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2011 - 27 - 595 - DOMINGUEIRA - XIV CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE - NOV-2011

XIV CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE
Gilson Carvalho[1]
O grande dia da XIV Conferência Nacional de Saúde está próximo. Será nesta semana primeira de dezembro de 2011. O tema ficou extremamente complexo. Sofreu várias modificações terminando ainda extenso e de pouca compreensão para os milhares de brasileiros que o discutiram.
“Todos usam o SUS! SUS na Seguridade Social, Política Pública, patrimônio do Povo Brasileiro" Eixo: "Acesso e acolhimento com qualidade: um desafio para o SUS"
- “Política de saúde na seguridade social, segundo os princípios da integralidade, universalidade e equidade;
- Participação da comunidade e controle social;
- Gestão do SUS (Financiamento; Pacto pela Saúde e Relação Público x Privado; Gestão do Sistema, do Trabalho e da Educação em Saúde).”
De tanto criticar a complexidade e o tamanho da proposta do tema me enredei na armadilha. Acabei por ser convidado a falar em algumas conferências -“Gilson – Fale um pouquinho de cada coisa” – E o tempo? -“A princípio 40 minutos”... com os atrasos naturais acabava se reduzindo a quinze, vinte minutos. Percalços do caminho!!!
Quem sabe proximamente aprendemos a centrar o tema e não apenas atirar em todas as direções achando que fazemos democracia simplesmente contemplando cada conselheiro ou seu segmento. Pode ser na XV, mas também em qualquer uma posterior a ela!
Como profissão de fé tenho que repetir, a cada vez, que defendo a participação da comunidade na saúde. Nela vejo a maior das ferramentas para que nós cidadãos consigamos exercer nossa função propositiva e controlar melhor os governos e a própria sociedade em que vivemos. Defendo. Aposto. Trabalho incansavelmente para que isto ocorra.
Tanto defendo,pratico esta defesa, e sou proativo, que me julgo no direito de diagnosticar e apontar desvios de rota que vem colocando em descrédito esta ferramenta de exercício de cidadania.
Tive o privilégio de participar de algumas dezenas de Conferências Municipais e Estaduais de Saúde neste ano de 2011. Vi situações dignas de elogios pela riqueza da participação das pessoas numa discussão madura sobre a realidade da saúde no país, no estado e no município com muita contribuição bem elaborada, procedente e sensata.
Também, para minha tristeza e desalento, vi conferências que não condiziam com uma participação democrática, madura e sem manipulação.
Temos que repensar urgentemente nossas conferências de saúde de modo especial a nacional e algumas estaduais. Volto a repetir que o modelo praticado desde a VIII em 1986 talvez tenha se esgotado. Ao invés de aprimorarmos o processo nos perdemos pelo caminho e fomos deteriorando a essência. O rito, muitas vezes deturpado, foi perdendo seu caráter de ferramenta e processo e se induzindo como objetivo final das conferências.
Lembrei-me das cinco essências de uma Conferência de Saúde: período 4/4 anos; representação dos segmentos; avalia situação de saúde; propõe diretrizes para formulação da política; convocação pelo Executivo, Conselho ou própria Conferência. Temos consigo isto nos últimos anos? A população ainda acredita que assim seja? Confia na potência das conferências para consolidar o certo e corrigir o errado?
 
Embalado nestas reflexões resolvi escrever minha desiderata sobre a XIV CNS:
1.     Desejo que a CNS cumpra a legislação, obedecendo a seus dois objetivos: avaliar a situação de saúde do Brasil e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde a ser implementada nos próximos quatro anos.
 
2.     Desejo que a CNS seja um momento de partilha em um banquete de democracia com a participação igualitária de todos os delegados.
3.     Desejo que se pratique a democracia participativa que discute regras previa e democraticamente, e depois de estabelecida as obedece e cumpre regras.
4.     Desejo que não se pratique nem predomine o democratismo anárquico onde tudo se pode e se legitima no decorrer do processo mesmo fora das regras.
5.     Desejo que nesta CNS os que mais sabem esclareçam os que menos sabem sem se apropriarem de suas almas e seus votos.
6.     Desejo que nem pessoas nem grupos manipulem os demais operando sobre seu menos saber de determinados assuntos e temas.
7.     Desejo que todos usem bem o tempo discutindo os temas propostos, democraticamente apresentados pelas conferências de cada estado e não se percam no processo.
8.     Desejo que as pessoas não sejam manipuladas por palavras de ordens nem por votações comandadas por grupos dominantes, mas que, democrática e soberanamente, possam tomar suas decisões.
9.     Desejo que as pessoas compreendam que a CNS tem limites de tempo já determinado por compromissos de trabalho, transporte e hospedagem e que o tempo deva ser aproveitado o melhor possível para que decisões importantes à vida de todos não sejam decididas na “madrugada” por apenas alguns da minoria remanescente.
10. Desejo que esta conferência traga sua contribuição na construção do direito à vida e saúde dos cidadãos a se concretizar através das ações públicas do Sistema Único de Saúde de responsabilidade das três esferas de governo.
 
Que assim seja. Amém.
 
