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2011 - 27 - 602 - DOMINGUEIRA - O SONHO DE SAÚDE QUE EMBALAMOS

1.  PRIMEIRA PÁGINA - TEXTOS DE GILSON CARVALHO
DIVAGANDO SOBRE O SONHO DE SAÚDE QUE EMBALAMOS - Gilson Carvalho[1]
 
OBS: Este capítulo foi escrito para um livro coordenado, entre outros pela Maria de Fátima Souza da UNB, e que foi lançado durante a XIV Conferência Nacional de Saúde em início de dezembro de 2011. A SAÚDE EM CONSTRUÇÃO: DAS IMAGENS ÀS PALAVRAS – ENCONTRO ENTRE GERAÇÕES –  Editora Saberes.
 
A princípio não iria ser médico. Quando chegou minha hora da escolha final pendia a ser professor coisa que fazia desde a juventude, preparando e dando aulas inicialmente no antigo ginasial.  Acabei fazendo Filosofia Pura ministrada pelos Padres Redentoristas, curso depois encampado pela Universidade Federal de Juiz de Fora. A figura religiosa veio do berço pela fé de meus pais e depois pelos estudos com os Redentoristas a quem muito devo de minha formação técnica, cultural e religiosa.
Quando terminava filosofia, Guido Carvalho, meu irmão, levou-me a um teste vocacional que me indicou como caminho a medicina. Achava inatingível para mim, em meio à briga dos excedentes do vestibular de medicina e pelo fato de ter feito, no segundo grau, o curso clássico que preparava para humanas e não o científico que levava à medicina.
Afinidade já tinha pois aprendi “enfermagem” aos 16 anos com Irmão Cipriano um holandês que era o titular do cargo no colégio interno e que supervisionava o trabalho. Gostei e fazia o trabalho comum aquela época medicando (paliativos e sintomáticos), fazendo curativos, aplicando infravermelho nos acidentados do futebol, cuidando dos acamados na enfermaria. De atendente de enfermagem a aluno de medicina parecia um fosso intransponível. Metí-me a estudar sozinho em velhas apostilas e por vezes e por pouco tempo, com a ajuda de gente que entendia. Foi assim que num primeiro ano de vestibular, estudando apenas no segundo semestre, consegui meu ingresso em medicina. Não na primeira chamada, mas nas subsequentes no mesmo ano que abriram novas vagas.
Minha história com a saúde era antiga pois aos nove anos me foi diagnosticada uma doença cardíaca genética de característica familiar. Convivia bem com os médicos de minha cidade de interior em Minas, ambos compadres de meu pai. Eram admirados tanto pela sabedoria como pela dedicação à população grande parte dela atendida gratuitamente.
Nos primeiros anos de medicina engajei-me num trabalho de alfabetização de adultos feito pelos universitários e normalistas. Meu contato com a saúde pública foi acontecer em 1969 quando fui trabalhar no NIERHS – Núcleo Integrado de Estudos de Recursos Humanos para a Saúde. Tinha a participação do MEC (eu era servidor do INEP-MEC) e congregava as associações de ensino das várias profissões de saúde: medicina, enfermagem, farmácia e bioquímica e odontologia, para estudar e melhorar a força de trabalho na saúde. Foi minha grande escola pois o NIERHS funcionava em Manguinhos na hoje FIOCRUZ. Lá convivi e aprendi com várias figuras históricas da saúde brasileira: Nelson Rodrigues dos Santos, Mário Chaves, Célia Lúcia Monteiro de Castro e outros. Trabalhei lá até 1973 e participei das grandes discussões contemporâneas: implantação dos departamentos de medicina social nas faculdades de medicina em substituição aos de higiene; médico de família (1969!!!!); hospitais universitários (1969!!!); compra de serviços dos hospitais universitários pelo INAMPS etc. A entrada do INAMPS financiando internações nos hospitais universitários foi refutado veementemente pelos professores, sob o falso argumento de perda da autonomia universitária. Depois foi aceito como fonte alternativa de receita! Teve início aí uma novidade de remuneração do INAMPS por pacote de portes dos atos e não por procedimentos, nem por unidades de serviços, fonte de corrupção tese defendida pelo Carlos Gentile contemporâneo da época.  Lá fiz minhas primeiras pesquisas junto com Antenor Amâncio e sob a batuta da Célia Lúcia. Ficamos entendidos na formação de recursos humanos para a saúde. Tínhamos inclusive um contato muito bom com organismos internacionais de saúde o que levou a mim e Antenor Amâncio a implantar em todas as faculdades de saúde no Brasil o Programa do Livro Texto para os alunos, subsidiado pela OPAS e detestado pelos livreiros. Foi o lançamento de minha carreira de mascate viajante na saúde percorrendo todo o Brasil, função de que fez parte até minha lua de mel com Emilia, quarenta e dois anos atrás!
Quis ir para o interior como médico pediatra e escolhi Alfenas em MG onde já tinha o Paulo, meu irmão médico e que muito me ajudou e acolheu! Tive no Paulo um preceptor exclusivo no início de minha profissão.  Em Alfenas duas aproximações com a saúde pública da qual escapara, ao me formar, por falta de concursos. Uma delas foi ser médico de uma unidade de saúde beneficente que tinha convênio com o Estado. Outra foi assumir como auxiliar de ensino na disciplina de saúde pública na EFOA (Faculdade Federal de Farmácia e Odontologia de Alfenas). Havia pedido demissão do MEC em dezembro de 1993 e chegando a Alfenas em janeiro de 1974 fui convidado e aceitei trabalhar novamente no MEC como professor de saúde pública.
Duas tentativas nos anos seguintes para me aprimorar em saúde pública na FSP-USP foram frustradas. Uma como candidato a mestrado em tempo integral indicado pela EFOA e outra, por minha opção, para fazer o curso de curta duração de saúde pública, o grande celeiro de sanitaristas de minha geração. Em ambos me inscrevi e não fui selecionado o que não ocorria por prova pública naquela época.
Mudei-me para São José dos Campos onde em 1978 iniciei-me novamente na saúde pública com duplo vínculo com a Prefeitura: o primeiro como médico da saúde escolar e o segundo como médico pediatra no Pronto Socorro Municipal. Na prefeitura fiz carreira. Daí a chefe da assessoria do Secretário, depois Diretor de Saúde quando a secretaria tinha dois departamentos: o de saúde e o de desenvolvimento social e depois Secretário de Saúde.
Aqui foi o grande momento de paixão com a saúde pública e onde pude concretizar sonhos e desejos. Fazíamos exaustivas discussões sobre uma proposta de se conseguir saúde para todos o que parecia impossível.
