
Apresentação
A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.
Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos
Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado
ISSN 2525-8583
Domingueira nº 24 - julho 2023
Índice
Aplicabilidade do piso salarial dos profissionais de Enfermagem
Por Idisa
O Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo – COSEMS-SP, consulta o Instituto de Direito Sanitário Aplicado – Idisa, a respeito de questionamentos de secretários municipais de saúde quanto à aplicabilidade de alguns aspectos relacionados ao piso salarial dos profissionais de Enfermagem.
A Lei Federal Nº 14.434/22 instituiu o piso salarial nacional do Enfermeiro, do Técnico em Enfermagem, do Auxiliar de Enfermagem e da Parteira. O piso salarial em questão, por tratar-se de lei nacional, estabelece valores únicos a serem aplicados a cada modalidade dos mencionados profissionais em todo o país, no setor público e privado, não tendo feito distinção de valores entre os Estados, nem tampouco considerou as dinâmicas municipais num país federativo e com grandes desigualdades socioeconômicas e geográficas.
A Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos Serviços (CNSaúde) propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7222 em face da citada lei para que o STF declarasse "a inconstitucionalidade dos dispositivos ora impugnados por todas as violações à Carta da República citadas ao longo da exordial e pela patente irrazoabilidade da Lei 14.434/2022 (comprovada, por igual, pelas danosas consequências práticas da medida para toda a coletividade)".
Em setembro de 2022, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo, do Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisão acatando pedido cautelar de suspensão da Lei do Piso da Enfermagem, referendado pelo pleno, que culminou na suspensão dos “efeitos da Lei nº 14.434/2022, até que sejam esclarecidos os seus impactos sobre: (i) a situação financeira de Estados e Municípios, em razão dos riscos para a sua solvabilidade. Intimem-se, para tal fim, o Ministério da Economia; os vinte e seis Estados-membros e o Distrito Federal; e a Confederação Nacional de Municípios (CNM); (ii) a empregabilidade, tendo em vista as alegações plausíveis de demissões em massa.”
Em dezembro de 2022, o Congresso Nacional aprovou a fonte de custeio para implementação da Lei do Piso no setor público, por meio da Emenda Constitucional 127/2022, que estabeleceu o dever da União prestar assistência financeira aos entes federativos para o cumprimento dos pisos salariais.
Também em dezembro de 2022, foi editada a Lei Complementar Nº 197/2022, para conceder prazo para que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios executem atos de transposição e de transferência e atos de transposição e de reprogramação, respectivamente, referentes à priorização da destinação dos saldos dos Fundos Públicos (contas abertas até 2018) às Entidades Privadas sem fins Lucrativas.
Em 11 maio de 2023, foi editada a Lei Federal nº 14.581/2023, para abertura do crédito especial ao Orçamento da União, no valor de R$7,3 bilhões, com o escopo de atender essa programação específica do Programa de Assistência Financeira Complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o Pagamento do Piso Salarial dos Profissionais da Enfermagem - Nacional.
Em 12 de maio de 2023, o Ministério da Saúde publicou a Portaria GM/MS Nº 597/2023 para estabelecer os critérios e parâmetros relacionados à transferência de recursos para a assistência financeira complementar da União destinada ao cumprimento dos pisos salariais nacionais de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiras no exercício de 2023.
Em 15 de maio de 2023, o ministro Luís Roberto Barroso, restabeleceu os efeitos da lei piso salarial nacional da enfermagem com ressalvas de que os valores deveriam ser pagos por estados, municípios e autarquias somente nos limites dos recursos repassados pela União. Já no caso dos profissionais da iniciativa privada, a decisão estabeleceu a possibilidade de negociação coletiva, vedada pela redação original da Lei.