2.  SEGUNDA PÁGINA - TEXTOS DE OPINIÃO DE TERCEIROS
CONFERÊNCIAS DE SAÚDE: O DESAFIO DE NÃO APENAS “FAZER MAIS DO MESMO”
Flavio Goulart – Médico Sanitarista; Doutor em Saúde Pública pela ENSP/FIOCRUZ
Vem aí a 14ª Conferência Nacional de Saúde, a sétima pós-redemocratização do País, parte de um processo constante e bem sucedido de ausculta à sociedade na área da saúde. É um campo em que o SUS tem muitas lições a oferecer às demais políticas públicas, inclusive a outros países. Temos muito a comemorar, sem dúvida, com tal processo, um marco democrático histórico. Mas muito a aprender com ele, também, e, principalmente, muito a aprimorá-lo.
Assim, vejo algumas tendências preocupantes hoje no cenário da participação social no Brasil, seja no contexto dos conselhos ou das conferências de saúde. São elas: (a) autonomização, levantando a expectativa social de que nos instrumentos de participação em saúde residiria, de fato e de direito, um quarto poder; (b) plenarização, mediante a transformação dos conselhos e conferências em amplos fóruns de debates profundamente marcados pela ideologia, entre os diversos segmentos sociais, nem sempre com a participação dos representantes do Poder Público, os quais, aliás, por definição normativa (e não propriamente legal), são fortemente minoritários em tais instâncias; (c) parlamentarização, com formação de blocos ideológicos e partidários, com tomada de decisão por votação, como conviria mais especificamente á atividade parlamentar e não por consenso; (d) profissionalização, dadas as fortes exigências da participação social, abrindo caminho para a constituição de verdadeiros profissionais da participação; (e) auto-regulação, que representa uma particularidade praticamente exclusiva da área da saúde.
A última Conferência Nacional de Saúde, a 13ª, realizada em 2007, foi dramaticamente marcada pelos aspectos citados acima. O nível de polarização entre os participantes produziu debates de grande tensão, muito dos quais se arrastaram pelas madrugadas e resultaram inconclusivos, para não dizer ilegítimos, prejudicando até mesmo serem devidamente registrados e divulgados com alguma clareza nosrelatórios formais do evento.
Não foram poucas as manifestações de delegados participantes da 13ª Conferência, denunciando o clima de cerceamento da liberdade de opinião e de irracionalidade do processo decisório calcado na marcação de posições e na disputas decididas por votação, não por consenso. Para se ter uma idéia, foi produzido quase um milhar de deliberações, além de algumas dezenas de moções, que primaram pela redundância, pela desinformação e pelo detalhamento excessivo, repisando temas já contemplados em leis e portarias do SUS, ou mesmo se referindo a competências externas ou até estranhas à saúde, como “abrir e conservar estradas para dar melhor acesso aos serviços de saúde”.
Em vista desses fatos e em que pese o esforço participativo e a contribuição para o aprimoramento democrático da sociedade em eventos desse tipo, a impressão que fica é que enorme energia foi, mais uma vez, dissipada e daí deriva a questão seguinte: haveria maneiras mais eficazes de se obter real contribuição das conferências de saúde para o aprimoramento e a qualificação do setor saúde no Brasil?
Com efeito, é preciso aperfeiçoar o processo decisório das conferências de saúde nas três vertentes federativas. O primeiro passo seria estipular o que deve ser efetivamente objeto de consideração nas conferências e, em contrapartida, nos conselhos de saúde. A Resolução 333 do CNS já fornece as pistas necessárias, quando dispõe sobre as ações de formular, mobilizar, fiscalizar, auto-regular-se, discutir, opinar, propor, exercer visão estratégica. Nesta última expressão talvez esteja a chave do dilema: o foco das conferências deveria estar exatamente no exercício de tal visão estratégica, mesmo que estejam em pauta ações de discussão de temas relevantes, fiscalização dos gestores, proposição de alternativas para a política de saúde etc. Isso retiraria as deliberações do cotidiano da gestão, para transformá-las realmente em guias para a ação de longo prazo.
Um pressuposto para tal mudança já faria parte do próprio modo como as conferências são preparadas. É correto que elas tenham um tema central. O da 14ª é de extraordinária abrangência, além de um tanto redundante: “Todos usam o SUS! SUS na seguridade social, política pública e patrimônio do povo brasileiro”, acrescido do eixo “acesso e acolhimento com qualidade – um desafio para o SUS. É preciso, de fato, ir além das palavras de ordem.
Quem já participou de conferências de saúde sabe muito bem que as plenárias constituem o grande momento (ou, em visão mais crítica, o momento mais “dramático”) do evento, tudo girando em torno delas. Só chegam perto delas, em termos de freqüência de participantes e peso político, as reuniões informais, “de corredor”, onde a verdadeira pauta é formatada, no mais puro estilo parlamentar, com blocos ideológicos e de interesses, disputas de posições etc. Os trabalhos de grupo talvez não cheguem perto... Tudo bem, isso faz parte da democracia, mas é preciso questionar se uma conferência de saúde tem condições de se constituir em algo mais do que uma “festa cívica” ou um processo parlamentar típico.
Outro aspecto que poderia melhorar a dinâmica das conferências de saúde seria transformá-las, também, em fóruns de avaliação das políticas em curso. Os eventos são marcados por um expressivo “furor deliberativo”, que nem sempre leva em conta – aliás, trata isso como aspecto secundário – a avaliação das políticas correntes. O resultado é a reiteração e a redundância, com emissão de propostas “miraculosas” e abrangentes, mas que na verdade já estão inteiramente contempladas nas leis e outros instrumentos normativos em vigor.
É preciso também colocar a tecnologia de informações disponível, algo que é bastante expressivo na saúde, a serviço do controle social.
As atividades pós-conferência também devem ser lembradas e dinamizadas. O procedimento habitual é, terminada uma conferência, publica-se o relatório final da mesma (sujeito, como se sabe, aos percalços de sua elaboração fiel em ambiente tão desorganizado e polarizado...) e simplesmente aguardam-se os quatro anos regulamentares para começar tudo de novo. Isso também pode e deve mudar. O ideal seria a criação e a manutenção de espaços e fóruns virtuais diversos (tipo Observatórios), de amplo acesso, onde o conjunto de deliberações fosse analisado e acompanhado ao longo do tempo, tendo como produtos derivados documentos analíticos de circulação ampla entre os conselhos de saúde e outros interessados, inclusive para a etapa preparatória da próxima conferência, quatro anos depois.
 