Em São José dos Campos um projeto de 1976 propunha uma rede de hospitais públicos com algumas unidades básicas, bem ao modo do modelo hospitalocêntrico.  Tivemos que dar a volta por cima e desenhar uma rede de unidades básicas sem mais nenhum hospital. Nelsão que já tinha sido meu guru em 1969 agora estava em Campinas fazendo a municipalização das ações e serviços de saúde e trabalhando na saúde coletiva da UNICAMP. Estreitamos os laços e Nelsão passou a ser o mentor de nosso trabalho em saúde pública em São José dos Campos.
Num momento em que se queria preservar a pureza da universidade que não podia sair de seus muros para cursos à distância, Nelsão, com seus colegas professores, quebra os paradigmas e monta conosco o primeiro curso de especialização em saúde pública descentralizado da UNICAMP. Ao invés de enviar dois ou três profissionais para se especializarem em saúde pública a cada ano, trouxemos nos anos de 1981 e 1982, os professores da UNICAMP que ministraram o curso para cinquenta profissionais municipais. Coroava o trabalho que já vínhamos fazendo desde 1979 montando a rede de atenção primária à saúde de São José dos Campos. Um destaque: toda ela amplamente discutida com a comunidade em exaustivas reuniões em cada bairro onde foi se desenhando a rede baseada nas necessidades, no acesso por transporte, nas barreiras geográficas etc. Isto em 1979!
Tínhamos como ponto máximo de referência o Hospital e Pronto Socorro Municipal onde trabalhara e a rede contratada pelo INAMPS. Montamos duas unidades de pronto atendimento estrategicamente localizadas em regiões de saúde e fizemos a rede básica com unidades básicas de saúde, unidades médico-odontológicas escolares, unidades avançadas de saúde (pequenas unidades colocadas na região mais periférica da cidade e na zona rural). Estava montada a rede. Fomos buscar profissionais generalistas por concurso público e agentes comunitários de saúde selecionados nas comunidades, treinados e contratados pela Prefeitura. Em São José dos Campos desde 1978 era obrigatório o concurso público.
A proposta era de prestar os primeiros cuidados com saúde e a certeza de que estávamos corretos era a Declaração de Alma-Ata da reunião da OMS-UNICEF em 1978. Em cada UAS,UBS e UPA estava fixado um poster com a Declaração de Alma Ata cujo conteúdo era o norteador de nossa ação.  Não estávamos sozinhos pois, outros municípios se postavam juntos pelo mesmo ideal e ação de prestar os primeiros cuidados de saúde à população.
Fazíamos parte do MOVIMENTO MUNICIPALISTA DE SAÚDE. Posso citar entre eles e com destaque: São José dos Campos, Campinas, Londrina, Niterói, Piracicaba, Sorocaba, Rezende, Cabo Frio, São Bernardo do Campo, Osasco, Guarulhos, Lajes em Santa Catarina, Nova Esperança no Espírito Santo. Companheiros de destaque: Nelsão, Sebastião de Moraes, José Carlos Silva, Dalmo Feitosa, Tomasini (o mesmo com quem convivi em Manguinhos nos idos de Fiocruz em final de 60 e início de 70) e tantos outros. Trabalhávamos com a comunidade com destaque para a parceria com as associações de moradores e os núcleos de Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica na pujança das catacumbas, escondidos da ditadura militar.
Este era o chamado MOVIMENTO MUNICIPALISTA DE SAÚDE que tentam sempre localizar como sendo mais à frente, com outros atores e desconhecendo a proposta municipalista de implantação dos primeiros cuidados com saúde desta época. A academia pouco escreve sobre estes feitos da década de 1970 que foi um dos maiores movimentos de inflexão da saúde no Brasil. O novo pensamento sanitário teve nos municípios a grande oportunidade de ser posto em prática o que não conseguia nem no Ministério da Saúde, nem nas Secretarias Estaduais de Saúde.
Outro papel importante foi São José dos Campos como experiência piloto de testagem das AIS – Ações Integradas de Saúde em 1981. Foi o primeiro município brasileiro a receber recursos diretos do INAMPS para desenvolver ações ambulatoriais. Este projeto acabou sendo implantado no Brasil em 1983 a começar com força e coragem em São Paulo com a presença forte e decisiva do Nelsão e do Pinotti.
Mudou-se a administração municipal e por uma briga política de prefeito com o ex-prefeito, ex-companheiros como vereadores e deputados, tivemos o processo estacionado de municipalização estacionado com muitos servidores da saúde demitidos, incluindo-se Agentes Comunitários de Saúde, que não obstante concursados e contratados, não tinham estabilidade.
Fui exonerado no final de 1982, poucos dias antes das eleições; Mais tarde por concurso público de sanitarista para o Estado de São Paulo, voltei às funções públicas na Diretoria Regional de Saúde do Vale do Paraíba uma das 12 do Estado de SP.  Dirigi a área de vigilância epidemiológica com as quatro dezenas de municípios do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Região Serrana da Mantiqueira. Uma outra grande guinada na vida onde, mais uma vez, fui para os bancos da universidade da vida aprender mais saúde pública.  Se hoje sou um apaixonado pela epidemiologia como a ciência mais importante da saúde, devo aos anos como Diretor de Vigilância Epidemiológica do Vale do Paraíba, como discípulo do Mestre Vranjac, ceifado ainda muito jovem.
Uma das grandes vitórias foi termos conseguido emplacar na Lei 8080 que a epidemiologia deva ser a base para o planejamento, escolha de prioridades e a alocação de recursos. Hoje a luta maior é tirar o véu deste artigo e torná-lo realidade. Como é difícil. Nem o próprio Ministério da Saúde que poderia sozinho fazer isto, nunca o fez formalmente, ainda que várias ações sempre tenham sido determinadas pelos critérios epidemiológicos.
Nesta época dava aulas de saúde pública na Faculdade de Medicina de Taubaté onde em 1986 iniciamos os cursos de especialização em Saúde Pública (25 anos comemorados neste ano de 2011). Tivemos a colaboração individual de alguns professores da Preventiva da UNICAMP, já que institucionalmente, mesmo depois de assumido o compromisso tiveram que voltar atrás, não podendo assumir o curso. Quantos novos sanitaristas se formaram nestes anos! Muitos continuaram suas carreiras e assumiram postos nas administrações municipais.
Neste tempo todo estive nas discussões da evolução da Saúde Pública e da proposta de um sistema universal e mais igual. Das AIS aprofundou-se o sistema agora denominado SUDS – Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde, aprimoramento das AIS, iniciado em 2007. Por vezes de perto e outras indiretamente de longe, participava desta discussão toda. Ainda que sempre me tivessem colocado dentro da VIIIa. Conferência Nacional de Saúde, alguns alegando terem me visto por lá, lá não estive. Estava na Secretaria de Saúde do Estado com muita gente hierarquicamente superior a mim. Fiquei tomando conta da casa, do curso de saúde pública e de outras tarefas e embora militante, discutindo todos os temas, no momento de consagração não estive lá.