Em 16 de junho de 2023, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7222 foi iniciado em sessão virtual, tendo por meio de um voto conjunto, os ministros Luís Roberto Barroso, relator do processo, e Gilmar Mendes se manifestado pela confirmação da decisão de maio de 2023 que restabeleceu o piso salarial nacional de profissionais de enfermagem previsto na Lei 14.434/2022 e fixado diretrizes para a sua implementação.
Os ministros decidiram que a União deverá criar crédito suplementar em caso de insuficiência de recursos federais para o pagamento dos recursos de complementação do piso no setor público. No setor privado, Barroso e Mendes propuseram um prazo de 60 dias para que empresas e sindicatos façam negociações coletivas para flexibilizar o valor do piso.
O ministro Edson Fachin apresentou voto divergente do voto conjunto no sentido de revogar a liminar e implementar o piso na forma prevista na Lei 14.434 /2022, na Emenda Constitucional (EC) 127/2022 e na Lei 14.581/2023. O ministro entendeu que não deve haver distinção entre funcionários públicos e privados e, por isso, o piso nacional salarial da enfermagem deve ser aplicado de forma imediata e integral a todos. O ministro Dias Toffoli pediu vistas.
Em 22 de junho de 2023, o Ministério da Saúde disponibilizou ferramenta desenvolvida pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS), integrada ao sistema InvestSUS Gestão, para gestores estaduais e municipais atualizarem dados dos profissionais de enfermagem da rede própria e conveniada com o objetivo de definir o rateio da contribuição federal para o pagamento do piso da categoria de enfermagem.
Em 23 de junho de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento virtual da ação sobre a validade do pagamento do piso salarial nacional para os profissionais de enfermagem após dois pedidos de vista diante de divergências apresentadas pelos ministros em relação à operacionalização do pagamento.
Os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes apresentaram divergência em relação ao pagamento para profissionais celetistas. O ministro Edson Fachin determinou o pagamento de todos os contratos públicos e privados de trabalho.
Em 26 de junho de 2023, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, votou para que o piso da enfermagem seja pago imediatamente, nos moldes do que determina a Lei 14.434/2022, acompanhando o voto divergente de Edson Fachin. Em seu voto, Fachin defendeu que como a discussão envolve negociação sobre piso salarial, cuja previsão constitucional está expressa e, sem reserva legal, “tem-se a impossibilidade de que a negociação coletiva sobreponha-se à vontade do legislador constituinte e ordinário, no particular”.
Com isso, o julgamento estava empatado em 2 votos para esta tese a 2 votos que condicionam o pagamento do piso a alguns critérios (como propuseram o relator, Luís Roberto Barroso, e Gilmar Mendes) a 2 votos que propuseram a regionalização do piso da enfermagem para celetistas (Dias Toffoli e Alexandre de Moraes). Ainda faltavam votar outros 4 ministros.
O Julgamento Virtual encerrou-se em 30 de junho de 2023, decidindo-se por oito votos a dois, que o piso nacional da enfermagem deve ser pago aos trabalhadores do setor público pelos estados e municípios na medida dos repasses federais.
Ainda, por voto médio, o STF definiu que prevalece a exigência de negociação sindical coletiva como requisito procedimental obrigatório, mas que, se não houver acordo, o piso deve ser pago conforme fixado em lei. Além disso, a aplicação da lei só ocorrerá depois de passados 60 dias a contar da publicação da ata do julgamento [publicada em 12/07/2023 no Diário de Justiça Eletrônico (DJE)], mesmo que as negociações se encerrem antes desse prazo.
Outrossim, ficou definido, por oito votos a dois, que o pagamento do piso salarial é proporcional à carga horária de oito horas diárias e 44 horas semanais de trabalho, de modo que se a jornada for inferior o piso será reduzido.
Nesse contexto, alguns aspectos jurídicos que norteiam a mensuração dos impactos e operacionalização da implementação da nova Lei do Piso, em especial nos processos de pagamentos nos diversos vínculos e jornadas de trabalho, têm trazido uma série de dúvidas aos gestores municipais e servidores que atuam na área.
