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2014 - 45 - 725 - DOMINGUEIRA - DOIS GOLPES CONTRA O SUS: PEC 358 E ACOMODAÇÃO ESPECIAL NO SUS PARA QUEM PAGAR

1°- GOLPE
PEC 358 – A SAÚDE PERDE RECURSOS FEDERAIS (CONTRA A POPULAÇÃO E A FAVOR DO GOVERNO COM CONIVÊNCIA DO CONGRESSO: SENADORES E DEPUTADOS)
Nota sobre a PEC 358: Golpe contra controle social e iniciativa popular
Conselho Nacional de Saúde e entidades do Movimento Saúde + 10 vêm mostrar sua indignação com a falta de respeito à democracia participativa.
Congresso Nacional ignora o apelo de mais de 2,2 milhões de brasileiros que exigem mais financiamento para a saúde pública. Deputados estão alheios às pautas a serem votadas na Câmara dos deputados.Enquanto o PLP 321/2013, que obriga a União a investir 10% de sua receita bruta em ações e serviço de saúde, tramita a passos lentos no Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados, ignorando o apelo dos mais de 2,2 milhões de brasileiros que assinaram a proposta, aprovou na última terça feira (7) em 1º turno a PEC 358, que representa um verdadeiro golpe ao projeto de iniciativa popular. A PEC 358 é um desmembramento da PEC 22-A, conhecida como PEC do Orçamento Impositivo, cujo objetivo principal seria tornar obrigatória a execução de emendas parlamentares (que permitem a alocação de recursos públicos em função de compromissos políticos assumidos por parlamentares durante seu mandato), e criar uma fonte de financiamento permanente para a saúde, baseada na receita corrente líquida da União, contrariando a proposta do PLP 321. Enquanto a primeira proposta traria benefícios para a saúde pública brasileira, a segunda gerou controvérsias, já que propunha um orçamento para a saúde inferior àquele solicitado pelo projeto de iniciativa popular. Por esse motivo, as propostas foram desmembradas para que pudessem ser votadas separadamente. Na última semana, as duas propostas foram novamente unidas e aprovadas no dia 7 de maio, em 1º turno, na Câmara dos Deputados. Segundo conselheiros nacionais de saúde que se mobilizaram para estarem presentes na votação, realizada sem nenhuma divulgação prévia, muitos dos deputados sequer sabiam que a proposta de financiamento para a saúde seria votada naquela sessão.Conselheiros nacionais de saúde e integrantes do Movimento Nacional em Defesa da Saúde Pública se mobilizaram para preparar destaques, que foram levados aos deputados favoráveis ao PLP321/2013 e apresentados por esses na sessão plenária. Os principais destaques apresentados foram para supressão do trecho que modifica o artigo 198 da Constituição Federal, que trata do financiamento da saúde, e para retirada do artigo que integra os royalties do petróleo ao orçamento mínimo da União a ser gasto em saúde. A partir do dia 12 de maio os destaques podem ser votados a qualquer momento. Mas qual é o impacto da aprovação da PEC 358?           Hoje, a Constituição obriga a União a gastar em saúde o que foi gasto no ano anterior mais a variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) dos dois anos anteriores. Diante dessa ausência de um piso orçamentário, o PLP 321 veio para obrigar a União a gastar em ações e serviços sanitários pelo menos 10% de suas receitas correntes brutas, aumentando o orçamento da saúde em 33 bilhões de reais. A PEC 358 prevê que serão gastos em saúde 13,2% da receita líquida da União no primeiro ano de vigência da lei (2014) chegando ao teto de 15% em 2018, o que representaria um incremento de apenas R$ 8,5 bilhões. Lembramos que, em 2009 foi aplicado em saúde 13,3% da receita líquida da união em saúde. Por que, mesmo diante de tanto apelo popular por mais recursos para a saúde, o governo prevê que, 3 anos depois, seja aplicado um valor menor (13,2%)? Quando se criam propostas de aplicação mínima de recursos, normalmente há uma lei que prevê revisão orçamentária após determinado período de tempo, para que os valores sejam revistos e reconsiderados. A PEC 358, ao contrário disso, diz que os recursos não serão modificados através de lei complementar. Ou seja, para rever esses valores será necessária outra emenda constitucional, outro longo e dolorido processo na luta por mais recursos para a saúde. Além disso, se a PEC for aprovada, ofinanciamento do SUS terá outra perda: 25% dos recursos do “Pré-Sal” que seriam destinados para o financiamento do SUS como aplicação adicional ao financiamento da saúde, segundo artigos 2º e 3º da Lei nº 12858/2013, passarão a integrar o piso mínimo da saúde. As emendas parlamentares também serão incluídas no piso mínimo, representando uma perda de financiamento de cerca de R$ 2,8 bilhões, considerando os valores de 2013.O Conselho Nacional de Saúde, as entidades que integram o Movimento Saúde + 10 juntamente com os mais de 2,2 milhões de brasileiros responsáveis pelo maior projeto de iniciativa popular do Brasil vêm mostrar sua indignação com a falta de respeito à democracia participativa. Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde, entidades e povobrasileiro: a participação popular é uma diretriz do SUS e um trunfo da Constituição brasileira. Precisamos fazer valer esse direito! Não podemos deixar que manobras parlamentares e interesses individuais calem a força de 2,2 milhões de vozes que clamam por mais financiamento para garantir saúde pública, gratuita e de qualidade. Mobilize sua comunidade, e não deixe de acompanhar as últimas notícias através do site do CNS. Vamos junto ao Congresso Nacional reforçar: “nem menos, nem depois 10% da receita bruta já”!
 
 
2° GOLPE
ACOMODAÇÃO ESPECIAL NO SUS PARA QUEM PAGAR
 
Dia 26 de maio haverá Audiência Pública no Supremo Tribunal Federal com o tema Acomodação Especial no sus mediante pagamento por fora do cidadão. Tudo se iniciou no RS e vem se arrastando durante anos. Ministro Tófoli preferiu ouvir interessados. Não bastava ler a CF, a LC 141 e a 8080? Ou pagar por fora depende de decisão judicial? Veja texto de chamamento à audiência em documento anexo com relação dos que usarão da palavra.
 
