Endereço: Rua José Antônio Marinho, 450
Barão Geraldo - Campinas, São Paulo - Brasil
Cep: 13084-783
Fone: +55 19 3289-5751
Email: idisa@idisa.org.br
Adicionar aos Favoritos | Indique esta Página

Entrar agora no IDISA online

2012 - 27 - 609 - DOMINGUEIRA - PRIORIDADES ELEIÇÕES MUNICIPAIS

1.  PRIMEIRA PÁGINA - TEXTOS DE GILSON CARVALHO
 
PRIORIDADES NA SAÚDE PÚBLICA
 
Gilson Carvalho[1]
 
Lamentavelmente temos grandes problemas de saúde e de serviços de saúde. Isto afeta o público e privado. Bem verdade que mais sofre o público de deficiência. Entre outras causas, tem o público que trabalhar com menos da metade que o per capita do setor privado, com outras obrigações relativas à saúde pública.
Na saúde no mundo e principalmente no Brasil temos uma confluência de eventos onerosos que nos acostumamos a denominar de transições. Podemos citar algumas delas. 1)Aumento na expectativa de vida da população quando os idosos necessitam de 40% a mais de ações e serviços;2) A convivência ao mesmo tempo de doenças antigas e novas epidemias como dengue, AIDS, acidentes de trânsito, uso indevido de drogas, obesidade etc; 3) A crise nutricional onde nunca se comeu tanto, tão mal e descontroladamente; 4) A explosão da inovação tecnológica em saúde, muito benéfica por vezes e extremamente maléfica por outras, como quando fundamentada exclusivamente no interesse  econômico;5) A cultura de consumo de ações e serviços de saúde que nos leva a demandar cada vez mais e melhores serviços de saúde, uns necessários e essenciais e outros desnecessários e induzidos pelos que lucram e levam vantagens com a oferta, cada vez maior,  de produtos e serviços.
Antes a avaliação ruim era apenas dos serviços de saúde pública, sempre criticados por motivos reais e outros culturais, como o conceito de que nada que é público presta! Hoje esta avaliação, nem sempre boa, tem acontecido com os serviços públicos e privados. Não consola, nem explica. Ajuda na avaliação das causas e busca de soluções.
No público cometeu-se, segundo alguns, “a loucura utópica de colocar na Constituição Federal que nós todos os cidadãos éramos iguais perante o estado e todos, independente do poder econômico teríamos direito a cuidados integrais de saúde”. Defendi e defendo até hoje esta loucura utópica. A pretensa utopia é a proposta de garantir o tudo para todos e que resgatou vida e cidadania para milhões de brasileiros que saíram da condição de indigentes para cidadãos plenos. Complicou? Eram cerca de 100 milhões de brasileiros que a nada tinham direito e a eles foram abertos os serviços de saúde em base de igualdade com quem sempre teve acesso por ter previdência ou poder aquisitivo para custeio direto ou através de planos e seguros de saúde.
Existem saídas que precisam ser somadas e que não podem ficar apenas no discurso de falta de dinheiro, ainda sabendo da importância dele. Mas, além dele tem que mudar o jeito de fazer saúde com investimento nas pessoas antes que adoeçam (promoção e proteção de saúde) com participação das pessoas no autocuidado e seguindo as prescrições que dependam dos indivíduos; melhoras profundas no processo de gestão dos serviços de saúde com racionalidade, descrição de processo de trabalho, rotinas técnicas e administrativas e uso massivo da ferramenta informática.
Construir a melhora nos cuidados com saúde tem que começar pelos primeiros cuidados, ou básicos. Suficientes e eficientes e como dito, com efetiva e total participação das pessoas em proteger sua saúde e contribuir ativamente na cura . Mas, não pode parar no básico. Tem-se que buscar a integralidade, como manda a CF e demandam as pessoas, com acesso a serviços de média e alta complexidade.
Muita coisa pode ser feita com estas providências mas o Governo Federal tem que assumir seu papel de maior financiador do sistema já que ele é a única esfera de governo que pode arrecadar. Falhou, mais uma vez com a última lei de saúde. Os Municípios, em geral, estão colocando em média 30% a mais que os mínimos constitucionais obrigatórios.
Isto pode explicar um pouco, mas não traz a solução. Digo que a solução no ambiente público não é simples e depende de muita vontade política dos governantes somada ao compromisso social dos trabalhadores de saúde.
Mãos a obra para os atuais governos municipais. Muita reflexão e preparo para os que se candidata.
 