1) Da aplicabilidade de proporcionalidade entre diferentes cargas horárias das categorias profissionais;
No que diz respeito à carga horária, a redação da Lei Federal nº 14.434/22 é clara quando estabelece a aplicação do piso independe da jornada de trabalho do profissional, sendo, portanto, aplicável a todas as jornadas de trabalho dos profissionais de enfermagem e parteiras (art. 2º, § 1º).
O artigo 2º, §1º da Lei do Piso assegurou ainda a manutenção das remunerações e dos salários vigentes superiores ao piso salarial independente da jornada de trabalho para o qual o profissional ou trabalhador foi admitido ou contratado.
Ainda nesse sentido, o recente Voto Complementar Conjunto dos ministros Barroso e Gilmar Mendes da ADI 7222, referendou este entendimento, à luz da interpretação da Constituição e da jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que preconiza a proporcionalidade de pagamento em caso de redução de carga horária.
Desse modo, o piso salarial será sempre relativo a 8 (oito) horas diárias ou 44 (quarenta e quatro) horas semanais proporcionais, esclarecendo que o piso corresponde ao valor mínimo a ser pago em função da jornada completo estabelecida no art. 7º, XIII, da Constituição, assim, a remuneração pode ser reduzida de maneira proporcional à jornada de trabalho.
Por fim, o entendimento foi consolidado por meio de Voto Médio da ADI 7222, no qual esclareceu que uma vez disponizados os recursos financeiros suficientes, o pagamento do piso salarial deve ser proporcional nos casos de carga horária inferior a 8(oito) horas por dia ou 44 (quarenta quatro) horas semanais
2) Dos reflexos da aplicação da Lei do Piso (vencimento base, reflexos previdenciários, adicionais e prêmios, servidores em comissão, etc);
Quanto aos reflexos da aplicação da Lei do Piso inicialmente é necessário identificar as especificidades de cada regime jurídico de contratação utilizados pelos entes federativos, seja ele estatutário ou celetista.
No caso específico dos profissionais da enfermagem servidores públicos, os reflexos da aplicação do piso deverão observar as disposições da legislação instituidora do regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas de cada ente federativo, nos termos do art. 39 da CF.
Quanto aos profissionais de enfermagem lotados em cargo em comissão faz-se necessário avaliar a natureza do cargo em questão para identificar, por exemplo, se o cargo é ou não privativo de profissional de enfermagem, como é o caso de uma Diretora de Enfermagem de um Hospital. Se a remuneração prevista para o cargo já atingir o valor do piso, não será necessário realizar ajustes e complementações para cumprimento da legislação.
No caso de profissionais de enfermagem sujeitos ao regime celetista (setor privado e empregados públicos), os adicionais previstos na CLT, como o adicional noturno, o adicional por insalubridade ou periculosidade e o adicional por horas extras terão também como base os novos valores instituídos pelo piso, pois representam um percentual do próprio salário do empregado.
Em suma, tudo que, de alguma forma, leva como base a remuneração/salário do servidor/trabalhador, sofrerá impacto com a instituição do piso, nos limites das especificidades de cada regime jurídico de contratação.
3) Do enquadramento orçamentário dos recursos do Bloco de Manutenção das Ações e Serviços Públicos de Saúde - Grupo de Assistência Financeira Complementar para Implementação do Piso Salarial da Enfermagem.
Os recursos previstos pela Lei Federal nº 14.581/2023, para atendimento do Programa de Assistência Financeira Complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o Pagamento do Piso Salarial dos Profissionais da Enfermagem - Nacional possuem natureza de crédito especial.
