do SUS com recursos próprios.
 
É preciso interromper imediatamente a tramitação dessa PEC no Senado Federal.
 

 

  Domingueira da Saúde - 035 2016 - 20 11 2016



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