Muitas pessoas nem raciocinam que o sucesso da VIII Conferência Nacional de Saúde, com presença dos cidadãos usuários só se deu pela implantação das AIS que introduziram na esfera estadual e municipal as COMISSÕES INTERINSTITUCIONAIS DE SAÚDE com presença obrigatória dos cidadãos usuários. Este foi o determinante ainda que esquecido. Outra questão importante que a efervescência de idéias debatidas na VIIIa só se deu pós um trabalho de formiguinha de discussão destes temas nos vários municípios brasileiros. Não eram apenas idéias de iluminados, da academia ou de militantes técnicos, mas de anseios do povão. Lembro da importância da Igreja Católica com as Comunidades Eclesiais de Base e que muito contribuiu colocando como tema de uma das campanhas da fraternidade a discussão de SAÚDE PARA TODOS.
Neste ano de 1986, nas escadarias da VIII foi oficialmente criado  o CONASEMS como instituição representativa das Secretarias Municipais de Saúde. Aquilo que fazíamos desde 1979 mobilizando os Municípios e realizando os primeiros Congressos Nacionais de Secretarias Municipais de Saúde (Niterói, Campinas, Belo Horizonte, São José dos Campos) agora virava, em boa hora, o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde – CONASEMS. O movimento foi crescendo e hoje já consta de duas leis uma desde 1990 e outra 21 anos depois em 2011.
Em 1988 fiz meu mestrado agora aceito na FSP-USP. Sou persistente! Aproveitei-me de uma circunstância muito rica que foi a adoção de meu quinto filho o Francisco e consegui um tempo para isto. Ainda que tenha feito créditos e estágio em 1988 e escrito minha dissertação em 1989 só fui defendê-la em 1995 depois de minha passagem pela Secretaria Municipal de Saúde e como Secretário Nacional de Assistência à Saúde, no Ministério da Saúde.
Voltei à prefeitura como Secretário Municipal de Saúde em 1989 depois de seis anos de “exílio”. Foi numa volta muito rica e interessante e com o mesmo prefeito com quem já trabalhara seis anos antes. Novamente centrei o trabalho na rede básica, na construção do mesmo modelo iniciado em 1978 de fortalecimento dos primeiros cuidados de saúde sem parar neles, mas dando continuidade à linha de cuidado.
Havia participado nestes anos de debates, fóruns, redações a muitas mãos na obrigação de contribuir para a construção de um sistema de saúde universal e integral. A nós cabia mostrar na prática que era viável o novo.
Vale lembrar que aqui ficaram bem claras três vertentes do movimento da reforma sanitária. Uma delas a dos pensadores e formuladores da política que habitavam faculdades e outros espaços da intelectualidade da saúde. Outra de simpatizantes das idéias e que as defendiam mas não as operavam pelo espaço que ocupavam e que muitas vezes não era o operacional. Na terceira uma turma grande que operava o sistema de saúde no fazer do dia a dia fazendo o atendimento às pessoas em unidades básicas de saúde, em unidades especializadas e em hospitais. Além da defesa da proposta tiveram o ônus grande de implantá-las e enfrentar todos os contrários da administração e dos serviços nos moldes antigos. Por vezes até muita crítica da academia.
Lembro que os textos científicos que divagavam sobre o sistema de saúde circulavam restritamente sem nenhum acesso aos operadores do sistema que não frequentavam bibliotecas especializadas e que não assinavam estas revistas. Exceção à revista do CEBES que, ainda que restrita, tinha maior divulgação e abordagem menos acadêmica e mais prática. Nesta época dos textos operacionais circulavam por “transmissão oral” ou por cópia reprográfica e que jamais serão encontrados nas bibliotecas universitárias sem nunca serem indexados. São nestes textos que deve ser estudado este período de construção do SUS no Brasil e que infelizmente não fazem parte das citações bibliográficas aceitáveis pelas regras acadêmicas.
Foi uma luta inglória.  Organizados os municípios em cada estado e em nível nacional, participei de todo o movimento da implantação prática do SUS. Fui por quatro anos da diretoria do Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo inclusive como membro do Conselho Estadual de Saúde. No âmbito nacional militei no Conasems os quatro anos como força auxiliar de apoio e num período como Secretário da instituição. Sob responsabilidade dos municípios ficou a organização da IX Conferência Nacional de Saúde. Homenageio aqui o Presidente do CONASEMS à época, José Eri Medeiros Secretário de Saúde de Venâncio Ayres no Rio Grande do Sul. Incansável, congregou os Secretários na primeira fase de organização do CONASEMS e comandou a organização da IXa. Conferência Nacional de Saúde. Um líder democrata que conseguiu congregar pessoas e dar espaço a todos que quisessem trabalhar pela causa comum de implantação do SUS. O CONASEMS: um gigante sem sede e com diretoria itinerante com seus arquivos todos numa parta rosa carregada debaixo do braço.
A primeira grande missão era tirar do papel uma lei explicativa do SUS constitucional, para que ele oficialmente pudesse começar a funcionar pois ainda vivíamos com o preceito do SUS, mas com as regras e práticas do SUDS. Foi a fórceps que conseguimos ter uma redação comum construída a muitas mãos. Quem disser que escreveu a Lei 8080 está no mínimo faltando com a verdade. Fomos vários os escritores: uns com idéias, outros com críticas e outros escrevendo a síntese da idéias. Foi uma construção coletiva que culminou com o projeto da lei 8080, que teve como eixo as propostas do Movimento Municipalista de Saúde da década de 70, da Reforma Sanitária e das deliberações da VIII Conferência Nacional de Saúde da década de 80.
Foram idas e vindas até a aprovação do texto em setembro de 90 o que sinalizava definitivamente na implantação do SUS. Collor, após aprovação do Congresso vetou duas questões: financiamento e participação da comunidade. Estava, em setembro criado o impasse pois nem Collor retirava os vetos, nem o Congresso voltava atrás aceitando os vetos. Foi Alceni o negociador competente que conseguiu convencer o Collor de que poderia sair uma nova lei substitutiva do texto dos vetos. Após três meses de impasse saiu a lei 8142 que completava a 8080 e só tratava da participação da comunidade e do financiamento da saúde.
Voltamos para nossas casas na antevéspera do Natal de 1990. Foi o fim de nossa missão de idas e vindas e permanências por dois anos a Brasilia e achamos que agora era só implantar. Ledo engano pois ao chegarmos em nossos municípios o fax já vomitava páginas e mais páginas da Nob-91 que contrariava o texto legal recém aprovado.  Começava a ilegalidade pois promulgada pelo INAMPS e não pelo Ministério da Saúde.