 
1.  PRIMEIRA PÁGINA - TEXTOS DE GILSON CARVALHO
A NOVIDADE: DOIS SUS – O SUS-PPM E O SUS-PRN
         Gilson Carvalho
INTRODUÇÃO
Hoje recebi de minha amiga Lourdes Lemos, susista de primeira hora e a bom  quilate, o texto abaixo que elaborei em dezembro de 2004. Na época, na antevéspera de Natal de 2004, o redigi para denunciar um projeto de lei que não vingou, mas que permitia a cobrança por fora, oficial, dentro do SUS.
Hoje, revisitando minhas últimas domingueiras antes do pitstop inexorável e obrigatório,  deparei com a Domingueira – 517, da BESTA FERA SOLTA que alerta para a decisão judicial  permitindo que houvesse cobrança por fora para procedimentos, internações, profissionais etc.
Não sei se foi esta a intenção da amiga Lourdes, mas valeu para que remasterizasse meu próprio texto atualizando-o para maio de 2010. Muitas vezes sou acusado de “infundados medos”, de ver fantasmas onde não os há. Entretanto, só tenho a lamentar não mostrar mais o olhar do contraditório. No meio de muita gente comprometida com a defesa suprema da vida-saúde, universal e integral,  acho que cada vez mais gente entra na inapetência das lutas. Não sei se esta inércia  e imobilismo tem outras causas, mas o que tenho visto e ouvido: “não adianta ficar brigando”; “isto é complicado demais”; “nada vai para a frente”; “temos que refundar o SUS e fazer a reforma da contra-reforma”!!!
Vamos à remasterização.
 
DIÁLOGO INSÓLITO  DE PORTA DE HOSPITAL
“Chega uma gestante à porta do hospital.  Em meio às dores de parto trava-se o seguinte diálogo: 
- Qual é o convênio? pergunta o recepcionista. 
- Não tenho convênio, responde a gestante. 
- Então vai se internar pelo SUS? 
- Claro pois,  tenho direito ao SUS e não pago nenhum outro convênio. 
- Você quer se internar pelo SUS de “primeira, segunda, terceira, quarta ou quinta classe”? 
- Mesmo sendo pelo SUS eu posso escolher? Explica para mim, o que é isto de “primeira , segunda ...classe”? 
- Se você quiser se internar de “primeira classe”, pelo SUS, você escolhe o médico que quiser e fica num apartamento tipo suíte, recebe flores, tem frigobar, televisão  e uma cama especial para acompanhante. 
- E de segunda, como é? 
- Você escolhe o médico, mas tem um apartamento simples. Na terceira o médico é o plantonista,  e o apartamento é simples. Na quarta é atendida peloplantonista e vai para um quarto comum, sem acompanhante. Na quinta classe  é atendida pelo plantonista e vai para enfermaria. 
- Eu quero me internar de “primeira classe” pelo SUS. 
- Neste caso o SUS não paga a diferença e quem vai pagar é a senhora. O SUS só dá direito à internação em enfermaria. Na primeira classe vai pagar umadiferença de honorários médicos e do hospital. 
- Quanto é a diferença? 
- A parte do médico deverá ser acertada diretamente com o médico que a senhora escolher.  A parte do Hospital, para o seu parto, é de 10 salários. Se forem gêmeos o valor é maior, tanto do médico, como do hospital. 
- Puxa, é muito caro! Quanto  custam as outras classes? 
- A segunda, médico e hospital, ficam em 20 salários, a terceira em 15, aquarta fica em 10. E a quinta classe não paga nada,  pois,  é pelo SUS. 
- Do hospital você explicou que tem diferença nos quartos, um é suíte, outro apartamento, outro é quarto e outro é enfermaria. Mas, qual é a diferença do tratamento do médico? O que ele faz de diferente quando a gente paga a ele, por fora,  uma diferença? 
-  Isto você conversa com o médico e pergunta para ele, pois, só ele pode explicar o que ele vai fazer a mais e de  diferente. 
-  Não tenho dinheiro, vou ter que internar pelo SUS. 
-  Só que, pelo SUS....  não tem mais vaga, minha senhora. Estão todos os leitos ocupados. Só tem vaga hoje “na primeira e na segunda classe.”
Cai o pano.
 
2. O FATO NOVO NA PRAÇA
Por que este bate-papo inusitado? Esta  é uma reedição de papos ocorridos, em centenas de hospitais brasileiros, num período pré-sus. Mas, também, é um bate-papo antes futurista e agora real, plausível e possível. Por decisão judicial, já é possível este diálogo na cidade de Giruá, no Rio Grande do Sul  na porta de hospital contratado-conveniado que atende o SUS. Existe uma decisão judicial  que acaba com a universalidade e igualdade do SUS. Em tempo, gratuidade não existe em nenhuma ação do governo que tudo faz ou deixa de fazer com nosso dinheiro e sempre em forma de pré pagamento. Vamos dizer de maneira diferente.  Vai permitir que as pessoas que se internem pelo SUS paguem mais uma vez a título de complementação aos hospitais e aos profissionais médicos quando optarem por ficar em apartamento.  Sob o manto e o falso argumento de ser melhor para os cidadãos. Melhor para que classe de cidadãos?
Vejam a “pérola” da decisão judicial. Tão sucinta e tão desastrosa, para a cidadania e universalidade do direito igualitário à saúde.
O início de tudo foram 11 ações movidas pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul com aplicação em  Porto Alegre e dez outras cidades. No momento a decisão foi sobre Giruá.
Houve uma época anterior ao SUS em que o INAMPS que era o sistema previdenciário e não universal, permitiu que se cobrasse uma diferença até uma vez a tabela do INAMPS quando o previdenciário escolhia acomodação em apartamento individual.
A decisão do Supremo Tribunal Federal foi do final de 2009. Ela tem o seguinte texto:
“DECISÃO: controvérsia jurídica objeto deste processo já foi dirimida pela colenda Primeira Turma deste Supremo Tribunal Federal (RE 226.835/RS, Rel. Min. ILMAR GALVÃO):“Direito à saúde. ‘Diferença de classe’ sem ônus para o SUS.  Resolução n. 283 do extinto INAMPS.  Artigo 196 da Constituição Federal. - Competência da Justiça Estadual, porque a direção do SUS, sendo única e descentralizada em cada esfera de governo (art. 198, I, da Constituição), cabe, no âmbito dos Estados, às respectivas Secretarias de Saúde ou órgão equivalente. - O direito à saúde, como está assegurado no artigo 196 da Constituição, não deve sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele. Inexistência, no caso, de ofensa à isonomia.Recurso extraordinário não conhecido.” (RE 261.268/RS, Rel. Min. MOREIRA ALVES)  Cumpre ressaltar, por necessário, que esse entendimento vem sendo observado em sucessivos julgamentos, proferidos no âmbito desta Corte, a propósito de questão essencialmente idêntica à que ora se examina nesta sede recursal (RE 228.750/RS, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RE 496.244/RS, Rel. Min. EROS GRAU – RE 601.712/RS, Rel. Min. CARLOS BRITTO – RE 603.855/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.).  O exame da presente causa evidencia que o acórdão ora impugnado diverge da diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na matéria em referência. Sendo assim, considerando as razões expostas, conheço e douprovimento ao presente recurso extraordinário (CPC, art. 557, § 1º-A). Publique-se. Brasília, 18 de dezembro de 2009.  Ministro CELSO DE MELLO – Relator”.
Logo a seguir o Juiz Federal da área de jurisdição de Giruá Executou a Sentença contra a Fazenda Pública de Giruá publicada no dia 19 de maio de 2010 com o teor abaixo
 
“EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONTRA FAZENDA PÚBLICA Nº 2003.71.05.005440-0/RS - DESPACHO/DECISÃO
Vistos, etc. Haja vista o trânsito em julgado da decisão proferida nestes autos, tendo o Supremo Tribunal Federal dado provimento ao recurso extraordinário, sob o fundamento de que o direito àsaúde, como está assegurado no art. 196 da Constituição Federal, não deve sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele, defiro o pedido do exeqüente e determino a intimação do Município de Giruá acerca da referida decisão, para que, a partir da ciência da presente:
a) permita o acesso do paciente à internação pelo SUS e o pagamento da chamada diferença de classe, para obter melhores acomodações, pagando a quantia respectiva, quer ao hospital, quer ao médico;
b) abstenha-se de exigir que a internação só se dê após exame do paciente em posto de saúde (outro médico que não o atendeu), e de impedir a assistência pelo médico do paciente, impondo-lhe outro profissional. Cientifique-se o representante legal do Município de que, havendo descumprimento da decisão proferida nestes autos, incorrerá o executado em multa diária, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais).
Oficie-se à Prefeitura do Município de Giruá. Cumpra-se. Intimem-se. Santo Ângelo, 13 de maio de 2010.
Lademiro Dors Filho - Juiz Federal Substituto - D.E. Publicado em 19/05/2010
 
E finalmente a notícia no site do CRM-RS:
Ação do Cremers pela ‘diferença de classe’ no SUS obtém vitória no STF
O Cremers obteve vitória no Supremo Tribunal Federal em sua luta pela volta da ‘diferença de classe’ no Sistema Único de Saúde, que deixou de vigorar em 1991 a partir de resolução do extinto INAMPS. A decisão refere-se especificamente a Giruá, mas seguem tramitando outras ações do Cremers, envolvendo Porto Alegre e mais dez cidades gaúchas que têm o SUS municipalizado.

De acordo com o consultor jurídico do Conselho, Jorge Perrone, a decisão do STF deverá ser a mesma em relação às outras ações, atingindo posteriormente todo o Estado, também alvo de ação do Cremers.
 
O presidente do Cremers, Cláudio Franzen, comemorou: “A decisão é de alto alcance social, pois garante ao cidadão o direito de escolher seu médico optando por internação diferenciada, sem perder o direito de que parte de suas despesas sejam cobertas pelo SUS”.
Ao julgar favoravelmente o recurso extraordinário do Cremers, o ministro relator Celso de Mello frisou, remetendo para decisão anterior da Primeira Turma do STF, tendo como ministro relator Ilmar Galvão:
“... o direito à saúde, como está assegurado no artigo 196 da Constituição, não deve sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele. Inexistência, no caso, de ofensa à isonomia”.
O ministro referiu a existência de vários outros precedentes no STF, mais recentes ainda, no mesmo sentido.
No dia 13 de maio, o Juiz Federal Substituto Lademiro Dors Filho intimou o município de Giruá a que: “- permita o acesso do paciente à internação pelo SUS e o pagamento da chamada diferença de classe, para obter melhores acomodações, pagando a quantia respectiva, quer ao hospital, quer ao médico; - abstenha-se de exigir que a internação só se dê após exame do paciente em posto de saúde (outro médico que não o atendeu), e de impedir a assistência pelo médico do paciente, impondo-lhe outro profissional”.
Foi fixada multa diária de R$ 500,00 no caso de descumprimento da decisão.”
 
3. COMENTÁRIOS:
A)A ESSÊNCIA DA PROPOSTA:
 
Quem quiser optar por profissional de sua escolha e por acomodação com padrão de conforto diferente do SUS deverá pagar complementação dos honorários profissionais e das despesas decorrentes da acomodação diferenciada. Todomédico pode internar seu paciente pelo SUS e cobrar a diferença e pode ver seu paciente em qualquer lugar recebendo por fora seus honorários. A ISTO DENOMINA-SE OFICIALMENTE NOS DOCUMENTOS ACIMA DE “DIFERENÇA DE CLASSE”... EXATAMENTE O QUE É UM SUS PRN (PARA RICOS E NOBRES) E UM SUS PPM (PARA POBRES E MISERÁVEIS)!!!
 
 
B) INICIATIVAS ANTERIORES LEVADAS EM CONSIDERAÇÃO
O INAMPS, ANTES DO SUS, PERMITIA A COBRANÇA POR FORA
Um dos argumentos, usado comumente, é de que o  INAMPS desde 1974 previa essa opção de complementação o que com a instituição do SUS, em 1990 teriapermanecido vigente até agosto do ano subseqüente.
Realmente houve um período em que o INAMPS, há quase quarenta  anos, autorizou, durante um curto espaço de tempo (jamais até 1991!) , a cobrança de complementaridade. O fato de se ter um documento legal, de 30 de agosto de 1991 que, veda a cobrança complementar a qualquer título, não significa que durante estes anos todos de 1974 a 1991 ficou permitido o pagamento de acomodações superiores dentro do INAMPS, hoje SUS. Todos sabem que a  norma do INAMPS vigorou por pouco tempo. Mas, o texto de 8/91, do presidente do INAMPS é bem mais abrangente do que se procura interpretar. Sempre houve denúncias de que profissionais cobravam por fora para internar, operar ou prestar um atendimento de emergência ou não. Ricardo Akel, um dos últimos presidentes do INAMPS, administrador competente e íntegro, dizia na Resolução 283 de 30/8/1991, entre outras coisas: “a Autorização de Internação Hospitalar, AIH, garante a  GRATUIDADE TOTAL da assistência prestada, sendo vedada à Unidade Assistencial, a cobrança, ao paciente ou seus familiares, de complementaridade a qualquer título. Nos casos de urgência/emergência e não havendo leitos disponíveis nas enfermarias, cabe à Unidade Assistencial, proceder a internação do paciente em acomodações especiais, sem cobrança adicional a qualquer título”. Não foi por este documento que se extinguiu a possibilidade de cobrança de até uma vez a tabela do INAMPS para os profissionais e a diferença de acomodação em apartamento. Isto já tinha ocorrido muitos anos antes. Aqui, o que se proíbe, é qualquer tipo de CPF(Cobrança por Fora) prática imoral e ilegal que existe ainda hoje, está relatada e apareceu nas pesquisas do MS feitas com pessoas internadas pelo SUS.
 