Do Voto Conjunto da ADI 7222 é possível destacar a preocupação dos ministros acerca do caráter parcial e temporário dos recursos previstos pela EC nº 127/2022 e da Lei nº 14.581/2023, para custeio da implementação do piso salarial nacional aos entes federativos, tendo ressaltado:
“inexiste indicação de uma fonte segura capaz de custear os encargos financeiros impostos aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para além do corrente ano de2023. Para o presente exercício financeiro, como mencionado, foi aberto crédito especial; para o próximo exercício e os seguintes, a legislação recentemente aprovada prevê o custeio com eventuais resultados positivos de fundos da União. Tal indefinição, contudo, não apenas é incompatível com a Constituição orçamentária, mas também parece chocar com o caráter perene de uma despesa corrente de caráter continuado.”
A competência para criação de códigos de natureza da receita orçamentária para atendimento das peculiaridades de Estados, Distrito Federal e Municípios é da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), conforme art. 57, inciso VII, do Anexo I do Decreto nº 9.745, de 08 de abril de 2019. Assim, a Subsecretaria de Contabilidade Pública do Tesouro Nacional mantém a gestão do denominado Ementário da classificação por natureza da receita orçamentária, o qual é atualizado anualmente, por meio de Portaria, para aplicação no exercício seguinte.
Desse modo, para atender ao disposto no artigo 51 da Lei de Responsabilidade Fiscal, a uniformização das receitas orçamentárias do Entes da Federação, foi emitida a Portaria Conjunta STN/SOF nº 650, de 24 de setembro de 2019, que regulamenta a criação do Código de Natureza de Receita Orçamentária.
Assim, cabe à Secretaria do Tesouro Nacional criar segundo as diretrizes da Portaria Conjunta o Código Identificador da Receita Especial que subsidiará a implementação do piso salarial da enfermagem, conforme parâmetros estabelecidos na citada Portaria Conjunta.
No que compete à jurisdição da Unidade Federativa de São Paulo, cabe destacar que o Tribunal de Contas do Estado, através do Comunicado AUDESP nº 25 de 19 de maio de 2023 (1) determinou a utilização do Código de Aplicação nº 370 na fonte de recurso 05 (Federal) dado o que determinou Emenda Constitucional nº 127/2023 no que se refere no que se refere às despesas relacionadas ao cumprimento dos pisos salariais profissionais nacionais para o enfermeiro, o técnico de enfermagem, o auxiliar de enfermagem e a parteira. O comunicado destaca ainda que o referido código de aplicação NÃO deve ser utilizado para despesas com fonte de recursos próprios da mesma finalidade.
Atualmente, a regulamentação para transferências dos recursos para a assistência financeira complementar da União destinada ao cumprimento dos pisos salariais nacionais de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiras no exercício de 2023 foi dada pela Portaria GM/MS Nº 597/2023.
Esta portaria indicou o montante disponibilizado [fracionado e distribuído para cada Município conforme disposto em seu Anexo III], bem como a responsabilidade Programa de Trabalho 10.302.5018.00UW (Assistência Financeira Complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o Pagamento do Piso Salarial dos Profissionais da Enfermagem) do orçamento do Ministério da Saúde.
4) Das restrições de utilização dos recursos oriundos do Bloco de Manutenção das Ações e Serviços Públicos de Saúde - Grupo de Assistência Financeira Complementar para Implementação do Piso Salarial da Enfermagem.
Como já dito anteriormente, a EC nº 127/2022 foi instituída para regulamentar a obrigação da União em prestar assistência financeira complementar para cumprimento dos pisos salariais nos termos do seu artigo 198, §§ 14º e 15º:
§ 14. Compete à União, nos termos da lei, prestar assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios e às entidades filantrópicas, bem como aos prestadores de serviços contratualizados que atendam, no mínimo, 60% (sessenta por cento) de seus pacientes pelo sistema único de saúde, para o cumprimento dos pisos salariais de que trata o § 12 deste artigo.