O fulcro da ilegalidade era que as três esferas de governo que tinham a responsabilidade constitucional de fazer saúde eram reduzidas, duas delas – estados e municípios – a meros prestadores de serviços ao INAMPS!!!
Os municípios entraram na justiça e o judiciário recusou-se, ainda uma vez, a entender o que se passava e a reconhecer que a medida infringia as leis recém publicadas. Depois da NOB 91, no mesmo espírito, saiu a 92 ainda com o intuito de tratar municípios e estados como prestadores do INAMPS-MS. Era a repetição das AIS e do SUDS que a sua época, antes da CF, configurara-se num grande avanço. A negação das Leis 8080 e 8142.
A idéia mestra era derrubar este tipo de norma e fazer das três esferas de governo responsáveis pela legalidade de garantir o direito à saúde de todos os cidadãos. Acabar de vez – no espírito de Art.35 da Lei 8080, com o poder de quem arrecadava dinheiro para todos e queria ser o único a determinar o que e como fazer. Os municípios e estados transformados em prestadores de serviços, tudo que o INAMPS sabia fazer antes da CF e das Leis.
Neste meio tempo veio a queda do Collor e a mudança de governo. O CONASEMS teve uma participação forte no movimento de derrubada do Collor. Participou oficialmente de todos os atos e foi signatário de todos os documentos.
Esta presença levou a que ao CONASEMS fosse oferecida uma posição no Ministério da Saúde para implantar o SUS constitucional e legal. O CONASEMS havia saído de seu Congresso Anual e da IX Conferência Nacional de Saúde e tinha claras quais as propostas defendia em relação à implantação do SUS. Fez uma lista delas e foi ao Ministro Jamil Haddad para mostrar o que o CONASEMS pretendia que nada mais era do que “ter a ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei”. Na reunião falou Eri Medeiros e disse ao Ministro Haddad: “Ministro, o CONASEMS, está totalmente comprometido com a implantação do SUS. Para que ele assuma qualquer papel em seu Ministério ele trouxe aqui uma lista de suas posições e do que quer que aconteça.” Passou ao Ministro o documento com a proposta para que ele lesse. Ao acabar a leitura, Haddad em seu jeitão alegre e expansivo, deu uma boa gargalhada e disse:”Tenho uma semana de Ministro da Saúde e de manhã, de tarde e de noite, me chegam inúmeros pedidos e indicações para ocupar cargos. Vocês de forma inusitada me chegam com uma lista de coisas que indicam para fazer e dizem que só virão ao Ministério se for para ajudar a fazê-las!!! Vocês são muito ousados”. Depois, sorrindo, disse: “Vocês devem indicar alguém pois este será meu programa de governo da saúde: ter a ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei”.
Foi assim que o CONASEMS assumiu a Diretoria Nacional do SUS. Estranho nome mas era a diretoria responsável pela implantação do SUS já que SUS era o Sistema Único de Saúde obrigação das três esferas de governo. Esta Diretoria estava acumulada com a Diretoria de Controle e Avaliação do INAMPS que mais tarde deveria ser extinta.
Entre tantos e, contrariando minha vontade, a escolha para assumir esta Diretoria, em nome do CONASEMS, acabou em meu nome. Eu tinha, naquele momento, um conhecimento aprofundado da questão do financiamento e do sistema de funcionamento do INAMPS. Isto ajudaria para quem fosse assumir a substituição do INAMPS pelo SUS. Eu vinha de um município de médio porte, São José dos Campos, com uma relação de cerca de 10 anos com o INAMPS.
Tem neste meio uma história de bastidores. Todos sabiam que, o que eu menos queria, era vir para Brasilia, deixar São José dos Campos e minha família, inclusive o Francisco que adotara e tinha com apenas cinco anos. Sabiam que eu usaria isto na argumentação para não aceitar o convite. Deram a volta por cima e o Eri assediou antes minha esposa Emilia e a convenceu de que ela deveria apoiar minha ida para Brasilia. Quando tentei argumentar, como escape, que teria que consultar minha esposa para assumir este compromisso o Eri veio já com a autorização dela. Um legítimo “golpe esperto” que me levou a Brasilia para ficar por 90 dias e onde acabei ficando os dois anos e poucos meses do Governo Itamar Franco e dos Ministros Jamil Haddad e Henrique Santillo.
Salários baixíssimos e falta total de garantia de permanência para mudanças radicais, moralmente me impediam de levar para Brasilia mais militantes com experiência na área. Trabalhei com o pessoal que já estava no Ministério como o Flávio Goulart, militante municipalista, professor universitário e ex-secretário municipal de saúde de Uberlândia que muito nos ajudou com sua equipe: Patrícia, Neide, Luiza, Oviromar. Consegui levar o Gilson Caleman, amigo e irmão, para trabalhar comigo no controle e avaliação do INAMPS. Deu uma contribuição ímpar neste momento de construção do SUS.
Mosconi, então deputado federal e amigo pessoal de Itamar, assumiu a Presidência do INAMPS e levou consigo o Adnei, militante municipalista ex-secretário de saúde e prefeito de Poços de Caldas. Fui trabalhar na equipe do Mosconi um grande chefe e empreendedor que entendeu o recado do que se deveria fazer. Mesmo ameaçado não teve medo de enfrentar e fazer o que devia ser feito.  Diga-se que tanto ele, como o Ministro Jamil deram total apoio à causa de implantação do SUS.
Éramos considerados estranhos ao Ministério da Saúde e “invasores” em relação ao INAMPS (assim nos julgavam e assim nos tratavam!). Precisávamos levar ao Ministério da Saúde – INAMPS a grande discussão de como implantar o SUS. Foi constituído o GED – Grupo especial de Descentralização com a missão de coordenar a discussão e estratégia. Lá estava outra grande aliada a Beth Barros. Uma discussão ampla em todos os órgãos no Ministério da Saúde centralizados e descentralizados. Foi muito bom. Complementarmente a isto foi sendo escrita uma Norma Operacional Básica para o ano de 1993 colada aos princípios constitucionais e legais do SUS. Três figuras chaves ficaram conosco nesta fase, sem remuneração: Mozart Oliveira, Luiza Jaeger e Denisson Cerqueira, este representando o CONASS.
O projeto foi finalmente concluído em sua essência e publicado o Documento “Descentralização das ações e serviços de saúde – A ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei”. Como outro produto anexo a NOB-93, revolucionária como até hoje não se conseguiu repetir, principalmente em relação ao financiamento e à verdadeira descentralização de competências com recursos financeiros descentralizados. 