A participação e controle pela sociedade na saúde é coisa muito séria, a ser cuidada muito além do amadorismo, do voluntarismo e da improvisação. As Conferências de Saúde, nas três esferas federativas, em uma estimativa modesta, devem estar reunindo a cada quatro anos mais de cem mil pessoas, em todo o Brasil, para discutir e fazer propostas para a melhoria da saúde de nossa gente. Este volume de gente e de idéias tem que ser considerado e respeitado. É preciso deixar de lado os preconceitos e buscar novos conhecimentos da teoria das comunicações, da teoria da gestão pública e das tecnologias da informação para dinamizar, modernizar e tornar mais efetivo o que a lei chama simplesmente de “participação em saúde”. Mesmo o que está bom pode ser melhorado. Temos a opção de deixar tudo como está, pois afinal de contas esta tem sido uma trajetória virtuosa. Isso seria cômodo e além do mais consagrado pelo senso comum (“não se mexe em time que está ganhando”). Mas mesmo as grandes verdades devem ser continuamente questionadas. Fazer o que sempre se fez ou fazer cada vez mais as mesmas coisas pode ter outro lado também interessante: fazer melhor, produzir mais resultados, fazer com que as decisões tomadas em uma conferência de saúde possam melhorar, de fato, as práticas políticas nacionais e a própria situação de saúde da população brasileira. O SUS merece tal esforço.
 