§ 15. Os recursos federais destinados aos pagamentos da assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios e às entidades filantrópicas, bem como aos prestadores de serviços contratualizados que atendam, no mínimo, 60% (sessenta por cento) de seus pacientes pelo sistema único de saúde, para o cumprimento dos pisos salariais de que trata o § 12 deste artigo serão consignados no orçamento geral da União com dotação própria e exclusiva." (NR)
Desta maneira, percebe-se que a citada EC alcançou o Setor Público e o Setor Privado que participa de forma complementar ao SUS (entidades filantrópicas e entidades privadas que prestam mais de 60% dos seus atendimentos ao SUS).
Além disso, a Portaria GM/MS Nº 597/2023 também reforçou a responsabilidade de prestação de contas dos recursos destinados ao cumprimento do piso da enfermagem:
Art. 5º Fica estabelecido o prazo de 30 (trinta) dias, após
o FNS creditar nas contas bancárias dos Fundos de Saúde dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, para que os respectivos entes efetuem o pagamento dos recursos financeiros aos estabelecimentos de saúde, de acordo com a relação divulgada no Portal do Fundo Nacional de Saúde (https://portalfns.saude.gov.br/), observada a possibilidade de adequação de que trata o § 1º do art. 4º.
Parágrafo único. As entidades beneficiadas deverão prestar contas da aplicação dos recursos aos respectivos gestores dos estados, municípios ou Distrito Federal.
Da análise da Lei Federal nº 14.581/2023 depreende-se uma vinculação direta dos recursos ali previstos ao atendimento do Programa de Assistência Financeira Complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o Pagamento do Piso Salarial dos Profissionais da Enfermagem - Nacional, regulamentado pela Portaria GM/MS Nº 597/2023 que determinou os critérios e parâmetros relacionados ao cumprimento dos pisos salariais nacionais de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiras no exercício de 2023.
Sendo assim, caracterizado como recurso vinculado de fonte federal, transferido na modalidade fundo a fundo, pelo Fundo Nacional de Saúde aos fundos públicos de municípios e estados, originado do Programa de Trabalho 10.302.5018.00UW (Assistência Financeira Complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o Pagamento do Piso Salarial dos Profissionais da Enfermagem), o regramento de aplicação disposto pela Portaria GM/MS Nº 3.992/2017 (alterada pela Portaria GM/MS Nº 828/2020) determina que este recurso seja destinado à despesas com ações e serviços públicos de saúde:
a) relacionadas ao próprio bloco que o originou, devendo ser observada a vinculação, ao final do exercício financeiro, à finalidade definida em cada Programa de Trabalho do Orçamento Geral da União que originou o repasse;
b) previstas no Plano de Saúde e na Programação Anual de Saúde do referido submetidos ao Conselho de Saúde do respectivo ente;
c) e, em cumprimento ao objeto e compromissos estabelecidos em ato normativo específico pela direção do SUS (neste caso, a Portaria GM/MS Nº 597/23 que define a destinação, distribuição e aplicação dos recursos).
Assim, os recursos federais da Assistência Financeira Complementar devem ser aplicados em despesas relacionadas à manutenção e funcionamento dos serviços públicos de saúde já existentes em cumprimento ao objetivo de implementar o piso salarial para os profissionais de enfermagem tal como definido em lei. Ou seja, em despesas que não concorram na majoração dos serviços existentes e que não contribuam diretamente para a formação ou aquisição de um bem de capital.
As determinações da Lei Federal e Emenda Constitucional que deram lastro à criação dos referidos créditos especiais, em especial, ao que se destina a Portaria GM/MS Nº 597/2023, evidenciam que a finalidade de aplicação destes recursos deve contemplar os impactos da implementação do referido piso salarial a todos os profissionais da categoria, do setor público ou privado, atuantes em qualquer estabelecimento de saúde das diferentes políticas do SUS em todos os seus níveis de complexidade.
Desta forma, apesar de originar-se em uma dotação orçamentária registrada na Subfunção Contábil (2) 302 - Assistência Hospitalar e Ambulatorial, não parece plausível que a aplicação dos recursos da Assistência Financeira Complementar se restrinja apenas a esta área do SUS.
