Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

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ISSN 2525-8583



Domingueira nº 16 - Maio 2024

Melhorar a equidade na Saúde através de novos modelos de atenção básica

Por Carmino de Souza


Neste artigo, gostaria de resgatar um relato que destaca o programa de saúde e família brasileiro publicado no 15º aniversário da PLOS Medicine em 2019 (1). Farei aqui uma tradução quase literal deste artigo com algumas inserções de minha responsabilidade.

“Desde que Julian Tudor Hart salientou que os serviços de saúde de boa qualidade tendem a fluir para os mais ricos e não para os mais doentes, o mundo tem lutado para medir e mitigar a lei dos cuidados inversos. Se a principal tarefa dos sistemas de saúde de alta qualidade é melhorar a saúde da população e se os cuidados primários são uma plataforma chave para alcançar uma cobertura equitativa dos serviços de saúde, então precisamos saber como faremos para manter as pessoas vivas e com qualidade de vida. No entanto, cinquenta anos após a declaração histórica de Alma Ata, surpreendentemente poucos novos modelos de cuidados primários foram rigorosamente avaliados.

Precisamos urgentemente de novos modelos de cuidados básicos ou primários.

Um importante artigo da PLOS dos últimos cinco anos e que nos diz respeito é ‘Associação entre expansão da atenção primária à saúde e desigualdades raciais na mortalidade passível de atenção primária no Brasil: uma análise longitudinal nacional‘ de 2017 por Thomas Hone, et al. Hone e colegas usaram dados do sistema de informação de saúde do Brasil para examinar como a expansão de um modelo específico de atenção primária, a Estratégia de Saúde da Família ou estratégia de saúde da família, está relacionada às taxas de mortalidade padronizadas por idade entre brancos em comparação com pessoas negras e pardas no país. O seu estudo está entre os primeiros a associar a expansão dos cuidados primários à redução da mortalidade adulta e a mostrar que os efeitos dos cuidados primários são a favor dos pobres. Cesar Victora e colegas, também do Brasil, lideraram o caminho no monitoramento da equidade no acesso aos serviços e nos resultados em todo o mundo.

O documento Hone baseia-se nesta base para ligar os serviços de saúde aos resultados, injetando assim uma medida de responsabilização no sistema. As análises da equidade na saúde são essenciais em todos os países, incluindo os países de rendimento baixo e médio, uma vez que a média muitas vezes obscurece diferenças dramáticas na saúde e nos cuidados de saúde.

Por que isso se destaca? Combina relevância com escala e rigor. Aborda um tema quente – os efeitos dos cuidados primários na saúde – para o qual o debate atual tem gerado mais calor do que luz. É um estudo nacional, o que eleva a sua importância política.

Os gestores e políticos têm pouco tempo para analisar as provas científicas e pequenos estudos locais têm poucas hipóteses de chamar a sua atenção como acontece com um grande estudo nacional. Hone e colegas usam dados administrativos – na verdade, todos os dados eram de domínio público. Isto é ao mesmo tempo uma ciência eficiente (sem necessidade de pesquisas adicionais) e aumenta o retorno do Brasil sobre o investimento realizado. Como observam os autores, há também uma desvantagem na utilização de dados administrativos: qualidade inconsistente.

Neste caso, as causas de morte foram mal codificadas e algumas necessitaram de reclassificação. Embora isto não seja ideal, os autores conduzem um conjunto de análises de sensibilidade para testar a robustez das suas descobertas. Do ponto de vista social, a utilização de dados na investigação e não só é fundamental para a melhorar – dados de má qualidade. Finalmente, a análise examinou potenciais caminhos para os seus resultados positivos; isto ainda é muito incomum na investigação dos sistemas de saúde.

Um impacto da estratégia de saúde da família na mortalidade só é plausível se reduzir as mortes por condições passíveis de cuidados primários e não outras.

Hone e colegas mostram que a expansão dos cuidados primários foi associada a reduções na mortalidade por doenças cardiovasculares, diabetes e doenças infecciosas – o pão com manteiga dos cuidados primários – mas não por acidentes com veículos motorizados que não são passíveis de cuidados primários”.

Assim, tento demonstrar que o programa de saúde da família e comunidade brasileiro pode ser considerado um modelo e plataforma para os cuidados à saúde pública.

Além disto, este programa tem o reconhecimento internacional e deve ser potencializado e apoiado decisivamente com custos e resultados altamente adequados a nossa realidade e, mesmo, a realidade de países de maior poder econômico.


1) Melhorar a equidade na saúde através de novos modelos de cuidados primários: 15º aniversário da PLOS Medicine – 22 de outubro de 2019, Política geral de acesso aberto à saúde global do 15º aniversário do PLOS Guest Blogger


Publicado em Hora Campinas


Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994), da cidade de Campinas entre 2013 e 2020 e Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022. Atual presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan e Diretor Científico da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).




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