JORNAL “O VALE” PUBLICADO NO VALE DO PARAÍBA PAULISTA EM 16/2/2012
 
 
2.SEGUNDA PÁGINA - TEXTOS DE OPINIÃO DE TERCEIROS
Resolução sobre saúde
Defender a vida, ampliar os recursos, reverter a privatização, implantar o SUS
 
1. O SUS, 23 anos depois de sua criação, vem sendo objeto de desmonte por meio do estrangulamento orçamentário e acelerada privatização de serviços públicos de saúde.
2. Reverter a privatização, ampliar os recursos e continuar a implantação de um Sistema de Saúde nacional, público e universal, depende de vigorosa movimentação social e política, na qual é imprescindível o engajamento do PT, da Central Única dos Trabalhadores, dentre outros sujeitos coletivos.
 
História
 
3. No Brasil, a luta política que gerou o fim do regime militar (1964-1985), a convocação e instalação da Assembléia Nacional Constituinte (1987-1988), a democratização do país em todas as suas dimensões, teve como um de seus destaques a constitucionalização da Seguridade Social (Saúde, Previdência e Assistência Social), com notória ênfase para a Saúde.
4. As principais proposições emanadas da participativa 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, foram inseridas na Constituição Federal de 1988 (CF). Entre as mais relevantes estavam o reconhecimento da Saúde como direito social (Art. 196) e a criação do Sistema Único de Saúde – SUS (Art. 198), público e universal, para prover a todos brasileiros e todas as brasileiras promoção da saúde, serviços assistenciais e de vigilância em saúde.
5. Inspirando-se nos Sistemas de Saúde socializados, garantiu-se o direito a saúde, também para aqueles que não tinham capacidade de pagar com suas próprias fontes de renda ou por meio da empresa na qual trabalhavam ou por terceiros.
6. Antes do SUS o direito a saúde, quanto ao seu componente assistencial, somente era garantido aos que tinham capacidade de pagar, aos que se inseriam no setor formal do mercado de trabalho e suas famílias – aos quais era garantido o acesso à assistência médica através da Previdência Social –, e aos que tinham algum tipo de proteção institucional (plano ou seguro de saúde) financiado por eles mesmos, por meio das empresas nas quais trabalhavam ou por terceiros.
7. Destaque-se: metade da população brasileira – os trabalhadores e as trabalhadoras do setor informal do mercado de trabalho, bem como suas famílias, residentes nas periferias das grandes metrópoles, pequenas cidades, povoados e regiões rurais – somente acessava aos pouquíssimos serviços de saúde públicos mantidos pela administração direta (Ministério da Saúde e secretarias estaduais e municipais de saúde) e os hospitais filantrópicos.

