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2016 - Domingueira da Saúde 028/2016

 

028/2016 – DOMINGUEIRA DE 02/10/2016

 

AQUARIUS

 

Carta ao articulista da Folha de S. Paulo, Samuel Pessôa:

 

Caro Senhor Samuel Pessôa,

 

Li seu artigo “Aquarius”, publicado na Folha de S. Paulo, em 25 de setembro último, no qual tece comentários sobre o filme do mesmo nome, do Diretor Kleber Mendonça Filho, atualmente em cartaz nos cinemas brasileiros.

Concordo com o senhor quanto à intransigência da Clara (personagem do filme, numa excelente atuação de Sonia Braga) em vender o seu apartamento em Recife, em frente ao mar, a uma incorporadora imobiliária, quando todos os demais moradores o venderam.

Achei a atitude da personagem um tanto quanto individualista para quem vive em uma democracia, e no caso, em um condomínio que tem regras próprias e onde deve prevalecer a vontade da maioria, uma vez que a sua discordância interferirá na vontade dos demais que venderam seus imóveis, o desocuparam, sem, contudo, concretizar a venda. O que motiva Clara a não vender o imóvel não é o preço, mas sim sentimentos pessoais, lembranças da vida passada, invocadas através do apartamento (no filme, ela ali criou seus filhos e foi feliz em seu casamento).

Contudo, entendo que o senhor, ao tecer considerações sobre a vida real no Brasil, tomando a personagem como objeto de sua análise no que se refere ao seu patrimônio material, incluído o seu direito a perceber aposentadoria por idade e pensão por morte do marido – tenta demonstrar que tudo aquilo foi adquirido por benesses do Estado: da compra do apartamento, que supõe ter sido financiado pelo governo, como o recebimento de pensão.

Penso senhor Samuel, que aqui houve extrapolação ao usá-la como exemplo de classe social privilegiada que vive à custa do Estado brasileiro, sem que isso se constitua um direito. Direito financiado pelos descontos na folha  dela e do marido durante suas vidas ativas de trabalho, assim como de toda a população assalariada, cujo fundo previdenciário seria constitucionalmente superavitário, não fosse a área econômica dos governos federais desvincular parte para o pagamento dos escorchantes juros da dívida pública. 

Acho que se esqueceu de dizer o resto das condições de vida da Clara (coletivamente pensando), deixando de lembrar, ao fazer comparações com a maioria dos países (deve se referir, em especial, aos países europeus), o lado perverso de nosso país que cobra impostos na faixa de 37,5%, sem dar em troca o essencial, como saúde, educação, segurança pública, transporte coletivo.

Se ela tivesse vivido num país europeu, poderia ter feito reservas financeiras em razão do poder de compra do salário dos europeus, com carga tributária menor para a classe média e pela renda média per capita ser maior que a dos brasileiros; por não ter, ainda, que pagar, com recursos próprios, despesas com a educação de seus três filhos (no mínimo do ensino fundamental ao médio) e planos de saúde.

Provavelmente não precisaria ter despesas com um carro próprio, porque o transporte coletivo seria suficiente para as suas necessidades, tanto quanto seria para sua filha que tem um carro Honda Fit. Seu salário seria suficiente para poupar e viajar nas férias com sua família e também para complementar sua aposentadoria na velhice.

Os juros para aquisição de um imóvel próprio seriam baixíssimos, não precisando de crises, que levou os compradores de imóveis nos anos 80 e início dos 90, à insônia, inadimplência ou à sua devolução, em razão do absurdo saldo devedor, às vezes maior do que o valor do próprio imóvel; depois dessa imensa crise, houve diminuição de fato do saldo devedor que o senhor esquece de comentar.

A Clara poderia passear com seus filhos em parques públicos, nos finais de semana, bem como haveria calçadas que a permitiriam andar com os carrinhos de seus bebês, e se tivesse um filho com deficiência, teria ajuda financeira pública, serviços públicos adequados e acessibilidade aos locais públicos, conforme os países europeus.

Não teria vivido sob o medo de assalto nas ruas de Recife e nem teria uma empregada, porque a pobreza não seria de 75% da população que leva à existência de oferta e demanda desses serviços domésticos.  

Na velhice teria a segurança de serviços públicos de saúde e assistência social suficientes e de qualidade. Com certeza não pagaria um plano de saúde aos 65 anos de idade, cujo valor deve ser quase o mesmo que o teto da previdência pública que poucos conseguem receber no nosso país. E quanto ao recebimento da aposentadoria e pensão, lembro-lhe que são direitos e financiados grande parte pelos descontos do pagamento de seu salário compulsoriamente e também de seu marido durante suas vidas ativas de trabalho, assim como de toda a população assalariada, cujo fundo previdenciário seria constitucionalmente superavitário, não fosse a área econômica do governo federal de todos os tempos, desvincular parte de seus recursos pela DRU para pagamento dos escorchantes juros da dívida pública.

Por isso, caro senhor articulista, quando fizer uma análise sobre as distorções do país, não se esqueça, ainda, que o Congresso Nacional (assim como o Judiciário e talvez o Ministério Público Federal), goza do benefício de aposentadoria especial e ainda tem direito a serviços privados de saúde, com acompanhante, até mesmo no exterior, enquanto 75% da população que dependem do SUS exclusivamente estão a viver sob a ameaça de que os recursos mínimos que o financiam serão congelados por 20 anos (PEC 241, de 2016), ainda que o mesmo tenha por volta de 45% de insuficiências, sem falar que pessoas continuarão a nascer e a sobrevida é muito maior nos dias de hoje.

Seria muito importante que o senhor, como articulista e formador de opinião, emitisse opiniões completas, deitando o olhar a todas às nuances desse país injusto, desigual, não adotando a tese da invisibilidade. Isso contribuirá para que todos compreendam de fato as distorções socioeconômicas de nosso país, onde estão os privilégios e não defendam o congelamento dos gastos públicos com serviços essenciais, como saúde e educação, especialmente para os 75% de pessoas pobres.

 

Lenir Santos

Setembro/2016

 

 

 Domingueira da Saúde - 028 2016 - 02 10 2016

                                 

ANEXOS:

   1-       Contas à vista ADCT é o "retrato de Dorian Gray" da Constituição de 1988

  2-  Legislação básica em saúde pública – SUS – SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – versão 27.9.2016 por José Adalberto Dazzi

 Texto anexo de terceiro é de estrita responsabilidade de seu autor.



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