EXISTÊNCIA DE JURISPRUDÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Existe acórdão do Supremo Tribunal Federal, analisando um caso concreto de paciente que pretendia, internado pelo SUS, pagar sua acomodação especial. Dois pontos deste acórdão chamam à atenção. O primeiro é que “facultou-se um atendimento diferenciado em situação diferenciada... diante de uma leucemia mielóide aguda que necessitava de isolamento protetor em quarto privativo”. Analisado o caso, o próprio SUS poderia garantir esta acomodação diferenciada. Faz parte de suas condutas, garantir acomodações individuais para pacientes portadores de doenças infecto-contagiosas (isolamento) bem como para pacientes com risco de se infectarem (isolamento reverso). Bem como, acompanhantes para idosos, deficientes e crianças internados.
O segundo ponto é que, em momento algum, o acórdão refere-se a, ou legitima o pagamento de complementação de honorários profissionais, o que é objeto da solicitação do CRM-RS e da decisão do Juiz Substituto de Santo Ângelo  no caso Giruá.
As demais RE citadas pelo Ministro, todas elas, individuais ou coletivas se baseiam no mesmo argumento do Ministro Ilmar Galvão. Nenhuma das coletivas ainda foi julgada em definitivo.
 
D) ARGUMENTAÇÃO NORMALMENTE UTILIZADA PELOS DEFENSORES DA COBRANÇA POR FORA DENTRO DO SUS
 
A PROIBIÇÃO DA COBRANÇA POR FORA (CPF) LEVOU AO DESCREDENCIAMENTO DE HOSPITAIS E PROFISSIONAIS EXPERIENTES
É um dado que precisa ser demonstrado, pois ao que parece o descredenciamento ocorreu muito mais por uma defasagem de pagamentos de tabela que pelo cancelamento da autorização de cobrança complementar. Temerário, igualmente, seria concluir que permaneceram credenciados, apenas, os menos experientes. Um outro lembrete, alguns profissionais que cobravam por fora cobravam apenas seus próprios honorários muitas vezes sem benefício para seus auxiliares, anestesistas e outros profissionais e muito menos para a Instituição.
 
A PROIBIÇÃO DA COBRANÇA POR FORA (CPF) TROUXE PREJUÍZOS À POPULAÇÃO  
A medida vigorou num período em que o INAMPS atendia, quase que  exclusivamente, as pessoas filiadas à previdência. Com a CF houve a universalização da atenção, com aumento duplicado ou triplicado das pessoas que têm acesso ao SUS. Afirmar que, com o cancelamento da possibilidade de pagamento por acomodações especiais, a população teve prejuízo, não tem o mínimo fundamento. Digo com a segurança de quem viveu, no exercício profissional direto como médico pediatra assistente, o antes, o durante e o depois.
 
A PROIBIÇÃO DA COBRANÇA POR FORA (CPF) EXPULSOU A CLASSE MÉDIA DO SUS
Retirou do SUS a camada social com mais poder de reivindicação.” “Isto transformou o SUS em sistema para pobres.” Lamentavelmente, a constatação de que a classe média migrou para planos e seguros de saúde é verdadeira como constatação. Mas, todos  sabemos, a classe média sentiu-se “expulsa” do SUS por fatores multicausais. O fato de que pudessem pagar por fora, para ter acomodações especiais, não poderia ser considerado o determinante deste fato. Apenas entre 5 a 10% das pessoas necessitam anualmente de internações e este não pode ser o argumento principal. A procura pelos planos de saúde é muito determinada pelo atendimento ambulatorial do dia a dia.
 
A PROIBIÇÃO DA COBRANÇA POR FORA (CPF) RESULTOU EM DESFINANCIAMENTO DO SUS.
Tem-se conhecimento acumulado de fatores que determinaram o desfinanciamento do SUS. Entre eles deve estar a perda do poder de fogo de melhor vocalização, como é a classe média. Novamente tem-se que pensar em multicausalidade como causa da saída da classe média do SUS e do desfinanciamento.
 
A PERMISSÃO DA COBRANÇA POR FORA (CPF) NÃO AGRIDE A ISONOMIA DO ATENDIMENTO DO SUS
Para mim há uma agressão teórica e prática. No momento que eu possibilito diferenciações de tratamento no SUS na dependência de quem, tem ou não dinheiro, automaticamente se agride o cidadão. Na prática existem outras questões que passam pelo fato de se ter vaga para quem complementa e não ter para quem não complementa. O processo aí sim, leva à discriminação. De maneira pior, no momento que se associa o pagamento de acomodação diferenciada ao pagamento do profissional médico de complementação, se está admitindo que existirá diferença não apenas na acomodação, mas no tratamento profissional. Isto é imoral, exatamente porque agride a isonomia do atendimento ao cidadão.
 
A PERMISSÃO DA COBRANÇA POR FORA (CPF) PROTEGE OS DIREITOS DOS USUÁRIOS
Completa-se a defesa com a argumentação de que a CPF facilita a aliança entre a classe média e pobre da população para fortalecer o SUS universal, justo e eficiente. Afirmo com a maior veemência que se trata exatamente do contrário: O PAGAMENTO POR FORA, DENTRO DO SUS, ENFRAQUECE O SISTEMA DE SAÚDE PÚBLICO, UNIVERSAL, JUSTO E EFICIENTE.
 