Interdição das elites

8. Contudo, as conservadoras elites econômicas e seus agentes, interditaram politicamente a implantação do SUS – nacional, público e universal –, desde o seu nascedouro. Como? Sonegando-lhe recursos orçamentários.
9. No orçamento da União para 1989 os recursos da Saúde foram diminuídos e – pior – o governo federal descumpriu o que estabelecia o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF de 1988 (ADCT-CF) e não destinou 30% da receita da Seguridade Social para a Saúde (esse percentual era próximo ao que historicamente a Previdência Social alocava na Saúde). Com nefastas consequências: em 1990 eclodiu a desassistência e os jornais noticiaram mortes em várias cidades do país.
10. Por que deu-se este interdito?
11. Provavelmente interagiram, no mínimo, duas ordens de fatores:
a. aquelas elites lutam para manter nas suas mãos a reprodução e controle da força de trabalho, especialmente a do mercado formal, por meio de serviços médicos privados contratados, mas pagos pelo Estado por meio da renúncia da arrecadação fiscal;
b. uma política pública universal como o SUS, marcada pela solidariedade social, é contraditória com o conservadorismo das elites econômicas, de seus agentes políticos e dos endinheirados existentes na sociedade brasileira.
12. Saliente exemplo de radical oposição ao SUS foram os 26 vetos do presidente Collor na sanção da Lei Orgânica da Saúde – Lei nº. 8.080 (19/09/90).
13. Tais vetos incidiram sobre disposições que tratavam de dimensões estruturantes do Sistema, como a participação da comunidade e controle social do Estado, a gestão do trabalho, a estrutura organizacional do Ministério da Saúde e de órgãos federais da saúde, o Código Sanitário Nacional e os recursos orçamentários e financeiros, transferências e pagamentos. Ainda assim entre 1989 e 1990 os princípios constitucionais essenciais do SUS, foram incorporados nas constituições de Estados e às Leis Orgânicas dos Municípios brasileiros e Distrito Federal e, afora isso, disciplinados pela Lei nº. 8.080 (19/09/90) e pela Lei nº. 8.142 (28/12/90).
14. No caso desse último ponto, foram vetadas as transferências do Fundo Nacional de Saúde – FNS para Estados e Municípios, transferências automáticas e sem celebração de convênios entre entes federados e a alocação de recursos da União, Distrito Federal, Estados e Municípios, que não poderiam diminuir em relação à média dos últimos cinco anos, e no prazo de cinco anos o total de valores aplicados ao Sistema Único de Saúde – SUS deveria atingir 8% do Produto Interno Bruto (PIB).
15. Houvesse sido mantido o aprovado na ADCT da CF de 1988, e nas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) entre 1989-1993, teríamos em 2011 na Saúde, somente de recursos da União R$147 bilhões (os recursos do Ministério da Saúde para 2011 foram de R$71,5 bilhões!), segundo trabalhos acerca do financiamento da Saúde no país.
16. Não bastasse isto, em 1993, os ministros da Previdência e Assistência Social e da Fazenda suspenderam o repasse de recursos do orçamento previdenciário para a Saúde, sem que houvesse aporte de recursos que os substituíssem.
17. Nova crise de desassistência e, depois de muitas pressões, o presidente autorizou a liberação emergencial de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para a Saúde.
18. No biênio 1995-1996, diante da grave insuficiência do financiamento público, o ministro da Saúde propôs que fosse aprovada uma contribuição específica para que a Saúde passasse a contar com recursos a mais.
19. Entretanto, assim que o Congresso Nacional aprovou a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) somente para a Saúde, o ministro da Fazenda retirou do orçamento do Ministério da Saúde recursos de outras fontes, mantendo a insuficiência de recursos.
20. Dois anos depois, a CPMF começou a ser desviada para atender também a Previdência Social e depois ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. E o subfinanciamento público da Saúde se manteve e adquiriu os atuais contornos de condição fática crônica e anti-popular.
21. Em síntese, está em vigência há pouco mais de 21 anos o arcabouço jurídico-normativo que respalda a luta pela construção de um SUS que expresse o previsto na CF de 1988.
22. Durante a década de 1990 vários deputados federais apresentaram propostas no sentido de estabilizar a origem dos recursos para a Saúde.
23. Uma dessas proposições deu origem à aprovação da Emenda Constitucional nº. 29, de 13 de setembro de 2000 (EC nº. 29/2000).
24. O governo federal pressionou para estabelecer a obrigatoriedade de Estados e municipalidades investirem anualmente, respectivamente, 12% e 15% da sua arrecadação, sendo que a proposição original era de 10% para Estados e Municípios. Para a União, foi instituída a obrigatoriedade de alocar anualmente o valor investido no ano anterior mais a variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). O que equivalia ao percentual de cerca de 1,8% do PIB. Revelava-se, assim, a esperteza do governo federal da época, a qual se repetiu, novamente, durante a votação da regulamentação da EC nº. 29/2000 – Lei Complementar nº. 141 (13/01/12) –, no final de 2011: para a União, ente federado que mais arrecada e retém tributos, não foi vinculado um percentual das suas receitas correntes brutas como parâmetro obrigatório para o investimento a ser feito na Saúde.
25. Desse modo, manteve-se a progressiva diminuição da aplicação de recursos na Saúde pela União, quando comparado com Estados/Distrito Federal e Municípios.
26. A título de ilustração:
27 • em 1980 a União investiu na Saúde 75%, ao passo que Estados/Distrito Federal e Municípios investiram 25% (17,80% de Estados/Distrito Federal e 7,20% de municipalidades);
28 • nos anos de 1995 e 2002, respectivamente, a União investiu 63,80% e 53,11%; Estados/Distrito Federal 18,80% e 21,64% e as municipalidades 17,40% e 25,25%;
29 • já em 2003 e 2010, respectivamente, a União investiu 50,69% e 44,93%; Estados/Distrito Federal 22,80% e 26,81% e as municipalidades 25,24% e 28,26%.
30. A EC nº. 29/2000 trouxe avanços institucionais. Os recursos aumentaram, embora insuficientemente, às expensas da ampliação das contribuições de Municípios, Estados/Distrito Federal e União, nessa ordem.
31. A partir de 2009 as municipalidades passaram a investir em média mais de 20% na Saúde, ou 30% a mais do que o mínimo constitucional. Já um conjunto de estados entre 2000 e 2008 deixaram de investir na Saúde R$ 27,6 bilhões de reais. Em relação à União, o débito é de cerca de R$ 25 bilhões de reais no período entre 2000 e 2010.
32. Ressalte-se, ainda com relação à década de 1990, que, no seu início, instituiu-se colossal renúncia da arrecadação fiscal da União que beneficiou diretamente estratos populacionais de renda média e alta, reforçando a desigualdade e a iniquidade!