3.  TERCEIRA PÁGINA – NOTÍCIAS
 
3.1 Os enormes desafios do Governo Dilma Rousseff e a 14ª Conferência Nacional de Saúde
25 agosto 2011 Sem Comentários
Por Ricardo Menezes (24/08/11)
Coincidindo com a vigorosa campanha popular pela aprovação das reformas de base durante o governo Jango Goulart, em 1963 realizou-se a 3ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), a primeira realizada depois da criação do Ministério da Saúde dez anos antes.
O ministro da Saúde do governo João Goulart, Wilson Fadul, ao abrir essa Conferência, apresentou um arrojado e crítico diagnóstico da organização sanitária brasileira – analisando de modo integrado a Saúde Pública e a rede de assistência médica individual privada e pública, ou seja, sinalizando para a necessidade de integração de atividades preventivas e curativas nas unidades de saúde. Além disso, alertou que os problemas de saúde não se resolvem divorciados da realidade social, propugnou a integração dos programas de saúde no plano geral de desenvolvimento econômico, defendeu o incentivo à pesquisa visando à correta solução dos problemas peculiares ao nosso meio, tratou do estímulo à formação de pessoal técnico que atendesse a demanda dos programas assistenciais e destacou a importância do fortalecimento da indústria farmacêutica estatal em face da desnacionalização do parque farmacêutico nacional. Ao final do seu discurso o ministro assim se manifestou:
“Meus senhores: A serena convicção de que somente os povos ricos desfrutam de padrões de saúde satisfatórios e de que a pobreza e o desenvolvimento fraudam os melhores esforços para se atingir aquele objetivo, leva-nos a saudar no advento das reformas de base por que luta o governo do presidente João Goulart, o instrumento indispensável ao êxito da missão que nos cabe da defesa da saúde do povo brasileiro.”
Pela primeira vez na nossa história um governo, e um presidente, se comprometia em investir no campo da Saúde de uma perspectiva democrático- popular.
O golpe militar de 1964 enterrou as reformas de base, junto com a pretensão de implantar-se um plano nacional de saúde assentado na solidariedade social, conforme eram concebidos pelas forças democráticas, populares, socialistas e libertárias.
Durante o Regime Militar (1964-1985) foram realizadas quatro Conferências Nacionais de Saúde – em 1967, 1975, 1977 e 1980 – cujos partícipes eram membros da burocracia sanitária. A 7ª CNS, realizada já no contexto da abertura lenta, gradual e segura, contou com 400 participantes. Além dos quadros técnicos das burocracias estatais, bem como de outros órgãos públicos do setor saúde, também compareceram representantes do clero, parlamentares de comissões da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. A ampliação da participação nessa Conferência para além da burocracia sanitária, embora sem incorporar representantes de movimentos e entidades populares, era o sinal dos tempos – determinado pelas inseparáveis crises política e de legitimidade do Regime Militar, a da previdência social e a da política de saúde nacional.
Já no período de democratização do país, de 17 a 21 de março de 1986, realizou-se a 8ª CNS, em meio à participação popular e à efervescência e mobilização políticas cuja melhor narrativa encontra-se na própria introdução do Relatório Final da Conferência:
“O presente relatório final reflete um processo de discussão, que iniciado nas pré-conferências preparatórias estaduais e municipais, culminou com a participação, na 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), de mais de 4.000 pessoas, dentre as quais 1.000 delegados. Este processo materializou-se nos textos, debates, mesas-redondas, trabalhos de grupos e seus relatórios, resultando neste documento aprovado na plenária final da Conferência.
As plenárias da 8ª CNS contaram com a participação efetiva de quase todas as instituições que atuam no setor, assim como daquelas representativas da sociedade civil, dos grupos profissionais e dos partidos políticos.
O documento apresentado para aprovação em plenária era o relato consolidado das discussões havidas durante três dias, nos 135 grupos de trabalho (38 de delegados e 97 de participantes), onde foram discutidos os temas: Saúde como Direito, Reformulação do Sistema Nacional de Saúde e Financiamento Setorial”.
Após intensa luta política e ampla mobilização social, as proposições do Relatório Final da 8ª Conferência Nacional de Saúde foram incorporadas à Constituição Federal (CF) de 1988 (Art. 196 a Art. 200, Seção II – Saúde, Capítulo II, Da Seguridade Social), sendo as mais marcantes o reconhecimento da saúde como direito social (Art.196) e a criação do Sistema Único de Saúde – SUS, público e universal (Art. 198).
Promulgada a CF de 1988, ato contínuo, deu-se o interdito político perpetrado pelas classes dominantes e seus agentes políticos contra a implantação de um Sistema de Saúde público e universal no Brasil, gerando um movimento político-institucional contraditório em face, tanto da existência de profundas desigualdades e iniquidades sanitárias no país, quanto da existência de uma esquerda social difusa e de uma esquerda política impetuosa que paulatinamente foi se moderando.
Este movimento levou à implantação de uma espécie de sistema de saúde-sombra daquele previsto na norma constitucional, hoje, paradoxalmente, agente de inclusão social e produtor de desigualdades cada vez maiores em benefício de cerca de 25% da população (que também se utilizam de diversos serviços do SUS, afora os relacionados à saúde pública que só o SUS presta) e em desfavor de aproximados 75% da população brasileira que são usuários dos serviços do SUS de qualquer natureza.
Fundamental salientar que foi na vigência do sistema de saúde-sombra daquele previsto na norma constitucional que transcorreram as eleições de 2010, na qual a Saúde transformou-se ineditamente em pauta relevante do debate presidencial.
Há anos considerada, em diversas pesquisas, pelos brasileiros como a principal insuficiência administrativa de governos, nas últimas eleições para a presidência da República, a então candidata do Partido dos Trabalhadores (PT) reconheceu os concretos problemas de financiamento público e de gestão da Saúde, portanto, a necessidade de corrigi-los. Eleita, a presidenta Dilma Rousseff, já em seu discurso de posse, fez várias menções à Saúde, sendo mais significantes as seguintes:
“O Brasil optou, ao longo de sua história, por construir um estado provedor de serviços básicos e de previdência social pública. Isso significa custos elevados para toda a sociedade, mas significa também a garantia do alento da aposentadoria para todos e serviços de saúde e educação universais. Portanto, a melhoria dos serviços é também um imperativo de qualificação dos gastos governamentais”.
“Consolidar o Sistema Único de Saúde será outra grande prioridade do meu governo.
Para isso, vou acompanhar pessoalmente o desenvolvimento desse setor tão essencial para o povo brasileiro.
Quero ser a presidenta que consolidou o SUS, tornando-o um dos maiores e melhores sistemas de saúde pública do mundo.
O SUS deve ter como meta a solução real do problema que atinge a pessoa que o procura, com uso de todos os instrumentos de diagnóstico e tratamento disponíveis, tornando os medicamentos acessíveis a todos, além de fortalecer as políticas de prevenção e promoção da saúde.
Vou usar a força do governo federal para acompanhar a qualidade do serviço prestado e o respeito ao usuário.
A formação e a presença de profissionais de saúde adequadamente distribuídos em todas as regiões do país será outra meta essencial ao bom funcionamento do sistema”.
Durante lançamento de programação voltada para a saúde da mulher e da criança, no mês de março do presente ano, a presidenta Dilma reafirmou seu compromisso com o Sistema de Saúde nacional, público e universal: “Temos que transformar o SUS num ótimo e grande sistema de saúde. A esse compromisso eu não renunciarei.”
Ou seja, pela segunda vez na nossa história um governo, e agora uma presidenta, se compromete em investir no campo da Saúde de uma perspectiva democrático-popular – para todos os brasileiros e todas as brasileiras.
Mas os lutadores sociais precisam estar rigorosamente atentos: atualmente, o desmonte do Sistema Único de Saúde é o principal objetivo de uma aliança entre conservadorismos de diversos matizes. A amplitude desse espectro conservador se espraia do conjunto da burguesia à subsumida indústria de equipamentos, produtos médicos e medicamentos, das empresas de planos e seguros de saúde privados a certos setores da categoria médica, dos meios de comunicação de massas à parcela das elites acadêmicas vinculadas ao mercado e entusiastas de soluções mercadistas para gerir a coisa pública, tais como: fundações de apoio em hospitais universitários estatais, organizações sociais (OS), organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP) e terceirizações as mais diversas.
Ressalte-se que tal aliança conta com forte presença na burocracia do Estado brasileiro – nas três esferas de poder –, forte presença nos governos municipais, estaduais e com presença, aqui e acolá, no governo federal, porém fora do âmbito do Ministério da Saúde.
Nestes termos, para tentar trilhar os rumos apontados na 8ª Conferência Nacional de Saúde e, assim, consolidar o SUS, o governo Dilma precisará contar com pujante apoio popular para se contrapor ao poderoso bloco de interesses que quer mercantilizar definitivamente o Sistema Único de Saúde: por um lado às expensas da privatização de equipamentos, serviços e ou recursos públicos e, por outro, danaturalização da institucionalização da desigualdade de acesso em função da possibilidade de pagar pelos serviços e da classe social na qual estão inseridas as pessoas.
A articulação de pujante apoio popular a que se referiu anteriormente precisaria se concentrar nos pontos que se seguem.
1. Organização de vigoroso movimento político dos trabalhadores destinado a colocar em marcha, país afora, uma avalanche de solidariedade em prol da definitiva consolidação da política pública universal de saúde, vital para o bem-estar social e a defesa da vida da população brasileira.
2. Transformar a 14ª Conferência Nacional de Saúde em evento massivo que venha a ser um elemento de ruptura – e sinalizador de lutas sociais – em relação à prática discursiva liberal ou socioliberal. É preciso afirmar e reafirmar: política pública universal de saúde não se faz sem Estado e desenvolvimento social não se sustenta sem um sistema tributário progressivo, ou seja, aquele em que deve pagar mais tributo quem tem mais renda e detém mais patrimônio!
A senha da 14ª CNS combina sobremaneira com tais elementos de ruptura: Todos usam o SUS! SUS na seguridade social, política pública, patrimônio do povo brasileiro.
3. A 14ª CNS deveria aprovar uma campanha de massas didática para demonstrar à população brasileira:
a) que o Sistema de Saúde nacional, público e universal, o SUS, embora padeça de crônico subfinanciamento, se presta à maximalização da lucratividade da rede de assistência médica, odontológica e hospitalar vinculada às operadoras de planos e seguros de saúde privados, substituindo-a na oferta dos serviços de saúde complexos e de alto custo, que as operadoras por força de contratos deveriam prestar aos seus afiliados, sem que haja efetivo ressarcimento ao SUS pelos procedimentos realizados;
b) a imensa renúncia fiscal que a União vem patrocinando, a partir de 1990, na Saúde em favor de estratos populacionais de renda média e alta, e
c) o impacto nocivo da denominada lei de responsabilidade fiscal sobre a organização do SUS. Ou seja: como a Saúde é campo intensivo em emprego de mão-de-obra, considerar os servidores desse campo para efeitos de cálculo da referida lei significa, na prática, introduzir elementos de sua inviabilização.
4. O Partido dos Trabalhadores (PT), agremiação política a qual é filiada a presidenta Dilma Rousseff, deveria aprovar no seu IV Congresso múltipla e diversificada campanha nacional de mobilização com a finalidade de apoiar medidas necessárias ao cumprimento do compromisso assumido com o povo brasileiro pela presidenta no seu discurso de posse: “Quero ser a presidenta que consolidou o SUS, tornando-o um dos maiores e melhores sistemas de saúde pública do mundo.
Ricardo Menezes é médico sanitarista e militante do PT
 
