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Cadu e o tratamento psiquiátrico

12 de setembro de 2014
 
Antônio Geraldo da Silva
 
Reinserir os doentes mentais na sociedade é fundamental. A política adotada pelo Ministério da Saúde, no entanto, é equivocada
 
A recente prisão do jovem Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, mais conhecido como Cadu, assassino confesso do cartunista Glauco e de seu filho Raoni, em 2010, suscita um debate que vai muito além de atribuir ou não culpa ao jovem. Diagnosticado como esquizofrênico quando do assassinato do cartunista e de seu filho, Cadu agora é apontado como um assassino frio, que não padece de doenças mentais. Carlos Eduardo será indiciado sob suspeita de crimes cometidos em Goiânia, entre eles, latrocínio.
 
O tratamento psiquiátrico recebido por Carlos Eduardo nos últimos quatro anos foi posto em xeque. Afinal, o jovem teria ou não condições de responder por seu crime em liberdade, por ser inimputável? Sua periculosidade teria cessado? Quem deu o laudo foi um psiquiatra forense? A juíza responsável pelo caso afirma que se ateve tão somente em cumprir a lei.
 
O caso é oportuno para pontuarmos alguns aspectos acerca do atendimento psiquiátrico prestado atualmente no Brasil. Reinserir os doentes mentais na sociedade é fundamental. A forma adotada pelo Ministério da Saúde, no entanto, é bastante questionável.
 
Desde 2002, o governo federal optou por uma política equivocada: fechar hospitais psiquiátricos e reduzir vagas em hospitais de custódia em todo o Brasil. Essa estratégia é nociva, não somente aos pacientes, mas também às suas famílias e à sociedade brasileira, como ocorre agora com essa tragédia na capital do Estado de Goiás.
 
A aposta do governo é nos CAPs (Centros de Atenção Psicossociais), uma tentativa de integração do doente mental sem internação. A questão é que, muitas vezes, os CAPs não contam nem mesmo com o serviço de psiquiatras. A população carece de um projeto terapêutico eficiente e de acordo com as necessidades dos doentes, seja de forma ambulatorial, preferencialmente, ou com internação, em casos de transtorno mais graves.
 
Periculosidade não pode ser confundida com doença mental: a reincidência no crime de um doente psiquiátrico é de apenas 5% a 7%, enquanto entre os demais criminosos é de 70%. A maioria dos casos de pessoas que cometeram crimes (95%) não são doentes mentais.
 
É preciso considerar que o paciente psiquiátrico acusado de crime tem peculiaridades e especificidades na análise de risco além da doença mental em si, como uso de drogas e de álcool, transtornos de personalidade e psicopatia, dificuldade em aderir ao tratamento, falta de suporte social e antecedentes criminais. A realidade é que a avaliação desses outros fatores é feita de forma superficial hoje no Brasil. O intensivo acompanhamento do paciente após a alta da internação também está longe de ser praticado.
 
Doente mental tratado e bem assistido não é perigoso à sociedade. Reiteradas vezes, a Associação Brasileira de Psiquiatria se colocou à disposição do Ministério da Saúde para auxiliar na construção de uma estratégia mais efetiva de assistência e de tratamento aos doentes mentais. O governo federal, no entanto, insiste na política que já se mostrou ineficiente.
 
A melhoria da assistência passa, fundamentalmente, pela formação de uma rede assistencial integral, do atendimento básico ao hospitalar especializado. Também não podem ser ignoradas a reforma e ampliação dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico (HCTPs, os antigos "manicômios judiciários").
 
A realidade é que, sem isso, as autoridades perdem tempo enxugando gelo e a sociedade continua à mercê de tragédias como a que ocorreu em Goiânia.
 
ANTÔNIO GERALDO DA SILVA, 51, é presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria
 
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br - www.folha.com/tendencias
 
Fonte: Folha de S. Paulo


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