Lutando para implantar o SUS

33. O Sistema Único de Saúde – definido na norma legal como o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, ao qual se incorpora órgãos de vigilância em saúde (sanitária e epidemiológica), instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde –, foi se estruturando desde os anos 1990, articulando sua rede de prestação de serviços de saúde públicos com estabelecimentos de saúde privados conveniados ou contratados para complementá-la.
34. As forças políticas compromissadas com os interesses populares se empenharam em implantar o SUS, processo no interior do qual se destacaram a esquerda social e partidária e uma série de gestões da Saúde em cidades – no mais das vezes dirigidas por prefeitos filiados ao Partido dos Trabalhadores (PT) – que se tornaram emblemáticas pela singularidade de suas experiências.
35. Lutando e operando contra a maré neoliberal durante toda a década, acelerou-se o processo de inclusão social pelo sistema público de saúde brasileiro, o que já vinha se dando desde o início dos anos 1980.
36. Nesse período, o SUS – de um lado uma política pública justa e racional, mas ainda recente, de outro uma reforma social com implantação heterogênea conforme a região do país – ganhou forma como um Sistema de Saúde que foi passando a prestar significativos serviços à maioria da população brasileira.
37. Organizou-se uma rede com dezenas de milhares de unidades ambulatoriais e milhares de unidades hospitalares. Sua produção anual registra dados volumosos, em bilhão, de procedimentos de atenção primária à saúde, enorme contingente, em milhões, de internações hospitalares, consultas médicas, partos, exames laboratoriais e atendimentos de alta complexidade, e significativa realização, em milhares, de transplantes de órgãos.
38. Agregue-se a isto, a execução de um conjunto de atividades e ações de vigilância sanitária e de controle de doenças.
39. Além disto, no curto período de construção do SUS, deu-se o impacto positivo nos indicadores de saúde, tais como: redução da mortalidade infantil, redução da mortalidade materna, redução de mortalidade proporcional por doenças infecciosas e parasitárias e o aumento da esperança de vida ao nascer da nossa população.
40. O Sistema é avaliado positivamente pelos que o utilizam rotineiramente e tem capilaridade em todo o território nacional.
41. Não obstante estes inegáveis avanços, a ofensiva das elites chegou hoje ao ponto de ameaçar a existência do SUS. Fazem parte desta ofensiva:
a. o subfinanciamento da Saúde pública;
b. as desonerações diversas, praticadas por Estados e municipalidades, e a significativa renúncia de arrecadação fiscal da União, que em 2006 equivaleu a cerca de uma terça parte do orçamento do Ministério da Saúde;
c. a maximização da lucratividade dos planos e seguros de saúde, às expensas do SUS: usuários que necessitam se submeter a procedimentos de alta complexidade e de alto custo, urgência e emergência, tratamento de doenças infecciosas e AIDS, tratamento de neoplasias, entre outros, são assistidos no SUS;
d. o não cumprimento adequado da Lei n°. 9.656 (03/06/98), que Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, segundo a qual deve ocorrer o ressarcimento ao SUS pelos atendimentos prestados aos usuários de operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde – assistência médica, hospitalar e odontológica – que, por força de contratos, as operadoras devem prestar.
42. Em 2000 foi criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), autarquia vinculada ao Ministério da Saúde, para regular as operadoras de planos e seguros de saúde privados e realizar o ressarcimento ao SUS.
43. Nesse mesmo ano, Estados (São Paulo e Rio Grande do Sul, por exemplo) e importantes municipalidades publicaram normas e organizaram equipes para assumir a realização das atividades de ressarcimento ao SUS descentralizadamente, remetendo para a ANS os processos já com o julgamento do mérito dos recursos, dentre outras providências.
44. No ano seguinte, a ANS centralizou as atividades de ressarcimento ao SUS na sua sede para, segundo informou-se à época, uniformizar os procedimentos adotados. Dez anos se passaram e o processo de descentralização de tais atividades não mais foi cogitado no âmbito do SUS, no Ministério da Saúde e na ANS. A atuação da ANS em relação a esta sua atribuição foi, sobremaneira, pífia no período 2001-2011.