A extinção do INAMPS, que acontecia concomitantemente, foi uma luta inglória com a qual muito sofremos nós poucos de fora. Foi muito penoso fundir duas organizações com cultura, política, histórias e práticas diferentes e diversas para fazê-las assumir o novo, foi muito penoso. Conseguimos a duras penas aprovar a lei de extinção do INAMPS já prevista na Constituição Federal e que achavam que não deveria ser cumprida. Os adversários eram mais poderosos e em maior número que os defensores da constitucionalidade. Extinto o INAMPS em 27 de julho de 1973 a briga ainda continuou por muito tempo e repercute até hoje em alguns bunkers de resistência que não cumpre aqui citar. Mas, que existem e causam estragos. Existem sim!
Na verdade a extinção era da estrutura que se fundiu ao Ministério da Saúde para onde foram transferidos todos os servidores sem perda de direitos. Alguns meses mais e o INAMPS foi para liquidação conforme a lei.
Quero citar alguns avanços de que me lembro, conquistados por quantos trabalhamos no Ministério da Saúde no Governo Itamar, com os Ministros Jamil Haddad, Henrique Santillo e o último Presidente do INAMPS, Carlos Mosconi.
ü  A essência da gestão no Ministério da Saúde:1992-1993-1994 foi a aceleração da transferência de poder para estados e municípios e estímulo à participação da comunidade.
ü  Debate aberto sobre o processo de descentralização sem imposição e recepcionando sugestões inclusive do Conselho Nacional de Saúde.
ü  Abertura total da caixa preta de dados do INAMPS socializando a informação para todos os cidadãos.
ü  Edição da NOB-93: a prática da descentralização como processo onde cada ente poderia se colocar em qualquer dos estágios de assunção de competências, responsabilidades com o respectivo componente financeiro.
ü  Promulgação do Decreto de transferência de recursos federais a estados e municípios denominada de TRANSFERÊNCIA FUNDO A FUNDO.
ü  Correção automática a cada mês, pelo índice oficial, dos valores de transferências e pagamentos num período de desvalorização diária da moeda.
ü  Exigência da criação e funcionamento do Fundo e Conselho de Saúde (cumprimento da Lei 8142) para receber recursos federais.
ü  Introdução de novos procedimentos e medicamentos na tabela SUS.
ü  Introdução por Decreto da comercialização dos medicamentos genéricos (bloqueado pela justiça e só liberado no governo Serra).
ü  Introdução por Decreto do Ressarcimento dos Planos de Saúde a serviços prestados pelo SUS (bloqueado pela justiça e ainda sob judice).
ü  Valorização do Conselho Nacional de Saúde com submissão mensal das correções de tabela e na discussão e aprovação da NOB-93.
ü  Primeira resolução sobre o funcionamento dos Conselhos de Saúde – Resolução 33 que deu origem a 333.
ü  Aprovação no Congresso da Lei de Extinção do INAMPS que administrara a saúde dos beneficiários centralizadamente de Brasilia.
ü  Implantação de mais mecanismos de controle, mais auditorias, novas críticas informatizadas, combate e diminuição de fraudes em cirurgias múltiplas e em órteses e próteses.
ü  Investimento no parque tecnológico com registro no MS de todos os equipamentos da rede e capacitação de 63 engenheiros clínicos e implantação de sistema de manutenção de equipamentos médico hospitalares, estaduais e municipais.
ü  Incentivo à implantação do FIDEPS nos hospitais universitários.
ü  Na Saúde mental a revolução da classificação dos hospitais de saúde mental, com remuneração diferenciada, o fim da cela forte e mais humanização e qualidade de internação.
ü  Implantada a Coordenação de doenças cardiovasculares com definição de critérios de habilitação e qualidade.
ü  Melhora dos padrões de atendimento aos deficientes físicos com implantação do fornecimento de órteses e próteses em unidades de saúde estaduais e municipais.
ü  Melhora do atendimento de emergência e trauma com implantação do pagamento de serviços pré-hospitalares prestados pelos bombeiros, e melhor remuneração ao atendimento em PS dos acidentes do trabalho para incentivar a maior e melhor notificação.
ü  Ampliação do credenciamento de hospitais para transplantes, dentro do SUS.
ü  Ampliação do atendimento às famílias que quisessem fazer planejamento familiar incluindo na tabela o pagamento do DIU e diafragma.
ü  Aumento de investimento na rede de hemocentros públicos com sua interiorização.
ü  Apoio à implantação de micro sistemas de fluoretação de águas em vários estados e municípios através das secretarias de saúde.
ü  Na área de vigilância epidemiológica passou a financiar atendimento específico a doenças de notificação compulsória.
ü  Introdução do pagamento do pediatra presente à sala de parto.
ü  Etc... Etc...
ü  Esqueci-me, de propósito, de falar na grande conquista de oficialização do programa de saúde da família introduzindo-o no universo do SUS.
Muitas realizações nem foram aqui elencadas mas houve avanços significativos, uns ainda na maneira antiga de indução a ações via introdução na tabela de procedimentos com remuneração. A maior conquista, sem dúvida, foi caminhar para o cumprimento da CF e das Leis do SUS num avanço ainda que lento, continuado.
Infelizmente, mesmo tendo-se feito muita coisa, nos anos seguintes com outros governos não houve preocupação de se buscar o cumprimento das leis. Ainda temos que lamentar que questões essenciais não foram conquistas como a questão da partilha dos recursos nacionais para estados e municípios. A remuneração por procedimentos não mudou e apenas se introduziu um pagamento “procedimento símile” com maior amplitude, mas ainda por ações: atenção básica, equipe do PSF, equipe de saúde bucal, ACS, vacinações etc. etc. Cumprir a lei, nem pensar!
Saí do Ministério da Saúde e voltei a meu município por mais três anos para completar o tempo para minha aposentadoria. Não obtive mais tolerância legal e em 1995 concluí minha dissertação de mestrado sob o tema da avaliação de serviços de saúde.
Aposentado fui reabrir minha matrícula no doutorado que havia deixado por falta absoluta de tempo. Defendi a tese de doutorado quatro anos depois em 2002 sobre o financiamento federal da saúde.
Entre 1969 e 1973 fui caixeiro viajante pelo NIERHS implantando programas para a OPAS. Fiquei mais fixado entre 1974 e 1979. Depois não parei mais, numa tentativa que mantenho até hoje de desmonopolizar o saber. Duas coisas sempre fiz: escrever sobre os mais variados temas de saúde e ministrar aulas e palestras ajudando outras pessoas a aprenderem, como facilitador da difusão do saber.
Sempre adotei o livre uso de meus textos, transparências, slides e depois conjuntos de exposição em PPT. Tinha e tenho certeza de que tudo que sei, copiei de alguém em algum lugar. Nada sintetizei de novo e portanto nenhum direito tenho reservado para o que falo e escrevo pois fazem parte do saber patrimônio da humanidade. Disse e escrevi assim. Mas, recentemente, de uns 10 anos para cá quando surgiu o movimento do copyleft aderi informalmente a ele, pois continuei disponibilizando todos meus textos.