3.2 - ENTREVISTA SOBRE A 14ª CONFERÊNCIA NACIONAL DA SAÚDE
 
Entrevistamos o Educador Popular do CEAP e professor de Filosofia Valdevir Both. O entrevistado participou de forma sistemática dos debates do Fórum Social Mundial da Saúde e Seguridade Social desde a sua primeira edição em Porto Alegre e foi membro da Comissão Organizadora e da Secretaria Executiva da I Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento de Sistemas Universais de Seguridade Social realizado em Brasília no mês de dezembro de 2010. Na entrevista fala do desafio da 14ª Conferência Nacional de Saúde no sentido de relacionar o SUS a uma estratégia de desenvolvimento no Brasil, indicando a inclusão da saúde pública na centralidade do debate nacional.
CEAP: Prof. Valdevir Both, o Brasil realiza este ano a 14ª Conferência Nacional de Saúde. O que esperar desta Conferência?
Espero que a Conferência tenha um caráter político de defesa do SUS e não técnico ou temático. Me explico!
Estamos num momento em que o Brasil está apresentando ao mundo números muito importantes sobre a melhora das condições de vida da população. O IPEA, no seu Comunicado n. 104, de Agosto de 2011, após apresentar um estudo sobre a “a natureza e dinâmica das mudanças sociais em curso no país”, concluiu que a última década registrou, pela primeira vez na história brasileira, uma ruptura entre o fortalecimento da industrialização nacional e o aumento da desigualdade. O Brasil, segundo o IPEA, nos últimos dez anos, teria fortalecido a indústria nacional e, ao mesmo tempo, diminuído a curva da desigualdade. São parte destes avanços, a criação de postos de trabalho, o fortalecimento do poder de compra do salário mínimo, a adoção de programas de transferência de renda, etc. Esses dados, aliados a uma perspectiva futura de continuidade de enfrentamento da pobreza, sinalizam para a possibilidade de um novo modelo de desenvolvimento em curso no país, que articula crescimento econômico e a redistribuição de renda e melhora das condições de vida da população.
No entanto, se estes dados sinalizam para uma possível mudança no conceito de desenvolvimento no país, em que a agenda social figura como eixo estruturante e não como programas periféricos, em algumas políticas sociais específicas como a saúde os avanços parecem ser ainda muito tímidos nos últimos anos, de modo a comprometer a própria implementação do novo conceito de desenvolvimento. Esses avanços tímidos na saúde se mostram na crise generalizada que enfrentamos hoje na saúde pública, fruto da progressiva privatização e desestruturação do SUS, que impede a universalização de fato da saúde para todas e todos. Mesmo que tenhamos melhorado nossos indicadores da saúde e avançado significativamente em algumas políticas ou áreas específicas da saúde, estamos muito longe da “reforma sanitária” idealizada pela 8ª Conferência Nacional da Saúde de 1986. A 14ª Conferência deve dizer em alto e bom tom que não há desenvolvimento sem saúde de qualidade para todos. É uma contradição absoluta o Brasil rumar para 5ª economia mundial sem melhorar consideravelmente a saúde pública.
Quero dizer que o Brasil (políticos, movimentos sociais, empresários, profissionais da saúde, cidadãos...) ainda não entendeu ou não está convencido que a saúde é parte estrutural de uma agenda de desenvolvimento. Ainda não conseguimos entender, por exemplo, que um Sistema Único de Saúde é muito mais do que a prestação de ações e serviços em saúde. Ele é, ou poderá vi a ser, um dos maiores programas de transferência de renda do Brasil ao evitar que as pessoas invistam sua renda ou se desfaçam de seus bens para custear suas necessidades de saúde.
CEAP: Seria possível, portanto, explicar a não regulamentação da EC-29 que já dura mais de dez anos, como consequência de uma não compreensão do SUS como componente estratégico do desenvolvimento social brasileiro?
Diria que sim. A não regulamentação da EC-29 é típico exemplo da falta de visão estratégica do Brasil em relação à saúde pública. Mesmo que ela não resolva o nosso problema do financiamento da saúde, e precisamos ter ciência disso, a sua regulamentação poderia ser um passo a mais na qualificação do SUS. No entanto, o desfinanciamento da saúde pública indica que ela ainda figura apenas como um gasto e não como um investimento num projeto de desenvolvimento.
No entanto, no caso da EC-29, temos ainda outro fato que mostra essa incompreensão ou mesmo o descompromisso do Estado com a saúde da população. A EC-29 tem servido nos últimos anos como moeda de troca para muita negociação do Congresso Nacional com o governo federal, Estados, Municípios, partidos, etc. Mas, nos últimos dias, os congressistas conseguiram uma nova proeza. Ouvi estarrecido que deputados e senadores, ligados a algumas bancadas, estavam ameaçando aprovar a EC-29, o que aumentaria os gastos do governo com a saúde em alguns bilhões, em retaliação ao governo federal que estaria aumentando a fiscalização em alguns Ministérios como enfrentamento da corrupção. Pasmem! Até poucos dias apostava que a aprovação da EC-29 era fruto do compromisso dos congressistas para com os direitos do cidadão, que muitas vezes amarga longas filas ou paga o preço de um sistema ainda débil com a própria vida. Mas não, veio como proposta para retaliação política! Esse é o nível atual da discussão no Brasil. É óbvio que no exemplo não se incluem todos os deputados e senadores. Mas o fato de vir à tona uma proposta desta natureza mostra uma absoluta despolitização do debate e o absoluto desrespeito do Congresso e dos partidos para com os cidadãos.
CEAP: Mas o que tem a ver essa discussão com o que chamas da necessidade de uma Conferência Nacional da Saúde com caráter político e não técnico?