Isto porque, a força de trabalho da enfermagem faz-se presente em praticamente todos os serviços de saúde do sistema. Sendo assim, apesar do registro orçamentário, especialmente no que se refere à agregação da subfunção, para que se cumpra o que determinou o conjunto normativo federal, não se deve restringir a aplicação do respectivo recurso a qualquer camada organizativa do sistema.
Na realidade, a obrigação da União custear o impacto da implementação do piso da enfermagem por força de lei impõe ao Ministério da Saúde o dever, em regulação infralegal, de observar o critério-guia de apoio financeiro ao custeio do piso da enfermagem sem se deter na divisão interna feita pelo Ministério da Saúde de custeio de serviços em níveis de atenção assistencial.
Portanto, em cumprimento ao arcabouço legislativo federal, o recurso deve ser destinado ao custeio do impacto de implementação do referido Piso Nacional independente da área de atuação do profissional no SUS.
5) Dos parâmetros de cálculo para os recursos de complementação dos prestadores (60% SUS) e Da responsabilidade da União sobre o custeio da totalidade dos recursos necessários à instituição do Piso.
A Lei Federal e a Portaria GM/MS Nº 597/2023 ainda não detalharam parâmetros de cálculo para complementação dos valores necessários ao cumprimento do piso salarial dos profissionais da enfermagem.
No entanto, a decisão recente do STF proferida no VOTO CONJUNTO, explicita alguns critérios que podem orientar os entes federativos, confirmados no encerramento do Plenário Virtual [em 30/06/23] por 8 votos a 2:
(ii) em relação aos servidores públicos dos Estados, Distrito Federal, Municípios e de suas autarquias e fundações (art. 15-C da Lei nº 7.498/1986), bem como aos profissionais contratados por entidades privadas que atendam, no mínimo, 60% de seus pacientes pelo SUS (art. 15-A da Lei nº 7.498/1986):
a) a implementação da diferença remuneratória resultante do piso salarial nacional deve ocorrer na extensão do quanto disponibilizado, a título de “assistência financeira complementar”, pelo orçamento da União (art. 198, §§ 14 e 15, da CF, com redação dada pela EC nº 127/2022);
b) eventual insuficiência da “assistência financeira complementar” mencionada no item (ii.a) instaura o dever da União de providenciar crédito suplementar, cuja fonte de abertura serão recursos provenientes do cancelamento, total ou parcial, de dotações tais como aquelas destinadas ao pagamento de emendas parlamentares individuais ao projeto de lei orçamentária destinadas a ações e serviços públicos de saúde (art. 166,
§ 9º, da CF) ou direcionadas às demais emendas parlamentares (inclusive de Relator-Geral do Orçamento). Não sendo tomada tal providência, não será exigível o pagamento por parte dos entes referidos no item (ii);
c) uma vez disponibilizados os recursos financeiros suficientes, o pagamento do piso salarial deve ser proporcional nos casos de carga horária inferior a 8 (oito) horas por dia ou 44 (quarenta e quatro) horas semanais;
(iii) em relação aos profissionais celetistas em geral (art. 15-A da Lei nº 7.498/1986), a implementação do piso salarial nacional deverá ser precedida de negociação coletiva entre as partes, como exigência procedimental imprescindível, levando em conta a preocupação com demissões em massa ou prejuízos para os serviços de saúde. Não havendo acordo, incidirá a Lei nº 14.434/2022, desde que decorrido o prazo de 60 (sessenta) dias, contados da data de publicação da ata deste julgamento desta decisão.
23) Quanto aos efeitos da presente decisão, em relação aos profissionais referidos nos itens (i) e (ii), eles se produzem na forma da Portaria GM/MS nº 597, de 12 de maio de 2023. (grifos nossos)
A partir do encerramento do Julgamento Virtual, fixa-se o entendimento que o cumprimento pelo setor público estará condicionado ao recebimento da complementação de recursos federais a serem operacionalizados nos termos da Portaria do Ministério da Saúde.
