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A crise da saúde suplementar

Clávio de Melo Valença Filho e Luciano Timm
 
No dia 13 de julho, a Agência Nacional de Saúde (ANS) proibiu a comercialização de 268 planos de saúde de 37 operadoras. A decisão foi motivada pela má qualidade da prestação de serviços, sobretudo a demora no atendimento médico, na realização de exames e na concessão de autorização para internações.
 
 
A intervenção parece legítima. Afinal, cabe ao regulador corrigir falhas de mercado, e a insuficiência generalizada da qualidade dos serviços de saúde suplementar caracteriza-se como tal. Referida medida, contudo, não combate as causas de uma crise incentivada pelo Judiciário e pelo próprio agente regulador.
 
 
Sabe-se, as insuficiências do Sistema Único de Saúde (SUS) levaram o Judiciário a substituir-se à administração na formulação de uma política de saúde cujo principal pilar é a universalização das coberturas da saúde suplementar. Basta pedir, o juiz defere.
 
 
Ideais de justiça distributiva e função social do contrato fundamentam essa política implementada por intermédio da revisão judicial dos contratos de saúde suplementar. Seus resultados, contudo, são negativos: não redistribui riquezas e não melhora o bem-estar social.
 
 
O pecado original está na confusão entre função social dos contratos de saúde suplementar e os interesses individuais das partes em uma lide específica. A função social do contrato de saúde suplementar - a socialização do risco - se alcança pela promoção de interesses da coletividade de segurados e beneficiários que participam ou poderiam participar desse mercado.
 
 
Crise é incentivada pelo Judiciário e pelo próprio agente regulador
 
 
Ao condenar o operador de saúde a fornecer tratamento não coberto pela apólice contratada - e, portanto, não considerado no momento da realização do cálculo atuarial -, o juiz subtrai à coletividade de segurados para favorecer os interesses individuais de uma parte em um processo.
 
 
Os economistas sabem que a socialização do risco requer a reunião de uma mutualidade de segurados ou beneficiários em torno de um mesmo produto, de um risco homogêneo. Sem isso, a ciência atuarial não poderia indicar a probabilidade de ocorrência dos riscos cobertos e a parte do prêmio cujo valor servirá ao pagamento das ocorrências verificáveis. Não seria possível estimar o valor da conta de provisões do operador, a primeira a ser atingida pelas decisões judiciais.
 
 
Provisões robustas permitem ao operador oferecer melhores produtos a menores preços, bem como figurar entre os de melhor solvabilidade. Já provisões enfraquecidas reclamam aumento de prêmio e readequação ao patamar recomendado pelo cálculo atuarial. Essa é a lógica das operações de socialização de risco, tanto dos seguros como dos planos de saúde.
 
 
O aumento de prêmios, sem outras medidas, não seria solução. Sabe-se, levaria à seleção adversa, à exclusão de operadores e consumidores que, de outro modo, participariam do sistema de saúde suplementar. Após o aumento do prêmio, mais provável é que o indivíduo de saúde precária permaneça no plano, enquanto o de melhor saúde procure opções mais em conta ou simplesmente não contrate plano de saúde. Restarão os piores riscos, relativos a indivíduos mais vulneráveis, os quais, concentrados, repercutirão no cálculo atuarial e, este, novamente apontará a necessidade de aumento dos prêmios. Assim, ao ordenar o pagamento de indenização que exorbita o contratado, o juiz maximiza o bem-estar individual da parte em um processo, prejudica o bem-estar coletivo, portanto trai a função social.
 
 
Caberia à autoridade reguladora corrigir tais falhas de mercado, autorizando aumentos de prêmio necessários à recomposição das provisões, com base na planilha de custos do operador. Contudo, não é esta a realidade: a Instrução Normativa nº 49, de 17 de maio, proíbe reajustes atrelados ao índice de sinistralidade e os atrela à inflação. Cria-se um descompasso entre o critério de reajuste e as necessidades das provisões sangradas. Atropela-se a economia das operações de socialização de risco. Aprofunda-se a falha de mercado que a ANS deveria corrigir.
 
 
Ao não autorizar a recomposição das provisões, a ANS incentiva a redução de custos operacionais. O apego ao detalhe com o fito de negar coberturas e a redução de referenciados logo aparecem como alternativa. Infelizes, os consumidores retroalimentam o Judiciário. Eis o círculo vicioso: a) política judiciária de universalização da cobertura da saúde suplementar, b) estouro do cálculo atuarial, c) impossibilidade de recompor provisões, d) necessidade de reduzir custos operacionais, e) queda na qualidade, f) novas ações judiciais.
 
 
Política de saúde se realiza, com mais eficiência, por intermédio do aumento da arrecadação tributária destinada ao setor e de sua redistribuição pela administração. Insta-se o Judiciário à interrupção dessa política que não redistribui e não cumpre função social. Reclama-se à ANS a correção dessa falha de mercado.
 
 
Clávio de Melo Valença Filho e Luciano Timm são, respectivamente, sócio de Valença Advogados e advogado; doutor em direito na UFRGS, pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Berkeley, Califórnia, e professor do Programa de Pós Graduação da Unisinos/RS
 
 
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.
 
Fonte: Valor Econômico


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