As “Organizações Sociais”

45. Um grande passo para inviabilizar o SUS como Sistema de Saúde nacional, público e universal, se deu com a Lei n. 9637/98 que regulamenta as Organizações Sociais. A opção por privatizar a gestão através das OSs vai contra os princípios do SUS, que defendem um sistema estável organizacionalmente, com profissionais de saúde de carreira bem pagos e firmemente gerenciada.
46. Tal lei foi considerada inconstitucional e ilegal por procurador da Procuradoria Geral da República – Ministério Público Federal, em maio de 1998, sendo apresentada ao STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 1.923/98, assinada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). A esse respeito, embora vários ministros do STF já tenham proferido seu voto, aguarda-se há 13 anos o fim do julgamento do mérito dessa ADIn.
47. Em 1998, no Estado de São Paulo aprovou-se a Lei Complementar nº. 846 (04/06/98), que Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais e dá outras providências, a base legal para privatização dos serviços públicos de saúde, que ancora várias iniciativas do Poder Executivo estadual e inspira os municipais, para eximir-se do cumprimento das indelegáveis competências e atribuições do Estado.
48. Experimenta-se, na maior cidade brasileira – com recursos públicos municipais, acrescidos de transferências federais, originários do Fundo Municipal de Saúde –, delegar para diversos entes privados a gestão de estabelecimentos de saúde públicos (hospital, ambulatório, centro especializado e unidade básica de saúde), o que acarreta diferenciados modos de gerir e articular serviços em função do que cada ente privado julga mais adequado operacionalizar.
49. Nesse experimento, estão sendo organizadas várias “Regiões de Saúde” controladas por entes privados, em porções do território do município, com todas as consequências negativas que isso pode agregar ao processo de atenção à saúde das pessoas, à introdução de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, à gestão do trabalho em saúde, à avaliação de resultados das ações e serviços e ao controle de recursos orçamentários e financeiros, ou seja, a perda objetiva do comando único do Sistema de Saúde pelo poder público municipal.
50. Experimenta-se ainda, no Estado de São Paulo, a delegação para entes privados da gestão de centrais de regulação de urgência e emergência e de leitos – serviços nevrálgicos para a garantia do acesso de cidadãos e cidadãs a dados níveis de assistência do Sistema de Saúde. A descentralização com coordenação regional e o co-financiamento estadual conjunto com os Municípios dos serviços de atenção primária e de urgência e emergência também não é efetivada, contrariando o arcabouço legal do SUS e, assim, sobrecarregando ainda mais as municipalidades.
51. No caso destes dois experimentos, o Estado privatiza e restringe o acesso das pessoas à prestação de serviços de saúde públicos e ou privados conveniados ou contratados pelo SUS, bem como deixa de participar do co-financiamento da atenção e de exercer seu papel de apoio à regionalização, sem participação da comunidade e controle social do Estado, que passa a ser controlado por organizações sociais (OS), organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP) ou fundações ou associações privadas, vinculados a grandes instituições privadas proprietárias de hospitais e outros serviços de saúde.
52. Ressalte-se que certas instituições públicas detentoras de hospitais, e mesmo instituições hospitalares estatais, também contam com fundações privadas a elas vinculadas, as quais também assumem a privatização do acesso.
53. Outro grande passo concreto para inviabilizar o SUS foi a Lei Complementar nº. 101 (04/05/00), que Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências.
54. A essência desta lei é contraditória com o fortalecimento e a defesa do SUS. Ou bem priorizamos o pagamento da dívida interna pública em detrimento do investimento nas políticas sociais; ou bem defendemos um modelo de gestão estatal com lógica pública, comprometido com a garantia dos interesses da sociedade e com a manutenção e preservação da saúde e da vida das pessoas, o que só se faz com eficiência, responsabilidade dos agentes do Estado no exercício de suas funções e defesa dos direitos dos usuários e dos trabalhadores da saúde.
55. Na Saúde, assim como em outros setores intensivos em utilização de mão-de-obra, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº. 101/2000) impede a ampliação indispensável do número e da qualidade dos que executam as ações e serviços públicos de saúde, da administração direta ou indireta da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Mesmo assim, a defesa desta Lei é atualmente hegemônica em governos e parlamentos, e mesmo em amplos setores do PT e da esquerda brasileira.