4.CONCLUSÃO
Juridicamente está criado o SUS-PPM e o SUS-PRN. O SUS-PPM é o SUS para Pobres e Miseráveis, ou  seja, o SUS a que têm direito aqueles que não poderão pagar diferenças em hospitais e clínicas. De outro lado o SUS-PRN que equivale ao SUS para Ricos e Nobres. Sob pretexto de garantir direitos,  o judiciário acaba de instituir oficialmente a cobrança por fora, geradora da grande discriminação.
Um parênteses. Imagine-se o surrealismo da mesma iniciativa de cobrança por fora no Judiciário. Juízes recebendo réus e seus advogados em ambiente refrigerado, móveis novinhos, quadros de artistas famosos nas paredes. O fórum receberia pelas acomodações especiais e os Juízes receberiam pelo seu trabalho diferenciado de julgar. Imaginem no campo policial: camburões refrigerados com amortecedores hidráulicos, cassetetes de veludo, protetores auriculares para amortecer o som estridente das sirenes.Tudo ao módico custo de se pagar este conforto acomodativo e o trabalho diferenciado dos profissionais policiais. Na educação, poderia produzir efeitos maravilhosos capazes de “trazer a classe média” para a escola pública. Melhorando a educação dos pobres pelo poder de vocalização dos médios. Salas de aula climatizadas com móveis novos, paredes decoradas, água gelada, refrigerantes e bolachinhas, giz antialérgico e higiênico! Turmas menores! Para melhorar a educação, os pais da classe média pagariam uma diferença (claro que regulada pelo Ministério da Educação) pelas acomodações diferenciadas e para os profissionais professores... diferenciados.  Imaginem o direito de cada cidadão escolher o seu promotor, o seu juiz de direito (o seu Ministro do STF, para julgar!!!), os professores das escolas públicas e privadas, o policial de seu bairro e sua cidade. Seria maravilhoso?!!!... Surrealismo puro! O mérito da questão contraria os princípios e diretrizes constitucionais e do Sistema Único de Saúde.
 
Mesmo se legal, podemos fazer um raciocínio matemático de custos, para ver o insólito da questão. O cobrar diferenças por acomodações especiais pode ser explicado (ainda que não justificado no SUS) dentro do critério do “custo efetivo”. Se um apartamento poderia acomodar quatro pessoas e se transforma para acomodar apenas uma pessoa, o custo aumenta e consequentemente, tem que ser remunerado. O mesmo, se diga, do custo de outros diferenciais como tamanho do apartamento, ante salas, vestiário, aparelho de TV, geladeira, cama de acompanhante, mesa e cadeiras etc. etc. Já, outros custos hospitalares não mudam. Não se altera o custo dos medicamentos,  aparelhos,  cuidados de enfermagem, sala cirúrgica, material médico-hospitalar etc. A grande reflexão, tem que ser feita em relação à diferença de honorários profissionais. Qual substrato justificaria a cobrança de adicionais do trabalho médico em relação ao tipo de acomodação escolhida pelo paciente? O médico ofereceria que tipo de serviço diferenciado para poder receber mais por ele? Mais tempo de cirurgia? Mais tempo de exame e consulta? Mais disponibilidade de dar atenção aos pacientes e aos familiares? Nada disto escaparia a uma mínima base ética. A menos que o raciocínio seja outro, totalmente diferente deste e que não se possa externar! Se justificável, o que não admito, não deveríamos ter também diferenciais para os demais profissionais responsáveis pelas internações? Os de enfermagem ou outras profissões envolvidos no atendimento?

Não se trata de quebrar princípios fundamentais de universalidade, de igualdade, de equidade para resolver problemas de apenas uma parte dos envolvidos. As estórias de Hood  Robin se repetem, apenas mudando de rótulos. Já vimos este filme de uso dos pobres para salvar a classe média e os que mais têm  com a dupla porta dos hospitais públicos: uma para os “pobrinhos” do SUS e outra para os “riquinhos” dos planos privados ou denominados privados puros. Uma porta com fila quilométrica que não anda e uma porta sem filas. Agora é a dupla porta, também discriminadora e discriminatória, entre os que menos têm e os que mais têm. Dentro do próprio SUS, para os hospitais contratados e conveniados e pela decisão, também nos hospitais públicos.

 Cada dia  tenho mais receio de que a universalidade e igualdade constitucionais do SUS venham a ser diminuídos radicalmente. Aqui, como naFARMÁCIA POPULAR, a ruptura do princípio é a mesma: quem pode, paga por fora,  e tem; quem não pode pagar por fora, tem menos ou nada tem. 
Não podemos tirar o foco do problema e criar saídas espúrias. Para conseguir remuneração mais justa para os profissionais de saúde e para as instituições prestadoras o caminho é pagar de forma mais justa em preços e prazos, dentro do Sistema Único de Saúde.

Temos que lutar pelo melhor financiamento da saúde onde os prestadores públicos e privados e os profissionais, de todas as áreas, possam receber de valores compatíveis com o equilíbrios econômico, como manda a Lei 8080. Na verdade uma luta que se desdobra em cinco: aumentar recursos, combater a corrupção, mudar o modelo de fazer saúde, ter mais eficiência nos gastos de saúde e mudar o Brasil para que os condicionantes e determinantes da saúde sejam melhor garantidos. Esta é a grande luta. É para isto que temos que trabalhar. A atual tabela de pagamento de profissionais e serviços de saúde é, na maioria dos procedimentos, iníqua. Principalmente os de baixa e baixa-média complexidade. Em vários deles a inexistência  de equilíbrio econômico na remuneração  feita pela Tabela Nacional do SUS chega às raias de cinismo administrativo dos contratantes e pagadores.
 
Vamos nos unir todos nesta luta: parlamentares, profissionais de saúde, instituições prestadoras de serviços de saúde, lucrativos e não lucrativos e suas associações corporativas profissionais e institucionais. Temos saídas, mas, por favor, não entremos nestes descaminhos prenhes de iniqüidade contra o cidadão. Podemos e devemos todos, profissionais e instituições sermos remunerados de forma  justa, sem com isto diminuir ou ferir a cidadania de todos os brasileiros. É o que devemos, unidos, buscar. 
Companheiros, camaradas, cidadãos:  vamos à luta!
 
