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2016 - Domingueira da Saúde 026/2016

 É IMPORTANTE ESCLARECER: A PEC 241 EMPURRA O SUS PARA A UTI

Carta Aberta ao Sr. Deputado Darcisio Perondi (1º de setembro de 2016)

Francisco R. Funcia – economista e mestre em economia política pela PUC-SP

Áquilas Mendes – professor de economia da saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP

 

Caro Deputado Darcisio Perondi,

Temos acompanhado ao longo das últimas décadas a sua atuação em prol do fortalecimento do processo de financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Por isso, estranhamos muito sua atual posição francamente favorável à aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 241/2016 (PEC 241), inclusive ao assumir sem questionamento a posição da área econômica do governo de que “não haverá perdas para o financiamento da saúde e da educação”. Deduzimos que esta é a sua posição depois de ouvirmos a “Rádio Perondi”, de 30/08/2016, disponível em http://darcisioperondi.com.br/wp-content/uploads/2016/08/saude-e-educa%C3%A7ao-na-PEC-241.mp3 (acesso em 31/08/2016); nela, está reproduzido um áudio em que tanto o locutor, quanto o Secretário Executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia, afirmam categoricamente que não haverá perda para o financiamento da saúde e educação, pois a aplicação mínima estabelecida pelas regras atuais estará garantida para os próximos anos graças à correção pela variação da taxa de inflação.

Gostaríamos de esclarecer que se trata de uma afirmação que não se sustenta com uma análise para além do que aparenta ser, pois:

1)      
Como afirmar que não haverá perda para o SUS, se o “piso” que será projetado para os próximos 20 anos (de 2017 a 2036, se a PEC for aprovada em 2016) tomará como base de cálculo o valor da aplicação mínima estabelecida para 2016 (13,2% da Receita Corrente Líquida) corrigido tão somente pela variação da taxa de inflação medida pelo IPCA? Não haverá crescimento demográfico nesse período? Os custos crescentes para a atenção à saúde decorrentes da mudança do perfil demográfico (aumento da participação da população acima de 60 anos) e da incorporação técnico-tecnológica do setor saúde deixarão de existir? “Congelar” os gastos do SUS, e os demais gastos sociais, nos padrões mínimos válidos para 2016 trará uma

deterioração das condições de vida da população com efeitos negativos superiores a 20 anos.

2)     O Sr. Eduardo Guardia, que assumiu cargo faz pouco no Ministério da Fazenda, talvez não tenha tido tempo de se atualizar com as informações referentes aos gastos federais em saúde. Mas, o senhor, Deputado Perondi, conhece o processo de subfinanciamento histórico do SUS e sabe também que a EC 86/2015 representou um grave retrocesso para o financiamento da saúde pública no Brasil. Portanto, “congelar” nesse padrão mínimo de 13,2% da Receita Corrente Líquida (RCL) é um grave erro de consequências trágicas para a saúde da população, considerando que em 2014 e 2015 foram aplicados 14,3% e 14,8% da RCL respectivamente, nos termos da EC 29/2000, cuja regra da aplicação mínima não era a receita corrente líquida. Seria oportuno que o senhor, Deputado Perondi, alertasse ao Sr. Henrique Meirelles e ao Sr. Eduardo Guardia que os gastos federais em saúde estão congelados faz muito tempo entre 1,6% e 1,7% do PIB. Com a regra da PEC 241/2016, haverá uma queda bastante grande destes percentuais de aplicação. O Grupo Técnico Interinstitucional de Discussão sobre o Financiamento do SUS projetou uma perda de R$ 645 bilhões no período de 2017 a 2036 (período de vigência da PEC 241), considerando um crescimento modesto do PIB de 2% ao ano e uma projeção anual do IPCA em torno de 4,5%.

3)      Entretanto, se aplicar acima do mínimo foi possível pontualmente e esporadicamente num cenário em que a execução orçamentária estava disciplinada pelos Decretos de Contingenciamento do Poder Executivo, em que os remanejamentos de recursos entre os ministérios dependiam de decisões tão somente no âmbito administrativo. Com a aprovação do mecanismo constitucional de “teto” das despesas primárias da PEC 241/2016 haverá muito mais dificuldade em se conseguir uma alocação de recursos superior ao mínimo para a atender às necessidades de saúde da população, além do que esse mínimo ficará desvalorizado e depreciado nesse período de 20 anos em comparação ao que ocorreu no período 2000-2015 com a vigência da EC 29/2000.