O desmonte

56. Passados 23 anos de sua criação, assiste-se a uma aliança entre conservadorismos de diversos matizes para desmontar o SUS e inviabilizá-lo definitivamente. Desde a elite econômica às empresas de planos e seguros de saúde privados ligadas a certos setores da categoria médica, dos meios de comunicação de massas à parcela das elites acadêmicas vinculadas ao mercado e entusiastas de soluções mercadistas para gerir a coisa pública, tais como: fundações de apoio em hospitais universitários estatais, OS, OSCIP e terceirizações as mais diversas.
57. Tal aliança conta com forte presença na burocracia do Estado brasileiro – nas três esferas de poder –, nos governos municipais, estaduais e mesmo no governo federal.
58. Retrato dessa situação foi a recente aprovação da regulamentação da EC nº. 29/2000 no Congresso Nacional citada anteriormente.
59. Argumentando não haver recursos para bancar a ampliação da participação federal no financiamento da Saúde (10% das receitas correntes brutas), a bancada governista desconsiderou também o relatório da subcomissão especial da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados encarregada de analisar o financiamento, reestruturação, organização e funcionamento do SUS, a qual identificou a escassez de financiamento do Sistema e propôs várias fontes alternativas que viabilizassem a criação de um novo tributo para financiar o setor, a saber: além do Projeto de Lei Complementar nº. 32/11 que institui a Contribuição Social para a Saúde, apontou-se a tributação de grandes fortunas (patrimônio sobre jatinhos, helicópteros, iates e lanchas), a remessa de lucros para o exterior e um imposto sobre grandes movimentações financeiras para transações acima de R$ 1 milhão.
60. Mesmo setores petistas anti-SUS – ignorando as imensas virtudes humanitárias e econômicas dos Sistemas de Saúde nacionais, públicos e universais, ou por enxergarem a Saúde como mercadoria – não medem as consequências políticas de sua atuação.
61. Num caso ou no outro, objetivamente, esses petistas agem demonstrando incompreensão quanto à significação da defesa da Saúde: trata-se da defesa da vida das pessoas frente – e contra – o mercado!
62. Ressalte-se sem quaisquer rodeios: a Lei Complementar nº. 141 (13/01/12), que regulamentou a EC nº. 29/2000, foi aprovada pelo Congresso Nacional sem a introdução de qualquer acréscimo de recurso federal, porém, como se não bastasse isso, foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff com diversos vetos. Frutos do aconselhamento dos Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Fazenda, alguns deles visam diminuir o montante dos insuficientes recursos alocados na Saúde, obrigatoriamente, pela União!
63. Parcela de governadores e prefeitos de importantes municipalidades age celeremente para privatizar os serviços públicos de saúde, contratando contingentes de profissionais com vínculos precários de forma clientelista e – frise-se – encontram nos parlamentos o apoio e a omissão de parte daqueles que deveriam representar os interesses da maioria da população.
64. Contraditoriamente, a falta de identificação dos segmentos organizados da população com a prestação de assistência pública e igualitária, como por exemplo os dirigentes do movimento sindical (inclusive na base cutista), que preferem não enfrentar o debate com suas categorias e mantêm os pleitos pelos planos de saúde privados em suas campanhas salariais, vem contribuindo também para o enfraquecimento da proposta de caráter publicista e universalista, reforçando a perspectiva de que ao SUS cabe atender à população mais pobre e em condições desfavoráveis de inserção no mercado de trabalho.
65. É preciso não perder de vista que a interdição política operada em relação ao SUS tem uma dimensão prática ou político-administrativa – a sonegação de recursos orçamentários – e uma dimensão discursiva ou político-ideológica – a sistemática veiculação pelos meios de comunicação da falácia de que o problema do SUS não reside no financiamento, mas exclusivamente na gestão.
66. Busca-se sedimentar na sociedade a rejeição às proposições que ampliam o financiamento público para o SUS e, simultaneamente, ocultar a falta de acesso de alguns milhões de pessoas ao Sistema, a necessidade de aprimoramento do acesso de outros tantos milhões, portanto, que se impõe ampliar e garantir a prestação de serviços de saúde públicos, sendo, no entanto, imperativo para concretizá-la a destinação de recursos novos para o SUS, ou melhor, recursos a mais que sejam permanentes.
67. Ou seja, o conservadorismo brasileiro, a um só tempo, foi o construtor político da condição atual do investimento de escassos R$1,98 per capita por dia e de somente 3,8% do PIB destinado à Saúde, ao contrário de outros países com Sistemas de Saúde nacionais, públicos e universais, os quais, em média, investem recursos públicos da ordem de 5,5% do PIB, e do estímulo ao clientelismo ao invés da adoção de gestão pública profissionalizada e qualificada no SUS e nos estabelecimentos de saúde. Além disso, o conservadorismo resiste tenazmente a reformas sociais populares e cultiva a tradição de gestão patrimonialista do Estado e dos programas públicos.
68. Cabe ressaltar que o subfinanciamento repercute também na dependência do SUS em relação à rede privada prestadora de serviços, o que dificulta a ampliação e qualificação da assistência em saúde e cria um problema de gestão a longo prazo.
69. Nas duas últimas décadas, a ampliação do número de leitos da rede pública foi insuficiente para fortalecer a capacidade de gestão e regulação estatal e alterar a histórica inferioridade numérica dos leitos públicos em relação aos privados. Outro desdobramento para a gestão do Sistema foi a distribuição dos serviços de saúde, cuja concentração se deu nas regiões Sul e Sudeste e, no território dos Estados, nas regiões metropolitanas.
70. Isso tem como consequência a delimitação de áreas de vazios assistenciais, fato reiteradamente demonstrado nos meios de comunicação como inoperância do Sistema diante das tragédias decorrentes da falta de atendimento à população.
71. Cabe ressaltar, ainda, que o subfinanciamento do SUS, para a população usuária, significa intensa repressão de demanda, insuportável congestionamento nos pronto-socorros e consultórios de especialidades, impossibilidade da atenção básica no seu desafio de vir a ser a porta de entrada preferencial do Sistema com alta resolutividade, e, finalmente, a permanência do predomínio de intervenções tardias: doenças preveníveis não prevenidas, doenças agravadas não atendidas precocemente e mortes evitáveis não evitadas.