Tudo a ver. A Conferência tem hoje o desafio de pôr a agenda da seguridade social, na qual se insere a saúde, na agenda do desenvolvimento (num conceito ampliado) do Brasil. E isso não é um debate técnico ou temático localizado, mas profundamente político. Ficaria muito mais satisfeito se saíssemos da Conferência com 10 propostas apenas, mas com essa natureza política ampla, do que as 860 da 13ª, sem considerar as 157 moções. Uma Conferência com tantas propostas parece carecer de foco. Com isso não quero minimizar a importância e os esforços que são feitos, inclusive pela minha entidade, o CEAP, para que as Conferências se realizem. No entanto, acho que chegou a hora de inovarmos na metodologia e no conteúdo.
Do ponto de vista metodológico, sendo consequente ao afirmado anteriormente, deveríamos sair das quatro paredes em um dos dias da Conferência e ganharmos as ruas. Fazermos uma espécie de Marcha em defesa do SUS, em que caminhássemos pelas ruas com faixas, cartazes, apitos, em direção ao Congresso, Ministérios e visitarmos a presidenta Dilma.  Acho que o esforço e o custo de trazermos tantas lideranças da saúde à Brasília é muito grande para deixá-las quatro ou cinco dias fechadas para produzir quase mil propostas. O SUS precisa ganhar o espaço público, mostrar o que faz e qual a sua importância para o Brasil. Precisa seduzir a antigos e novos militantes. Que tal usarmos a Conferência para isso?
Sobre o conteúdo, acho que o fato de tratarmos da Seguridade é um ganho para a Conferência. Mas essa definição poderia ser acompanhada por uma dinâmica de mesas em que fossem convidados os Ministros da área econômica para discutir o papel do SUS para o Brasil. Algo como um debate com o Ministério da Fazenda, do Planejamento, do BNDS, que são no final das contas as áreas que destinam ou não recursos para a saúde. Seria importante um debate com essas áreas para que a sociedade tivesse um espaço real de se expressar sobre o papel e a relação do desenvolvimento econômico com o social. Temas sugeridos para esse diálogo: Reforma Tributária, política de distribuição dos recursos do Pré-Sal, etc. Sinceramente, acho que nossas Conferências estão voltadas para nós mesmos e temos muita dificuldade de dialogar com outras áreas sociais e econômicas.  Ou seja, ficamos entre quatro paredes e não falamos para ou com a população em geral (até porque a grande mídia não pauta). De outro lado, não conversamos ou exigimos respostas da área econômica do governo (mesmo que os presidentes participem da abertura da Conferência).
É por isso que falo que o desafio é político e não técnico. Nosso desafio na 14ª não é pormenorizar nos mínimos detalhes como devemos implementar um programa X ou Y ou brigar por horas e horas em função de nomenclaturas que em muitos casos não vão além de trazer apenas problemas particulares ou localizados de determinados participantes. Nosso desafio é construir estratégias para que o SUS definitivamente conste na Agenda Nacional e que seja transversal ao projeto de desenvolvimento em curso. Para que isso se materialize, a realização de uma Conferência é muito pouco. Por isso, penso que temos um desafio enorme, que se relaciona aos grandes movimentos sociais deste país. O SUS precisa constar na agenda de lutas dos movimentos antes, durante e principalmente depois das Conferências.
CEAP: E o tema da Seguridade Social contribui para isso?
Penso que sim. O Conselho Nacional da Saúde acertou em propor a discussão da saúde dentro do marco ampliado da Seguridade Social. Ouvi um conjunto de indagações de lideranças e conselheiros sobre o tema. Algo como: “porque este tema”?, ou afirmações como “não sabemos o que fazer com este tema” e “não tem nada a ver com a discussão da saúde”. Acho que essas reações mostram uma espécie de falta de memória histórica ou mesmo uma dificuldade enorme, que é ruim para o SUS, das pessoas compreenderem o SUS dentro de um conceito ampliado de Seguridade Social.
Ao propor o debate da Seguridade Social e a partir dela discutir a saúde, parece que estamos retomando a necessária relação da saúde com outras áreas sociais, mas também buscando a importância da saúde como elemento estratégico do desenvolvimento brasileiro e mesmo mundial. Foi essa a importante mensagem final da I Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento de Sistemas Universais de Seguridade Social, realizada no Brasil em dezembro de 2010 e que reuniu representantes de governos e da sociedade civil de mais de oitenta países. O desafio é que esse movimento mundial em prol do direito humano à seguridade social, que implica discutir o papel do Estado, seja continuado dentro dos países e em nível mundial. Para o Brasil, esse debate indicou a importância estratégica de realizarmos uma Conferência Nacional da Seguridade Social. Em nível mundial, o Fórum Social Mundial da Saúde e Seguridade Social, realizado no Senegal em fevereiro de 2011, indicou a importância da realização da II Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento de Sistemas Universais de Seguridade Social, sugerida para 2013. Afinal, o contexto atual, dentro do qual estamos realizando o processo da 14ª, é de uma profunda crise do modelo capitalista, e quem paga a conta dessa crise já sabemos quem é. Afinal, uma das primeiras medidas adotadas pelos governos, inclusive de países ricos e que têm uma longa trajetória de implementação de Sistemas Universais de Seguridade Social, é cortar gastos na área social, na saúde, educação, etc. Mais uma vez a velha receita, “o mais do mesmo”, se repete...
Fonte: Boletim CEAP - Ano 4 - Nº 7 - Jan/Jul/2011        Disponível em:www.ceap-rs.org.br
 