 
 
 
2.  SEGUNDA PÁGINA - TEXTOS DE OPINIÃO DE TERCEIROS
 
2.1 TEXTO DE PAULO CAPEL NARVAI – PROFESSOR DA USP
 
Mais uma agressão ao SUS
Paulo Capel Narvai (*)
Houve um tempo em que importantes lideranças da Reforma Sanitária e das lutas pelo direito à saúde no Brasil acreditavam que “todos querem o SUS”, que “somos todos pelo SUS”. Ledo engano. Desde o dia em que o Congresso Constituinte aprovou a criação do que viria a ser o Sistema Único de Saúde (na sessão de 17 de maio de 1988, com 472 votos favoráveis, 9 contrários e 6 abstenções), os setores contrariados não pararam de agir para inviabilizar o sistema. Não tem sido nada fácil defender o SUS e o direito à saúde no Brasil. As agressões têm sido diárias desde então. Nos últimos 26 anos, os que investem na inviabilização do SUS, boicotam o sistema utilizando-se de estratégias que vão do deliberado sucateamento das unidades de prestação de serviços, como hospitais, prontos-socorros e centros de saúde, à sua asfixia financeira. É amplamente reconhecido que os recursos previdenciários vêm sendo progressivamente retirados do financiamento do SUS. A ideia de estruturar no Brasil uma seguridade social forte, capaz de fazer frente aos enormes desafios de um país com tantas e profundas desigualdades, é praticamente letra morta na nossa Carta Magna. Neste contexto, os inimigos do SUS vêm contando, para seus propósitos, com a leniência de autoridades públicas, de parlamentares e até mesmo de lideranças sindicais.
Em cenário de indiferença à dor, sofrimento e morte que vêm com as doenças, quando se pensava esgotado o repertório de agressões ao SUS, eis que somos surpreendidos pela convocação, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de audiência pública sobre o Recurso Extraordinário (RE) 581488, interposto pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (CREMERS). O inusitado do recurso é que tem origem em uma entidade médica, autarquia federal vinculada ao Ministério do Trabalho, que propõe a instituição do que denominou “diferença de classe” como critério para internação hospitalar pelo SUS. Em primeira instância, a Justiça Federal da 4ª Região decidiu desfavoravelmente à pretensão do CREMERS, que movera ação civil pública contra o Município de Canela exigindo-lhe que, na condição de gestor municipal do SUS, adotasse o critério da “diferença de classe” para a internação hospitalar no município, com a finalidade de melhorar o tipo de acomodação do paciente e possibilidade de contratação de profissional de sua preferência, mediante o pagamento da respectiva diferença. Pretendia-se admitir, portanto, a prestação de cuidados diferenciados aos pacientes, segundo “classe”, em serviço público de saúde.
A audiência patrocinada pelo STF é momento relevante para que os participantes identificados com as lutas pelo direito à saúde no País, e contra a transformação de cuidados de saúde em mercadorias, possam reafirmar sua rejeição ética à visão dos cuidados em saúde como negócio, e defendam o SUS como um sistema público de saúde de acesso universal e ações equitativas, diferenciadas apenas em função de critérios biológicos e necessidades específicas de saúde. Com esta perspectiva, esses participantes poderiam também reafirmar a necessidade de o STF:
1) rejeitar, veementemente, a vinculação "pagamento-cuidado em saúde", em qualquer serviço público de saúde em qualquer parte do território nacional, com base na disposição constitucional que reconhece que ações e serviços de saúde são de "relevância pública", direito do cidadão, dever do Estado, e, portanto, não devem ser tratados como mercadorias;
2) reafirmar que recursos públicos destinados à saúde devem ser destinados aos serviços estatais de saúde e, apenas de modo complementar, nos termos da lei, aos serviços de propriedade particular, sem fins lucrativos, que, para receberem e aplicarem esses recursos, devem se submeter às decisões do comando do SUS em cada ente federativo, sempre de modo transparente e sob controle público dos respectivos conselhos de saúde, nos quais devem estar representadas as entidades de trabalhadores da saúde e os movimentos sociais organizados para a defesa da saúde como direito social;
3) determinar que o meio mais apropriado para cidadãos "pagarem" por ações e serviços de saúde é não sonegarem impostos e contribuições devidas ao Estado brasileiro. Para disporem de “melhor acomodação” em serviços públicos de saúde devem lutar por isso ao lado dos demais brasileiros;
4) recomendar a aprovação, em caráter de urgência, pelo Congresso Nacional, de uma Contribuição Para o Financiamento do SUS (CPFSUS), nos moldes da CPMF da saúde (isentando do recolhimento as movimentações financeiras inferiores a 3 salários mínimos ou o patamar que os parlamentares considerarem mais adequado), para dar um basta na asfixia financeira do SUS e dotar o sistema de saúde dos recursos de que necessita para cumprir sua missão em todo o País;
5) movimentar o Poder Judiciário e, dada a credibilidade, prestígio e importância republicana do STF, fazer cessar, imediatamente, a renúncia fiscal envolvendo cuidados de saúde e impedir os negócios realizados entre empresas e operadoras de planos de saúde, cujos contratos implicam valores definidos bilateralmente apenas por esses agentes econômicos, sem transparência, sem participação dos trabalhadores e sem qualquer controle por conselhos de saúde;
6) utilizar os instrumentos legais à disposição do Supremo Tribunal Federal para, nos termos da lei, e em caráter de urgência, vetar a possibilidade de financiamento de campanhas eleitorais, para qualquer tipo de mandato, por operadoras de planos de saúde, por violação da ética da responsabilidade pública na saúde e por se constituir em burla da legislação vigente;
7) determinar que, imediatamente, cesse o monopólio dos cargos de direção da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) por profissionais vinculados, direta ou indiretamente, às empresas que operam no setor de saúde suplementar, exigindo-se que pessoas indicadas para cargos diretivos de qualquer agência de saúde, em qualquer ente federativo, tenham seus nomes aprovados pelos respectivos conselhos de saúde antes de serem homologados pelo poder legislativo competente, quando houver essa exigência.
Estes aspectos estão muito longe de esgotar o conjunto de problemas enfrentados para fazer cumprir os artigos 5º, 6º e 196 da Constituição brasileira de 1988, mas ajudam, creio, a não nos perdermos na geleia geral em que querem nos jogar o CREMERS e outros assemelhados, pisoteando direitos e investindo na consolidando de iniquidades, que a maioria dos brasileiros recusa e contra as quais vem se mobilizando, conforme claramente indicaram as manifestações de junho de 2013.
 