A 14ª Conferência Nacional de Saúde

72. Foi neste cenário que foi realizada a 14ª Conferência Nacional de Saúde, de 30 de novembro a 4 de dezembro de 2011, e dentre suas mais relevantes deliberações destacam-se:
a. Gestão estatal da Saúde – do SUS e dos equipamentos de saúde em todos os níveis de atenção (unidade básica de saúde, ambulatório, centro especializado, centro de apoio diagnóstico e terapêutico, hospital e outros);
b. Modelo de atenção em saúde em conformidade com o arcabouço jurídico-normativo do SUS – constitucional e infra-constitucional;
c. Organização e ampliação, em todos os níveis de atenção, da rede pública de prestação de serviços de saúde;
d. Política de gestão do trabalho que contemple a organização de planos de cargos, carreiras e salários dignos para os trabalhadores da saúde do SUS, articulados a programas de Educação Permanente que reorientem processos cotidianos de trabalho no sentido da construção de autonomia e cidadania na saúde;
e. Estabilizar o financiamento público da Saúde mediante: aprovação da vinculação de 10% das receitas correntes brutas da União para a Saúde, retirada dos funcionários da saúde da base de cálculo da Lei de Responsabilidade Fiscal, fim da desvinculação de receitas da União (DRU) na Saúde, ampla e efetiva realização de ressarcimento ao SUS e progressiva diminuição da renúncia da arrecadação fiscal por parte dos entes federados, em especial a União;
f. Ampliar a participação da comunidade, o controle social do Estado e o controle social no SUS.
g. Contra as atuais iniciativas dos governos federal, estaduais e municipais, de, incorporar as Comunidades Terapêuticas, e as internações compulsórias, como recurso regular em escala massiva no SUS. Essa modalidade de assistência reintroduz no país um novo parque manicomial, segregador, autoritário e contraditório em relação aos princípios básicos da cidadania e da Reforma Sanitária.