3.3 CONFERÊNCIAS DE SAÚDE? PARA QUÊ?  DANIEL CHUTORIANSCY – 26/10/2011
 
Em primeiro lugar, o que são as Conferências de Saúde? As municipais, que deveriam ser realizadas em todos os municípios do país; as estaduais, em todos os estados; e a nacional. Todas acontecem a cada quatro anos, há aproximadamente cinqüenta anos, com três segmentos: os profissionais de Saúde, os trabalhadores de Saúde e a população, sendo os delegados eleitos paritariamente ao final de cada Conferência, da municipal para a estadual e desta para a nacional.
Mas conferenciar sobre o quê? A cada Conferência que se segue, é cada vez mais complicado e difícil o acesso e a divulgação; a cada Conferência faz-se uma listagem imensa de reivindicações justas, que geralmente não são atendidas pelos gestores ou pelos governos municipal, estadual e federal, gerando uma imensa frustração a cada quatro anos, ou seja, o que se reivindicou virou de “cabeça para baixo”. É o mal-estar causado pela Saúde que a população deseja, contra a ganância dos lucros através da Doença.
Não vejo mais sentido sobre o que conferenciar, basta do diálogo unilateral e ultrapassado de antigas e justas reivindicações que nunca acontecem, ou melhor, acontecem justamente no sentido inverso: a privatização e extinção do Serviço Público com as famigeradas OSS (Organizações Sociais(?) de Saúde), que nada mais são do que empresas privadas.
Não vejo mais sentido sobre o que conferenciar quanto à crescente falta de verbas para a Saúde, a Educação, a Cultura etc. etc., com a antiqüíssima justificativa “não temos recursos”, porém, com o pagamento de mais de 50% do PIB (aquilo que todo o país produz) para os banqueiros e multinacionais. Para isso, nunca faltam recursos e o pagamento é feito sempre no prazo certo.
Conferenciar sobre o quê? A corrupção desenfreada na área da Saúde, o mar de lama e esgoto, de desvios astronômicos, sem nenhuma punição? Como se fosse a coisa mais normal do mundo desviar recursos da Saúde, sem a menor fiscalização? Será isso por acaso? A população que reivindica atenção primária, secundária e terciária nas Conferências continua sendo aviltada, massacrada, com o que resta das instituições públicas, totalmente decadentes, “caindo aos pedaços”, além dos salários indignos dos funcionários. A imensa corrupção não deixa chegar na “ponta” (as Unidades de Saúde) o mínimo: gaze, esparadrapo, filme de raio-x...
Como o mais votado delegado no setor Trabalhadores de Saúde na última Conferência Municipal de Saúde de Niterói-RJ, fui eleito para a Conferência Estadual, no momento em que o governo do estado do Rio de Janeiro e a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro aprovaram leis que privatizam os serviços de Saúde, o que vai desencadear uma cascata de leis de igual teor e terror nos demais estados brasileiros, desembocando no Governo Federal. Mídias adestradas, câmaras de vereadores e deputados obedientes só facilitam esse processo de adoecimento das instituições e da população.
Conferenciar sobre o quê, se as administrações dos hospitais e Unidades de Saúde serão privatizadas e terão “duas entradas, duas portas” – uma para quem possui recursos, outra para o “povão”?
Não é preciso conferenciar para saber o que vai acontecer... Não é preciso conferenciar para entender que o hospital público funcionando adequadamente fecha qualquer instituição privada a sua volta. Portanto, para o modelo capitalista-neoliberal, adoecer e “cancerizar” a instituição pública é necessidade vital.
Chega de enganação, de ficar “ganhando tempo”. A minha posição pode parecer radical, respeito as demais, mas não faz sentido ir a mais uma Conferência. Nego-me a ir.
Conferenciar, dialogar com quem? Com aquele que necessita da doença, da barbárie, da dor, da perversidade, do lucro, da ganância, pressupondo nossa alienação, pressupondo nossa total ou parcial perda de consciência, em um país onde há a mais alta taxa de juros do planeta, salários aviltantes, justiça precaríssima, doenças crônicas e sócio-sanitárias em escalas assustadoras, falta de informação, prevenção, medicamentos, equipamentos?
País campeão mundial em acidente vascular cerebral, em consumo de agrotóxicos, mas que para as elites proporciona cada vez mais conforto, recursos, boa educação, bons laboratórios, medicamentos, equipamentos... Um outro mundo?
Chega de Conferências, queremos “pular a cerca”, derrubá-la, romper o arame farpado que nos separa da Saúde. A minha forma de protestar pode não ser a da maioria, que respeito, é assumir e resguardar as nossas Unidades de Saúde antes que nos sejam tomadas definitivamente. Não é conferenciando com alguém “invisível”, que nunca nos deu atenção, nem vai dar, e que só quer ganhar tempo e nos desgastar, nos “adoecer”.
A nossa saúde clínica e social depende da posição que tomarmos. Vamos à luta. O que perderemos? Poderemos perder se ficarmos paralisados. Aí, sim, estaremos perdidos. Ir à luta nas ruas, nas unidades de saúde, repetindo o papel de mil cidades no mundo, que protestaram e assumiram sua posição contra a opressão do capitalismo selvagem que barbariza este planeta.
Não será conferenciando eternamente com o inimigo que se vai resolver a questão. Ninguém quer adoecer, mas esse inimigo perverso e cruel precisa e quer nos adoecer.
A população brasileira quer, ou melhor, exige que as unidades de saúde públicas funcionem como devem, com bons serviços, voltadas para a justiça social, para a democracia, excluindo os “chupadores de sangue”, gananciosos e sedentos de lucros.
A população brasileira quer, ou melhor, exige que seja cumprido o primeiro princípio do Direito: a vida. Vida é Saúde, Saúde é transformação social e as transformações exigem sacrifícios.
Já conferenciamos demais. Agora, é hora das ações.
Daniel Chutorianscy é médico
BOA SEMANA
 
 
 VALDEVIR- ENTREVISTA 14ªCNS
 
 CONFERÊNCIAS DE SAÚDE NÃO FAZER MAIS DO MESMO 26 ago (2)
 


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