Em meio aos compromissos semanais não tinha tempo para escrever e depois de aderido à internet em 1995 passei a divulgar por ela alguma coisa aos domingos. Já são, desta nova fase, 583 edições do que se denominou DOMINGUEIRA, pois se editava aos domingos. Publico e escrevo até hoje agora já mais sistematizado tendo na primeira página um texto meu; na segundo um texto de algum amigo convidado e na página três coloco notícias da saúde de importância para os militantes e defensores do sistema de saúde. Por vezes os temas se misturam numa mesma domingueira e outras vezes elas são temáticas do começo ao fim: meu texto, o do convidado e as notícias.
Abordo os mais variados temas, mas, têm sido recorrentes nestes anos todos, aqueles que abordam: financiamento da saúde (análise de orçamentos, relatórios de gestão e proposições), fundo de saúde, organização do sistema de saúde, primeiros cuidados com saúde, PEC 169, depois regulamentação da EC-29; comentários a portarias ministeriais as mais diversas; força de trabalho em saúde; privatização de serviços públicos; Organizações Sociais; OSCIPS; dupla porta em hospitais públicos; participação da comunidade na saúde; temas das várias conferências de saúde etc. etc. Todas publicadas em meio eletrônico ou reproduzidas em xerox. Nunca indexadas e pouco citadas em trabalhos acadêmicos como TCCs, Artigos Científicos, Dissertações de Mestrado e Doutorado. Nada além do esperado.
Hoje dou aula em cursos de pós latu senso; algumas aulas como convidado em stritu sensu; participação em bancas de mestrado e doutorado; faço palestras e conferências de saúde ou falo em outros eventos sempre como militância; nos últimos anos presto consultoria ao CONASEMS em especial na área de financiamento representando-o em algumas comissões como a COFIN, SIOPS e ECO-BVS.
Parar? Não imagino quando. O Nelsão meu amigo, professor, guru, irmão de mais de quarenta anos, tem 10 anos de idade a mais que eu. Quando me perguntam: não vai parar? Diminuir o ritmo? Aproveitar da vida? Tenho para estas perguntas embaraçosas sempre uma resposta na ponta da língua: “SÓ PARO DEPOIS DO NELSÃO PARAR”.
Acho que ainda embalarei este sonho de saúde por mais alguns anos (ando na prorrogação, mas quero ir para os pênaltis!). Ajudar as pessoas a viverem mais e melhor. A só morrer bem velhinho, de preferência sem nunca ter ficado doente (impossível!), mas se assim acontecer que a gente possa ajudar a sarar logo e sem sequelas.  E se alguém quiser buscar para esta compulsão, um sentido nobre de altruísmo e devoção ao próximo, digo como sempre, que não é, mas apenas um reconhecido interesse de...troca!
 
 
2.  SEGUNDA PÁGINA - TEXTOS DE OPINIÃO DE TERCEIROS
 
 MEU SORRISO DO ANO - 2011 - PAULO CAPEL NARVAI
 
Foi de goleada. Nunca antes na história (ôps!...) do Prêmio Meu Sorriso do Ano os amigos e amigas que me ajudam a escolher o ganhador concentraram tanto o voto num candidato. Eu sei que você, caro leitor, acha que, também em 2011, o prêmio Meu Sorriso do Ano só poderia ir para o Lula ou para a Dilma. Sim, o Lula por causa daquele sorriso-careca-simpático-envergonhado-assustado que circulou em toda a mídia tão logo sua foto foi divulgada, após o início do tratamento do câncer. E a Dilma porque, afinal, passou o ano distribuindo sorrisos e fazendo faxina... Também pudera, com tantos atropelos ministeriais e até com ministro que manda beijinhos e diz publicamente “Dilma-eu-te-amo”, governar o Brasil fica mesmo um pouco mais difícil. Poderia ser dela o Prêmio deste ano, sem dúvida. Mas, dentre tantos ministros decapitados em 2011, vários também poderiam ser indicados para o Sorriso do Ano, pelo simbolismo envolvido em cada cabeça cortada, e os sorrisos enigmáticos que acompanharam cada um ao ir embora do governo. Preferi, contudo, ficar com o que escreveu uma amiga eleitora do Prêmio: “esses ministros caídos não inspiram nem um sorriso amarelo, quanto mais um sorriso do ano. No entanto, considero equivocada (...) a responsabilização de indivíduos pela corrupção que [aliás] não é exclusividade do sistema político brasileiro, mas inerente ao capitalismo. É ubíqua. Assim, sai ministro, entra outro e a corrupção persiste! (e o ministro caído continua a exercer sua influência). Apesar de ver com bons olhos quando os que são pegos com a boca na botija serem punidos com a perda do cargo, tenho certeza que não será esse o caminho de uma real mudança: são indissociáveis a luta contra a corrupção e o combate ao capitalismo”.
Mas, caro leitor, se nenhum ministro “caído” foi eleito, vou logo avisando: nem o Lula nem a Dilma, mesmo com todos os méritos, ganharam o Prêmio deste ano.
A goleada a que me refiro também não foi a do Barcelona sobre o Santos, na final do campeonato mundial de clubes de futebol, disputada no Japão, em dezembro. E olha que não foi uma goleada qualquer, não. Foi sim uma dessas goleadas históricas. Um dos nomes cogitados por meus amigos e amigas que escolhem o vencedor, foi o Neymar. Disseram que poucos riram e sorriram tanto, e tão gostosamente, como ele em 2011. Porém, de fato, a derrota acachapante para o ‘Barça’, na final, tirou o brilho do olhar do “moleque”, como carinhosamente é chamado por amigos e colegas boleiros. Se este prêmio não fosse o Meu Sorriso do Ano, mas o “Olhar do Ano”, o Neymar seria imbatível por ter mostrado o olhar mais triste e dolorido de 2011. Só insensíveis e gente sem coração poderiam ser indiferentes à tristeza daquele olhar, no final do
jogo. Consola, no entanto, saber que o “moleque” é bastante jovem e que certamente terá outras oportunidades para que seu olhar volte a brilhar em sintonia com o sorriso.
Antes de esclarecer sobre a goleada, devo mencionar que Berlusconi foi cogitado como possível ganhador. Sim, Berlusconi, claro, pois como deixar fora da lista esse falastrão neofascista, com aquele sorriso amarelão-cínico, que transformou a gestão econômica da Itália numa espécie de contabilidade de cantina de quinta categoria? Mas, incluído na lista, não teve nenhum voto. Cá entre nós, leitor – não comente com ninguém –, eu gostei muito dessa esfriada que meus amigos e amigas deram nesse sujeito. Já passava da hora... Uma amiga foi direta: “nem deveria ter entrado na lista, a não ser que lhe quebrassem mais alguns dentes. Foi vaiado, perdeu apoio político e, sem saída, renunciou. Foi tarde. Que nunca mais volte”.