O que fazer?

73. Do ponto de vista organizativo, decidimos constituir uma Coordenação Nacional de militantes da Saúde da AE – PT para orientar, acompanhar e articular os debates nos Estados onde a AE está organizada, bem como estimular os companheiros e as companheiras da Saúde que participem dos Setoriais da Saúde nos Estados; incluir o tema Saúde nas Jornadas de Formação da AE – PT e realizar seminário sobre a Saúde e um novo modelo de Estado brasileiro, com ênfase em propostas em debate como a formulada pelo CEBES contida no documento intitulado “Autonomia gerencial para unidades públicas prestadores de serviços do SUS: oportunidade e necessidade de regulamentação”. Registre-se que a presente resolução do Congresso da AE sobre Saúde utilizou como referências os estudos de Gilson Carvalho sobre financiamento da saúde, assim como o Manifesto assinado por CEBES, ABRASCO, ABRES, REDE UNIDA e AMPASA, por ocasião do 8º Simpósio sobre Política de Saúde.
74. A Articulação de Esquerda tem claro que a consecução das referidas deliberações da 14ª Conferência Nacional de Saúde demanda vigorosa movimentação social e política, na qual é imprescindível o firme engajamento do PT e da Central Única dos Trabalhadores, entre outros sujeitos coletivos, em torno de dois objetivos centrais de curto prazo: criar condições, na sociedade brasileira, para que o governo federal exerça intenso protagonismo financeiro, técnico, administrativo e político no campo da Saúde e conter e reverter a sanha privatizante do SUS.
75. No entanto, em face da insensibilidade social e política de técnicos dos Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Fazenda, os quais ao analisarem o conteúdo do que viria a ser a Lei Complementar nº. 141 (13/01/12) sugeriram vetos que visam diminuir os já insuficientes recursos alocados na Saúde, obrigatoriamente, pela União, é fundamental que o PT propugne e apoie a derrubada desses vetos. Dentre eles, os mais nocivos dizem respeito à impossibilidade de previsão de créditos adicionais para a Saúde na hipótese de revisão do valor nominal positivo do PIB e à obrigação dos prazos fixados para que Estados e Municípios cumpram a implementação dos devidos percentuais orçamentários destinados à Saúde.
76. Além disto, consideramos que as propostas aprovadas na 14ª Conferência Nacional de Saúde no que tange à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e à desvinculação de receita da União (DRU) não contemplam as lutas históricas da esquerda social e partidária brasileira, que sempre se opuseram à retirada de recursos de investimentos sociais em benefício do capital financeiro e pagamento da dívida pública. Nesse sentido, defendemos a regulamentação do artigo 37 da Constituição Federal no que tange à LRF, a fim de não restringir o provimento de profissionais que atuam na execução das políticas sociais sob responsabilidade estatal, e a revogação da DRU.
77. Por fim, é importante avivar a memória dos lutadores sociais: os Sistemas de Saúde nacionais floresceram em países nos quais a classe trabalhadora e seus aliados lutaram com determinação, conseguindo que os governos centrais exercessem desassombrado protagonismo no campo da Saúde. Como resultado, tivemos a construção de bens sucedidos Sistemas de Saúde nacionais, públicos e universais, antecipando aqui e agora princípios que esperamos ver generalizados na construção do socialismo.
78. A defesa da vida, a ampliação dos recursos, a luta contra a privatização, a implantação do Sistema Único de Saúde, constituem não apenas uma exigência tática, mas também um componente de nossa estratégia democrático-popular e socialista.
 
Brasília, 5 de fevereiro de 2012 - Congresso da Articulação de Esquerda – Partido dos Trabalhadores
 
 
 GC-PS-PRIORIDADES SAÚDE-FEV-2012
 

 



Meus Dados

Dados do Amigo

Copyright © . IDISA . Desenvolvido por W2F Publicidade