Especificamente sobre a complementação para prestadores de serviços contratualizados que atendam, no mínimo, 60% (sessenta por cento) de seus pacientes pelo Sistema Único de Saúde - SUS a Portaria GM/MS Nº 597/2023 limitou-se a atualizar o repasse observando os valores de referência a serem disponibilizados no Portal do FNS (https://portalfns.saude.gov.br/) e a contratualização vigente, bem como o rol de prestadores de serviços de saúde, de maneira a adequá-lo à contratualização vigente, por meio de aditivos aos contratos, convênios ou instrumentos congêneres vigentes ou celebração de novos contratos com os estabelecimentos de saúde.
Assim, como o texto da portaria não especifica qualquer critério de divisão do recurso ou priorização, considerando-se um cenário de envio de recursos parciais à complementação das despesas para implementação do Piso, recomenda-se aos gestores municipais de saúde, até que sejam expedidas novas orientações do Ministério da Saúde, observem as normas e princípios orientadoras da atuação do gestor público, bem como as especificidades do próprio SUS.
Os gestores municipais devem planejar a distribuição dos recursos federais da Assistência Financeira Complementar de acordo com a rede de serviços de saúde do seu território, por meio da definição de critérios técnicos e objetivos, em respeito aos princípios da administração pública e do SUS, para assim garantir segurança jurídica em eventual questionamento por parte de profissionais/prestadores que por algum motivo não puderem ser contemplados num primeiro momento com a complementação de recursos do piso.
Espera-se que a utilização de critérios adequados à dinâmica do SUS respaldará os gestores num cenário de insuficiência de recursos de complementação, cuja responsabilidade é da União, frente a instituição de um piso nacional sem observação das especificidades regionais, em total desrespeito à autonomia federativa prevista no art. 18 da CF.
Conclusão
Ante o encerramento do Julgamento Virtual em 30 de junho de 2023 da medida cautelar da (ADI) 7222 no STF conclui-se que o piso nacional da enfermagem deve ser pago aos trabalhadores do setor público pelos estados e municípios na medida dos repasses federais, tendo prevalecido a exigência de negociação sindical coletiva como requisito procedimental obrigatório, mas ausente o acordo, o piso deve ser pago conforme fixado em lei, no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da data de publicação da ata de julgamento, qual seja, 12 de julho de 2023.
Logo, diante do cenário atual tem-se que:
1) Lei Federal nº 14.434/2022 instituiu o piso salarial para profissionais de enfermagem e parteira;
2) A EC nº 127/2022 estabelece a competência da União prestar assistência financeira complementar para promover a aplicação do piso;
3) A Lei Federal nº 14.581/2023 abriu o orçamento da Seguridade Social com objetivo de promover a assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o pagamento do piso salarial;
4) A Portaria GM/MS Nº 597/2023 do Ministério da Saúde estabeleceu critérios e parâmetros para orientar a transferência de recursos para assistência financeira complementar dos entes da Federação para o pagamento do piso aos profissionais da enfermagem;
5) O art. 5º da Portaria GM/MS Nº 597/2023 determina às entidades beneficiadas o dever de prestar contas da aplicação dos recursos aos respectivos gestores dos estados, municípios ou Distrito Federal. A prestação de contas relativa à aplicação dos recursos recebidos pelas entidades deverá compor o Relatório Anual de Gestão - RAG do respectivo ente federativo beneficiado;
6) Os Estados e Municípios devem seguir as orientações referentes à utilização dos recursos expedidas pela legislação vigente;