2011 teve também a goleada eleitoral de Cristina Kirchner. Foi um verdadeiro “baile” na oposição e ela sorriu. Muitos me asseguraram, porém, que ela não sorriu feliz, sentindo a falta do ex-presidente Néstor Kirchner. Foi, de fato, um sorriso-triste, esse da Presidenta argentina.
A goleada a que me referi foi a avalanche de indicações e votos em Sócrates, o ex-futebolista, amplamente reconhecido por seu talento e participação cidadã, falecido em 4 de dezembro. Curiosamente, ele disse, em 1983, que queria morrer num domingo em que o Corinthians fosse campeão, o que aconteceu no domingo, 4 de dezembro. Sócrates deixou um vazio imenso, num país em que muitos boleiros são geniais jogando bola e quase-sempre se revelam uns cabeças-ôca quando abrem a boca. Sócrates, ao contrário, viveu intensamente o tempo dele, a época dele, sempre se posicionou, tomou partido, liderou a “Democracia Corintiana”, um movimento que deu voz aos atletas e participação nas decisões sobre assuntos futebolísticos do time. Mais que isso, Sócrates se engajou no movimento conhecido como “Diretas Já”, por eleições presidenciais com base no princípio democrático do sufrágio universal direto, e participou de vários atos públicos de natureza política, em aberta oposição ao regime militar. Mereceu um obituário na revista The Economist, que destacou que ele tinha como seus heróis de infância Fidel Castro, Che Guevara e John Lennon, e o modo como o “Doutor”, ou “Magrão”, como também ficou conhecido, lidava com vitórias e derrotas e o lugar em que colocava a vitória, tão obsessivamente perseguida por tantos, nos gramados e na vida, sintetizados na frase “A beleza vem em primeiro lugar. A vitória é secundária. O que importa é a alegria”.
Para entender por que o Doutor Sócrates é o vencedor do Prêmio Meu Sorriso do Ano-2011, destaco alguns comentários feitos por meus amigos e amigas ao justificarem por que o escolheram:
Por tudo de bom que ele fez no futebol, mas principalmente pelo cidadão que ele foi.
Tudo bem..., gostava de uma birita, mas com certeza isso também deu a ele bons momentos, com boas risadas...
Viveu, venceu e sorriu! Exemplo de esportista e de cidadão!
Não entendo nada de futebol, mas talento é talento.
Que falta ele faz! Doutor em fazer jogadas maravilhosas de calcanhar! Doutor em tratar seus companheiros de bola de maneira fraterna e igualitária! Doutor em demonstrar como se deve amar o país, com fala e gestos diretos! Doutor de lindo sorriso, inesquecível!
Amante da democracia e do bom futebol.
Não foi na escola, mas por causa do Sócrates que, pela primeira vez, prestei atenção na palavra ‘democracia’. Na mesma época, o Lula andava pelo ABC metido em greves e comícios, brigando, como muitos, pela redemocratização. A democracia estava na boca do povo...
Limpo, transparente, simples, um cidadão preocupado com o destino dos menos favorecidos. Levou a discussão e o debate para dentro dos bastidores do futebol, sendo apoiado por outros ídolos, mesmo fora do Corinthians, enfrentando os cartolas do futebol. Corajoso por falar o que pensava, defendia a liberdade de posição e pensamento. Por estas razões e pelo respeito que tenho por aqueles que lutam pela transformação de seu pedaço, contribuindo para uma sociedade melhor... meu voto é dele.
Mostrou ao Brasil daquela época difícil que a democracia tem que valer a pena!!!
Ao contrário da maioria dos jogadores de futebol, pensou além da COMUNIDADE (no caso, a torcida do Corinthians... que é uma baita comunidade!), mas percebeu o seu papel para a SOCIEDADE.
O Dr. Sócrates é patrimônio que orgulha a sociedade brasileira. Deu o exemplo de valorização do estudo para jovens que poderiam ver no futebol um atalho de ascensão social, deu o exemplo de valorização da democracia num momento em que a sociedade brasileira mais precisava disso. Não deu o exemplo de superar o vício do alcoolismo, mas que raios ninguém é perfeito, ele deu o exemplo de ser humano, imperfeito, e sofreu as consequências.
Um amigo me alertou: “meu voto é do Magrão. Até porque ele morreu com uns cacos de dentes na boca...”
Curiosamente, disse uma amiga ao comentar algumas fotos do Sócrates, “uma das que mais gosto é a do menino-velho, uma das últimas, de uma suavidade plena. A foto com um ‘quase-sorriso’, ou ‘meio-sorriso’, uma insinuação de sorriso. Um sorriso calmo e enigmático, que prefigura o ‘até breve, estou partindo’, mas também o ‘nos veremos novamente qualquer hora dessas...’.”
Outra amiga acertou na veia: “voto no Sócrates pelo cidadão que ele foi. Muito doente, e necessitando de um transplante, fez questão de dizer, publicamente, que havia uma fila para o transplante e que ele, jamais, furaria a fila”.
Sócrates, caro leitor, não furava filas. Também por isso é dele o Prêmio Meu Sorriso do Ano 2011.
____________________
Paulo Capel Narvai Cirurgião-Dentista Sanitarista. Especialista, Mestre, Doutor e Livre Docente em Saúde Pública. Professor Titular de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Autor de ‘Odontologia e saúde Bucal Coletiva’ (Ed.Santos) e de ‘Saúde Bucal no Brasil: Muito Além do Céu da Boca’ (Ed.Fiocruz
3.  TERCEIRA PÁGINA – NOTÍCIAS
 
3.1 PROJETO CRIA LEI DE RESPONSABILIDADE SANITÁRIA – 4-1-2012 – CAIO JUNQUEIRA – VALOR ECONÔMICO 
 Palácio do Planalto trabalhará para acelerar tramitação da proposta que está na câmara desde 2007.
O governo vai tomar a iniciativa de fazer avançar, neste ano, a tramitação de projeto que cria a Lei de Responsabilidade Sanitária, similar, na área de saúde, ao que a Lei de Responsabilidade Fiscal representa para as finanças públicas. A proposta delimita responsabilidades e relaciona punições à União, Estados, municípios e gestores que não cumprirem seus dispositivos.
O projeto de lei tramita desde 2007 na Câmara dos Deputados e já foi aprovado pelas comissões de Seguridade Social e do Trabalho, mas a pressão de secretários municipais e estaduais de saúde impediu que ele avançasse. O motivo eram os artigos que, segundo eles, criminalizavam agentes públicos que não cumprissem os termos da lei. A saída encontrada, por ora, foi a de flexibilizar a punição e estendê-la também aos entes federados, por meio da limitação de transferências de recursos.