4)     É surpresa para os economistas que acompanham a conjuntura a afirmação anunciada pelos Sr. Eduardo Guardia sobre a situação da economia brasileira. Por acaso, o Sr. Secretário tem informações de que a taxa de inflação, que se elevou em 2015, e que já está em processo de queda em 2016, voltará a subir em 2017 e assim permanecerá nos próximos 20 anos (tempo de vigência da PEC 241)? Se ele responder isto afirmativamente, assumirá que o mecanismo da reindexação da economia, que foi reduzido a partir do Plano Real, voltará com toda a força e, aí sim, haverá uma explosão inflacionária. Será este o resultado esperado para a política econômica da equipe da Fazenda comandada pelo Ministro Meirelles? É claro que não!

5)      Na verdade, há probabilidade da economia voltar a crescer a partir de 2018 ou 2019 e, consequentemente, a arrecadação federal voltará a crescer, de modo que, se a PEC 241 for aprovada, os ganhos decorrentes desse crescimento não serão repassados proporcionalmente para saúde e educação, nem para a seguridade social e nem para atender aos demais direitos sociais inscritos na Constituição-Cidadã,  mas servirão exclusivamente para a formação do superávit primário nos próximos 20 anos para pagamento de juros e amortização da dívida pública. Em outras palavras, se aprovada a PEC 241/2016, estará autorizado um brutal processo de transferência de recursos originalmente destinados para atender às necessidades de 206 milhões de brasileiros para beneficiar alguns pouco credores de títulos da dívida pública.

Para terminar, Deputado Perondi, pedimos para que seu espírito em defesa do interesse público prevaleça para ajudar a população brasileira: impeça a adoção de medidas de ajuste fiscal que não recaiam única e exclusivamente sobre a maioria da população; é isto que ocorrerá com o “teto” de despesas primárias (que incluem as sociais) baseado no “congelamento” dos valores nos níveis de 2016 se a PEC 241 for aprovada. Não estamos contra a necessidade de ajuste fiscal, mas sim quanto à forma escolhida pela atual equipe econômica, pois reduzirá os gastos em ações que representavam os direitos de cidadania duramente conquistados com a Constituição de 1988 e, além disso, manterá a recessão por mais um ou dois anos, cujos beneficiados são aqueles que recebem juros de aplicação financeira. O setor produtivo é o mais prejudicado com essa recessão.

A equipe econômica do Ministro Meirelles não acenou em nenhum momento nestes últimos 100 dias com medidas concretas que possibilitassem outras formas de realização do ajuste fiscal pretendido, como exemplo, a redução da renúncia de receita (os chamados gastos tributários, da ordem de R$ 300 bilhões, segundo o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2017), inclusive para a área da saúde com o montante da renúncia associado ao Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, a recriação de uma tributação, ainda que temporária, das grandes movimentações financeiras (para enfrentar também a elevação brutal do deficit primário para R$ 173 bilhões promovida pelo atual governo nos últimos 100 dias), mas tão somente escolheu o corte de despesas primárias (incluindo as sociais) que deteriorarão bastante a situação de vida da grande maioria da população brasileira.

A necessidade de ajuste fiscal não significa que exista apenas essa forma baseada exclusivamente em corte de gastos que atingirão a maioria da população. A não ser que se pretenda preservar os interesses de uma minoria da população, detentora de títulos da dívida pública. Cremos, Deputado Perondi, que não seja esta a sua escolha, considerando a sua trajetória histórica em prol do SUS. Sabemos dos compromissos que talvez o senhor tenha que assumir com aqueles que hoje estão no comando político do país, mas lembre-se de sua história em defesa do SUS e do seu compromisso como deputado na defesa do interesse público acima de qualquer outro.

 

 Domingueira da Saúde - 026 2016 - 04 09 2016

ANEXOS:

 1 - Judicialização na Saúde: Para sair da superficialidade é preciso enfrentá-la por Thiago Lopes Cardoso Campos

 2 - Legislação Básica em Saúde Pública – SUS – Sistema Único de Saúde – Versão 22.8.2016 por José Adalberto Dazzi

Texto anexo de terceiro é de estrita responsabilidade de seu autor.



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