7) Com a proclamação do resultado final do julgamento do piso da enfermagem, tem-se a obrigatoriedade da implementação do piso salarial para profissionais de enfermagem e parteira deve ser pago nos termos da Lei Federal nº 14.434/2022, de acordo com os repasses federais. No entanto, ainda será necessário; regulamentação sobre sua operacionalização a ser expedida pelos órgãos competentes, tal como do efetivo crédito dos recursos federais da Assistência Financeira Complementar aos respectivos Fundos Públicos de Saúde de Estados e Municípios;
8) Os recursos da Assistência Financeira Complementar devem ser aplicados por municípios e estados para o objetivo de implementar o Piso Nacional Salarial da Enfermagem, em despesas de natureza relacionada à manutenção e funcionamento dos serviços públicos de saúde, sem discriminação de tipo de estabelecimento, nível de complexidade, área e/ou política do SUS sendo observados os requisitos publicizados pelos atos normativos do Ministério da Saúde, especialmente da Portaria GM/MS Nº 597/23;
9) Na Unidade Federativa de São Paulo, o Tribunal de Contas Estadual determinou a utilização do código de aplicação nº 307, na fonte federal (05), para acolhimento dos recursos federais da Assistência Financeira Complementar, quando da sua efetiva transferência;
10) Na falta de regulamentação ou omissão da legislação, no que se refere à alocação orçamentária dos recursos federais da Assistência Financeira Complementar na complementação das relacionadas despesas diretas e/ou contratualizadas, os Municípios devem planejar a distribuição dos respectivos recursos federais, de acordo com o que dispõe a Portaria GM/MS Nº 597/23, priorizando a definição de critérios técnicos e objetivos, respeitando os princípios da administração pública e do SUS, de acordo com a rede de serviços de saúde do seu território;
11) O Fundo Nacional de Saúde - FNS desenvolveu um aplicativo para promover a atualização dos dados profissionais de enfermagem que prestam serviços, tanto da rede própria quanto conveniada. A ferramenta foi disponibilizada aos gestores estaduais e municipais com previsão de atualização até o dia 04/08/2023. O objetivo do aplicativo é parte de um amplo processo de levantamento de dados dos profissionais da enfermagem junto aos estados e municípios, o que permitirá melhor apuração dos valores a serem repassados a cada ente da federação;
12) Em 14 de Julho de 2023, o Ministério da Saúde emitiu uma Nota em seu site oficial informando o compromisso de implementar com celeridade o piso nacional da enfermagem de forma retroativa a maio de 2023 previsto para ser pago em nove parcelas neste ano. De acordo com essa Nota, o órgão está em processo de implementação do piso, orientado pela Advocacia Geral da União (AGU), o cálculo do piso será aplicado considerando o vencimento básico e as gratificações de caráter geral fixas, não incluídas as de cunho pessoal. A metodologia de repasse aos entes e o monitoramento da implementação do piso em nível nacional tomará como base um grupo de trabalho com a participação de diferentes pastas (Ministério da Saúde, Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Ministério do Planejamento e Orçamento, Advocacia-Geral da União e Controladoria-Geral da União), sob supervisão dos ministérios que integram a estrutura da Presidência da República e coordenados pela Casa Civil. Por fim, reafirmou a importância dos trabalhadores do SUS para o Governo Federal, tendo reiterado compromisso em garantir a implementação do piso para profissionais da enfermagem federais, estaduais e municipais, ou que atuem em estabelecimentos que atendem pelo menos 60% dos seus pacientes pelo SUS.
1) Comunicação disponível em: [https://www.tce.sp.gov.br/legislacao/comunicado/ec-1272022-recursos-transferidos-para-cumprimento-pisos- salariais](https://www.tce.sp.gov.br/legislacao/comunicado/ec-1272022-recursos-transferidos-para-cumprimento-pisos- salariais).
2) Nível de agregação do registro contábil do Plano de Contas Nacional que evidencia a natureza da atuação governamental.
Campinas, 07 de agosto de 2023
Joana Rocha e Rocha
OAB/BA 32.731