Em geral, o projeto estabelece o cumprimento de metas tendo por base os chamados contratos organizativos de ação pública firmados entre União, Estados e municípios. Ali, estará previsto o montante de recursos que os gestores devem aplicar, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde. Também consta a obrigatoriedade de comprovar essa aplicação e demonstrar o grau de execução das ações programadas, além de apresentar balanços financeiros, orçamentários, permitir a realização de auditorias e dar transparência às informações pela internet.
O problema, contudo, estava nos trechos em que determinava as punições a quem não cumprisse essas obrigações, assim intitulados crimes de responsabilidade sanitária. São alguns deles: deixar de prestar de forma satisfatória os serviços básicos de saúde; transferir recursos da conta de saúde para outra conta; dar às verbas de saúde aplicação diversa da estabelecida em lei; deixar de executar ou interromper injustificadamente as ações previstas e prestar informações falsas no relatório de gestão.
O projeto diz que os gestores incorreriam em crime por ação ou omissão, se concorreu com culpa ou dolo para a sua prática, ou dela se beneficiou. Nesses termos, o recado que chegou ao Ministério da Saúde peloConselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) e pelo Conselho Nacional de Secretários de Estado de Saúde (Conass) foi de que haveria resistência dos gestores.
Assim, o relator do substitutivo do projeto na Comissão de Finanças e Tributação, Rogério Carvalho (PT-SE), em negociações com o líder do governo no Senado e autor de projeto semelhante, Humberto Costa (PT-PE), ex-ministro da Saúde, decidiu se concentrar em algo mais consensual. Havia uma resistência à punição ser exclusivamente para a pessoa física. Agora vamos avaliar o conjunto que define o objeto do contrato administrativo. A responsabilidade pode ser tanto do ente federado quanto do agente. Não existe uma escala de quem é punido primeiro, é tudo paralelo, afirma Carvalho, que foi secretário de Saúde em seu Estado entre 2003 e 2010.
Seu substitutivo será apresentado em fevereiro, tão logo comece o ano legislativo no Congresso. Em caso de descumprimento das metas, o Estado ou município deixa de receber recursos de transferências e o agente passa a ter uma gestão supervisionada, afirma. A ideia é que ele chegue à Comissão de Constituição e Justiça da Casa ainda neste semestre e vá a plenário até o fim do ano. A participação de Costa nas negociações também se deve à tentativa de que o projeto chegue ao Senado sem a necessidade de alterações pelos parlamentares, para evitar que o projeto tenha que retornar à Câmara.
O projeto faz parte de um conjunto de iniciativas que o governo pretende tomar na área de saúde para tentar, aos poucos, superar os problemas de gestão, ali identificados, que mantêm o serviço entre os piores apontados pelos cidadãos em pesquisas de opinião.
Segundo o assessor especial do Ministério da Saúde, Fausto Pereira dos Santos, o esforço é para que o substitutivo seja de fato o mais próximo do que defende o governo e as entidades que reúnem os secretários de saúde de Estados e municípios. E que o importante é que haja a previsão de punições. Para fazer um contrato organizativo de ação pública, tem que ter sanções. Um contrato sem penalidade não necessariamente vai ser cumprido.    FAC-SÍMILES
 
3.2 PARA A OCDE, BRASIL COBRA IMPOSTO COMO PAÍS RICO E GASTA COMO POBRE – 26/10/2011 – ASSIS MOREIRA
Angel Gurria: Brasil deve fazer uma ampla reforma fiscal para mobilizar os recursos de uma maneira mais eficiente
O governo brasileiro cobra impostos de país rico e gasta com as deficiências de país pobre, indica a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) no relatório "Perspectivas da América Latina 2012", que será divulgado na sexta-feira em Assunção, no Paraguai.
Hoje, em Brasília, o secretário-geral da OCDE, Angel Gurria, lançará um estudo específico sobre a economia brasileira, no qual a entidade recomendará uma ampla reforma fiscal, para mobilizar os recursos domésticos de maneira mais eficiente.
O relatório sobre América Latina, a ser lançado na Cúpula Ibero-americana, que será realizada sexta e sábado, no Paraguai, mostra que o nível do endividamento público na região declinou de 80% para 30% do Produto Interno Bruto (PIB) na média desde o começo dos anos 90, enquanto os países ricos continuaram a se endividar. Só que essa diminuição da dívida na região ocorreu mais pelo aumento de impostos do que pelo controle de despesas ou utilização mais eficiente dos recursos públicos.
No Brasil, na Argentina e no Uruguai a arrecadação fiscal está próxima do nível daquela dos países ricos da OCDE, por volta de 30% do PIB. No entanto, o estudo destaca que isso não contribuiu para melhorar a distribuição de renda. Além disso, o Brasil está entre os países que cobram mais imposto das empresas do que das pessoas físicas e isso pode desestimular investimentos e criação de empregos.
A tributação das pessoas físicas na América Latina é reduzida, comparada à dos países da OCDE, em boa parte por causa de um número elevado de deduções, isenções e sonegação, enquanto a tributação de pessoas jurídicas é relativamente alta, segundo o estudo.
O sistema tributário é concentrado em impostos indiretos sobre o consumo, é regressivo, incidindo da mesma maneira tanto sobre os ricos como sobre a maior parte da população mais pobre.
O estudo mostra também as enormes diferenças na região dos gastos públicos em programas sociais, com o Brasil destinando 25% do PIB para essas ações, enquanto a Guatemala destina apenas 7%.
Nas entrelinhas, o estudo indica que não dá mais para continuar aumentando impostos e o caminho é uma reforma fiscal para arrecadar melhor e aumentar a eficiência e transparência dos gastos públicos. Ele destaca ainda a importância crescente de os governos aumentarem o nível de produtividade da economia, sobretudo no setor industrial, o que exige estímulos para inovação.
O relatório sobre o Brasil é resultado do exame da economia do país feito pela OCDE em Paris. Houve discussão sobre controle da inflação e consolidação fiscal. A entidade recomenda que o país tenha um orçamento plurianual em vez de anual. Na verdade, o país tem metas multianuais, mas não são obrigatórias. Sugere também que o Brasil adote metas de superávit nominal, em vez de superávit primário. Admite, porém, que isso não é factível no curto prazo, mas talvez no médio prazo.
O estudo sugere ainda para o governo brasileiro dar subsídios para os bancos comerciais serem estimulados a fazer financiamentos de longo prazo, juntando forças com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).      VEJA TAMBÉM
 
FAC-SÍMILES
3.3
 
3.3
 
 
 GC-RL-NESP-BSB-FÁTIMA-SETEMBRO- 2011
 
 


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