 
(*) PAULO CAPEL NARVAI, 59, doutor em saúde pública, é professor titular da Faculdade de Saúde Pública da USP. 
 
2.2 TEXTO DE LENIR SANTOS
 
A DUPLA PORTA NO SUS
Lenir Santos[1]
 Assunto que tem sido crucial na assistência à saúde, conhecido como “duas ­por­tas” ou “dupla porta” ou “cobrança por fora no SUS” e que está presente no serviço público de saúde desde os anos 90, agora será tema de audiência pública no STF.
dupla porta, vamos chama-la assim, é uma forma, que o poder público encontrou de aumentar os recursos financeiros do hospital público e a remuneração do médico servidor público.
Sua forma de cobrança se dá sempre mediante uma fundação de apoio, privada, que se instala no âmbito do serviço público hospitalar e passa a gerir o hospital como se privado fosse, instituindo duas categorias de cidadão: os com e os sem planos de saúde. Tem sido bem comum os hospitaispúblicos instituírem esse sistema de atendimento desigual ao paciente.
A chamada “duas portas” traduz-se pela preferência de atendimento nos hospitais públicos, às pessoas que possuem planos ou seguro-saúde, ou que se dispõe a pa­gar pelos serviços prestados. Para cada tipo de clientela, um tipo de acesso aos serviços; para os que pagam, garante-se atendimento prio­ritário, sem filas, em sala de espera confortável, com consulta pré-agendada etc.; aos demais (cidadãos brasileiros, com direito à saúde de forma igualitária), o atendimento é de segunda classe; consulta e exames com espera de semanas ou meses, filas, a insensatez e o desrespeito na marcação de todas as consultas do dia em um único horário; salas de espera sem o menor conforto, cirurgias agen­dadas em datas incompatíveis com a necessidade da intervenção e assim por diante.
O hospital é público, o patrimônio é público, o direito à assistência à saúde é isonômico, os servidores são públicos, mas a cobrança direta é instituída e o tratamento é diferenciado. Os hospitais com “duas portas” têm uma fundação de apoio, que, num passe de mágica, transforma tudo em privado. Até o seu servidor passa a poder exercer a medicina privada no âmbito público, recebendo valores complementares à sua remuneração salarial, o que é uma aberração jurídica.
Essas fundações de apoio — que são instituídas, geralmente, por servido­res públicos e seu patrimônio depende de recursos públicos — celebram convênio com planos e seguradoras de saúde e ­reservam parte dos serviços dos hospitais públicos “apoiados”, a essa cliente­la, em desres­peito, ainda, ao art. 32 da Lei no 9656, de 1998 que determina o ressarcimento aos cofres públicos pelas operadoras de planos e seguro saúde, em razão dos serviços prestados aos seus beneficiários.
Os recursos arrecadados são depositados nos cofres das fundações de apoio privadas e destinam-se, dentre outro, ao pagamento de gratificações aos servidorespúblicos (médicos). A administração pública é conivente com essa situação, com ela convivendo há anos, sem grandes reparos feitos ­pelos órgãos de controle interno e externo (exceto os conselhos de saúde que sempre repu­diaram essa burla, lutando contra ela há anos e membros do Ministério Público), defendendo-a em nome da “eficiência e pos­sibilidade de captação de recursos extras e, por que não dizer, pelas facilidades administrativas que essas fundações privadas permitem”.
O Ministério Público, no estado de São Paulo, há mais de dez anos, propôs uma ação civil pública contra a instituição da “dupla porta” no Hospital das Clí­nicas, autarquia estadual; ação que não logrou efeito, visto que o Poder Judiciário, em decisão de primeira e segunda instância, entendeu legal esse tipo de discriminação ­social, de violação à Constituição Federal e à Constituição pau­lista que veda expressamente a cobrança nos serviços públicos de saúde — (art. 222, V), e à garantia da ­gratui­dade prevista no art. 46 da Lei no 8.080/90. E a partir de 2012, fere a Lei Complementar 141, art. 3º.
Os serviços de saúde públicos devem ser de acesso universal e igualitário, não podendo haver nenhum tipo de discriminação ao cidadão usuário. A Lei Complementar 141, em seu art. 3ª, determina serem gratuitos os serviços públicos de saúde, de acesso universal, não podendo haver serviços preferenciais para determinados extratos sociais em detrimento de outros.
Ao determinar a Lei 9656 o ressarcimento pela operadora aos cofres públicos quando o cidadão detentor de plano de saúde utilizar serviços públicos, deu consequência ao acesso universal e igualitário, obrigando que a operadora, após o atendimento, ressarça os cofres públicos, uma vez que recebeu para garantir evento futuro e aleatório (que é o agravo à saúde).
Essa medida legislativa visou inibir o atendimento discriminatório ao cidadão que não tem plano de saúde; mas na prática tem sido duplamente punido porque as vagas dos hospitais públicos serão utilizadas de forma privilegiada por aqueles que podem escolher serviços privados para o seu atendimento.
Se a demanda por serviços públicos é escassa em relação às necessidades da população, como admitir que aqueles que têm outras formas de atendimento tenham privilégios no serviço público? Isso sem falar dos médicos que acabam por receber valores adicionais das operadoras de planos por atender privilegiadamente seus beneficiários.
Essa prática rompe com o princípio da igualdade, da equidade e fere o disposto no art. 196, no art. 3º da LC 141 e art. 46 da Lei 8080. Esse fato coloca o nosso país na contramão do caminho da justiça social, mantendo privilégios aos privilegiados.
País justo é um país saudável.
É doutora em saúde pública pela Unicamp; especialista em direito sanitário pela USP; coordenadora do curso de especialização em direito sanitário Idisa-Sírio Libanês. Advogada.
Em artigo  escrito em dez/1992 – Saúde em Debate – Cebes – 37 defendia que “se o segurado escolhe por contingência ou por sua livre vontade, um serviço público, a seguradora ou plano de saúde estaria obrigada a reembolsar o Serviço Público”. (Aspectos do financiamento das ações e serviços de saúde no SUS: seguro saúde e outras formas de medicina supletiva).
Não se pode confundir a fundação estatal (pública) com fundação de apoio (privada). São categorias jurídicas muito diferenciadas. A primeira depende de lei e integra a Administração Pública; a segunda pode ser livremente criada pelo particular em cartório e não integra a Administração Pública.
 
2.3 TEXTO DA ABRASCO
 
Ao
Supremo Tribunal Federal
Ref: audiência pública para ouvir o depoimento de autoridades e expertos sobre a modalidade “diferença de classe” de internamento hospitalar no Sistema Único de Saúde (SUS)
A institucionalização do Sistema Único de Saúde SUS na Constituição Federal (CF) de 1988 foi um marco na conquista de direitos humanos fundamentais no Brasil. A assistência à saúde que era fechada – pois acessível de direito apenas a trabalhadores contribuintes ativos da Previdência Social, e privada – para pessoas e famílias com condições econômicas para pagar por conta própria honorários médicos e despesas hospitalares, passa então a ser PÚBLICA e UNIVERSAL.
No capítulo II da nova Constituição desenha-se o arcabouço da Seguridade Social Brasileira (Art. 194) cobrindo os direitos de proteção previdenciária, à saúde e assistência social sob preceitos de universalidade, irredutibilidade, equidade no custeio e democracia na gestão do sistema. Sobrevindo à crise do financiamento da previdência da década de 1980, a CF não se omite e estabelece (Art. 195), que o Orçamento da Seguridade Social contará com a participação de toda a sociedade, de forma direta e indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e de contribuições sociais: de empregados e empregadores; faturamento e lucro líquido de empresas e outras fontes.
Para não deixar dúvidas sobre a decisão da sociedade em inaugurar uma nova era de direitos sociais no Brasil, a Constituição detalha nas Seções II – Saúde, III – Previdência e IV – Assistência Social os princípios doutrinários e organizativos do estado de proteção social. No Artigo 196 é então anunciado um novo modelo de assistência à saúde,compreendido como um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Tal afirmação do direito, contudo, é seguida da permissão à livre iniciativa na assistência à saúde (Art. 199) Assim configurado, o arcabouço constitucional reflete o embate entre o movimento social pela conquista dos direitos civis e à seguridade social por um lado e, por outro, o poderoso mercado de serviços privados que se desenvolvera no interior do sistema previdenciário brasileiro ao longo das décadas de 1960 a 1980.
É sabido dessa época a constituição do chamado complexo-médico-industrial: uma coalizão de interesses públicos e privados que sob a égide de expansão da cobertura de assistência médica previdenciária privilegiou a compra de serviços e o financiamento de estabelecimentos privados, em detrimento do investimento na rede pública de serviços de saúde. Em 1967, em pleno boom da expansão de cobertura de saúde no país, os leitos públicos representavam 18% da capacidade total, enquanto a Caixa Econômica Federal financiava a juros subsidiados a construção e reforma de empreendimentos hospitalares privados.
No início dos anos 1980 explode a “crise da previdência”. A credibilidade na prestação de serviços públicos é esterilizada na tragédia diária de milhares abandonados nas filas e corredores de estabelecimentos de saúde, enquanto os hospitais privados fechavam suas portas ao atendimento dos convênios com a Previdência, reclamando formas de pagamento mais vantajosas.
Ocorre naquele momento um fato que se liga de forma especial à situação que ora é examinada pelo Supremo Tribunal Federal, na apreciação do RE 581488, em que o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul defende a permissão de “diferença de classe” na internação hospitalar no Sistema Único de Saúde.
O fato é que, em meio à crise dos anos de 1980 a 1986, os interesses privados na saúde ganham a disputa e conseguem, a partir de 1982, impor à Previdência a tabela de remuneração da Associação Médica Brasileira, liberando para a cobrança de complementação de honorários médicos, hotelaria e diárias em internação. Os custos com tal complementação chegam a impactar em mais de 700% as despesas com assistência médica naquele período.
É nesse cenário que, em 1986, realiza-se a VIII Conferência Nacional de Saúde. Reuniu- se aí o conjunto de forças sociais e democráticas em defesa de um projeto público e universal para a saúde no Brasil. Tal projeto foi vitoriosamente conduzido para dentro da Carta Constitucional, finalmente aprovada em 1988.
Vivemos hoje um processo de crescente fragmentação do projeto de Seguridade Social previsto na CF, enfraquecido, sobretudo, pela não efetivação do orçamento então institucionalizado para a cobertura dos direitos previdenciários, à saúde e assistência social.
Nos últimos 25 anos assiste-se ao atrofiamento progressivo da responsabilidade da esfera pública com os gastos em saúde, enquanto proliferam incentivos e iniciativas estatais, de toda ordem, ao consumo e ampliação de serviços e empreendedores privados no setor saúde.
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva –ABRASCO, criada em 1979, tem sua história intimamente ligada ao movimento em defesa da reforma sanitária que se consolida na concepção de direitos vitoriosa em 1988. Constituída por pesquisadores, profissionais, professores e estudantes de graduação e pós-graduação em saúde coletiva, institucionalizou-se como espaço científico e democrático de mobilização e defesa dos princípios de igualdade, integralidade e universalidade na construção do Sistema Único de Saúde no Brasil.
Nessa oportunidade, a ABRASCO propõe-se a participar dessa importante iniciativa do Supremo Tribunal Federal, no sentido de contribuir para alertar a sociedade brasileira a respeito de tão grave ataque a nossas mais caras conquistas democráticas. O direito à assistência à saúde é um direito humano fundamental e não pode ser reduzido a mero ativo financeiro sob custódia de empreendimentos lucrativos; para a urgência de retomada dos preceitos constitucionais diante da ampliação de legitimidade que sucessivos governos têm permitido à iniciativa privada na assistência à saúde no Brasil e, consequentemente, demarcar a fragilidade do marco regulatório do setor privado de prestação de serviços de saúde no Brasil.
Rua Rosa da Fonseca no. 354 – Loja A – Manguinhos - Rio de Janeiro/RJ CEP 21.041-240 ((55) (21) 2598-2527- 2598- 2528 - 2560-8699 - 2560-8403 – Fax: Ramais 21 e 22 E-mail: abrasco@ensp.fiocruz.br Home page: www.abrasco.org
Caixa Postal 35502 – Manguinhos – CEP 21040-970 Rio de Janeiro - RJ 
 
 LENIR-DUPLA PORTA-ABR.2014
 
 P.CAPEL-ACOMODAÇÃO DIFERENCIADA-2014
 
 STF-AUDIÊNCIA PÚBLICA ACOMODAÇÃO DIFERENCIADA-MAIO_2014 (1)


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